O “estado de esgotamento físico e mental causado pelo exercício de uma actividade profissional”, mais conhecido por “burnout”, foi classificado pela Organização Mundial de Saúde como um “fenómeno ocupacional” – mas não como uma “condição médica” – na sua mais recente Assembleia-Geral que teve lugar em finais de Maio. Todavia, este reconhecimento deverá servir para uma maior sensibilização para um problema que afecta muitos trabalhadores e para legitimar o sofrimento a ele associado. De acordo com um recente estudo sobre o local de trabalho publicado pela Gallup, o burnout pode ser evitado, mas para que tal aconteça há que existir um eficaz alinhamento por parte da gestão e da organização, na medida em que, muitas vezes, este tem menos a ver com excesso de trabalho e mais com a forma como as pessoas são geridas
POR HELENA OLIVEIRA

Notícias não confirmadas estimavam que, e finalmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) iria incluir o burnout – ou o “estado de esgotamento físico e mental causado pelo exercício de uma actividade profissional” -na sua lista de “problemas de saúde”, mas quando foi divulgada a 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (ICD-11, na sigla em inglês), tal não aconteceu. Apesar de ter “subido de estatuto”. Na verdade, e desde 28 de Maio último, e no seguimento da Assembleia-Geral da organização, o burnout faz oficialmente parte da lista de doenças – apesar de esta classificação entrar em vigor apenas em 2022 – mas é classificado como um “fenómeno ocupacional” ou como uma “síndrome” resultante de “stress crónico no local de trabalho o qual não foi gerido com sucesso”. No ICD-11, é caracterizado por três dimensões, nomeadamente, “sentimentos de esgotamento de energia ou exaustão”, “distância mental crescente, sentimentos de negativismo e cinismo relativamente ao trabalho”e “eficácia profissional reduzida”.

Desde que entrou no léxico cultural em meados dos anos de 1970, o burnout tem servido para definir uma realidade sentida por inúmeras pessoas. E apesar da nova definição começar apenas por explicar esta complexa condição, os profissionais de saúde têm esperança que este reconhecimento traga uma maior sensibilização e consciencialização para a questão e que sirva para legitimar o que sentem aqueles que dela sofrem. De acordo com um porta-voz da OMS, o burnout já tinha sido anteriormente incluído na anterior versão do ICD, mas era definido como um “estado de exaustão vital”, algo vago e que apontava para a ideia de que “não se está doente, mas não se consegue executar as funções laborais”.

[quote_center]“O burnout é diferente da depressão dado que está especificamente ligado ao nosso trabalho e à relação que temos com ele”[/quote_center]

Num artigo publicado pela NPR, Elaine Cheung, professora de ciências sociais médicas na Feinberg School of Medicine, pertencente à Northwestern University, afirma que “conferir uma maior clareza à definição de burnout é importante” e que “é necessário existir uma maior discussão sobre a forma como é possível avaliar e definir, com maior precisão, esta condição”. Cheung afirma igualmente que são muitos os estudos que demonstram que certos aspectos da cultura no local de trabalho são responsáveis pelo risco aumentado de burnout e que os empregadores têm um papel crucial em endereçar a questão e ter em atenção se os trabalhadores têm um sentimento de pertença no mesmo, relações sociais fortes, um ambiente amistoso, uma carga de trabalho que não seja demasiado onerosa e um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal. A nova definição da OMS exige igualmente que, para diagnosticar uma situação de burnout, os profissionais de saúde têm de descartar a ansiedade, os transtornos de disposição e outros distúrbios comportamentais, o que para Cheung é importante, na medida em que “o burnout é diferente da depressão dado que está especificamente ligado ao nosso trabalho e à relação que temos com ele”.

Para muitos analistas, o burnout tem menos a ver com excesso de trabalho e mais com a forma como as pessoas são geridas. E foi exactamente por esse motivo que a Gallup introduziu a questão no seu mais recente Relatório Sobre o Estado do Local de Trabalho com alguns resultados que merecem ser partilhados.

Injustiça, prazos irrealistas e ausência de clareza na definição de funções

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No relatório publicado pela Gallup (e com dados para os Estados Unidos, mas que, e mesmo com algumas diferenças, podem ser transpostos para outros países desenvolvidos), é visível que as organizações estão a sofrer de uma crise de burnout. Dos 7500 empregados entrevistados, 23% admitiram sentir-se esgotados (burned out, em inglês) muitas vezes ou sempre, com mais 44% a reportarem o mesmo estado de esgotamento “às vezes”. O que significa, em números redondos, que cerca de dois terços dos trabalhadores a tempo inteiro sofrem desta condição.

Adicionalmente, existem empresas que parecem ignorar o enorme custo organizacional associado a este estado. Mas a verdade é que os custos são substanciais: empregados com burnout são 63% mais susceptíveis de tirar baixa e 2.6 vezes mais propensos a procurar um outro emprego. E, mesmo que se mantenham na empresa, têm por norma 13% a menos de confiança na sua performance e 50% a mais de probabilidades de discutir a abordagem dos seus objectivos de performance com o seu gestor. Adicionalmente, o burnout não acaba quando se fecha a porta da empresa, acompanhando quem dele sofre na vida pessoal: os empregados que sentem elevados níveis deste tipo de esgotamento são duas vezes mais propensos a admitir que não conseguem lidar com as suas responsabilidades familiares, com 23% dos mesmos a afirmar irem parar, por vezes, às urgências hospitalares.

[quote_center]Empregados com burnout são 63% mais susceptíveis de tirar baixa e 2.6 vezes mais propensos a procurar um outro emprego[/quote_center]

Para os líderes organizacionais que se preocupam com os seus empregados, o problema passa a ser duplo: apesar de não quererem que estes se sintam esgotados, precisam também de inspirar uma maior produtividade e performance. Todavia, e de acordo com os especialistas da Gallup, esta é uma falsa dicotomia na medida em que a condição de burnout tem menos a ver com excesso de trabalho e mais com uma forma ineficaz de gestão. E são vários os factores que, no estudo em causa, comprovam esta tese.

Por exemplo, quando os empregados “concordam fortemente” que são muitas vezes tratados de forma injusta no trabalho, a probabilidade de sentirem níveis elevados de burnout aumenta 2.3 vezes. Esta injustiça pode incluir algum tipo de preconceito, favoritismo ou alguma forma de mau trato ou abuso por parte de colegas, mas também uma compensação injusta ou determinadas políticas da empresa que não se coadunam com os valores dos trabalhadores. E quando os empregados não confiam no seu superior hierárquico, nos colegas de equipa ou na liderança executiva, este descrédito acaba por quebrar o laço psicológico e de pertença que confere significado ao trabalho. O mesmo acontece quando a carga de trabalho é manifestamente pesada e o empregado não consegue cumprir o que dele é esperado, o que contribui ainda mais para minar a sua própria confiança, aumentando os níveis de stress. Ainda segundo o relatório da Gallup, 40% dos trabalhadores afirmam não saber exactamente o que as chefias esperam deles e do seu trabalho. Esta ausência de clareza, com efeitos directos em termos de responsabilização e expectativas face aos objectivos a atingir, contribui também sobremaneira para a exaustão dos trabalhadores. O problema seria inexistente se os gestores discutissem abertamente o nível de responsabilidade e as metas de performance com os seus empregados, colaborando com eles para assegurar que as expectativas são claras e alinhadas com os objectivos.

[quote_center]Quando os empregados “concordam fortemente” que são muitas vezes tratados de forma injusta no trabalho, a probabilidade de sentirem níveis elevados de burnout aumenta 2.3 vezes[/quote_center]

Por outro lado, é importante não esquecer que o apoio por parte das chefias e uma comunicação saudável oferecem também um “amortecedor” psicológico, na medida em que os empregados sentem que, se algo estiver errado, podem contar com a ajuda dos seus gestores. Os trabalhadores que “concordam fortemente” sentirem o apoio das chefias têm cerca de 70% de probabilidades a menos de sentirem burnout de uma forma regular. Pelo contrário, um gestor negligente ou amigo do confronto apenas contribui para que os seus subordinados se sintam desinformados, sozinhos e na defensiva.

[quote_center]Os trabalhadores que “concordam fortemente” sentirem o apoio das chefias têm cerca de 70% de probabilidades a menos de sentirem burnout de uma forma regular[/quote_center]

Por último, quando os entrevistados afirmaram “sempre ou muitas vezes” não sentir tempo suficiente para cumprirem todas as suas tarefas, a probabilidade para caírem em estados de exaustão aumenta 70%. Prazos e objectivos irrealistas criam facilmente um efeito “bola de neve” – pois quando se falha um, falha-se também os que se seguem – e a pessoa sente que, para além de esgotada, está igualmente a fracassar nos seus deveres profissionais.

Quando o burnout se instala, é muito difícil inverter-se a situação

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Mas não é impossível, sendo esta uma tarefa directamente ligada com a gestão. De acordo com a Gallup, existem passos – muitos deles “óbvios” – que podem ser dados pelas chefias para se inverter este estado de esgotamento fisco e mental.

Um deles prende-se com o saber escutar os problemas relacionados com o trabalho, sendo que esta capacidade de escuta activa consiste numa das melhores formas de evitar os estados de stress e esgotamento. No estudo em causa, os respondentes cujas chefias têm disponibilidade para os ouvir falar dos problemas que vão surgindo no dia-a-dia da empresa têm menos 62% de probabilidades de caírem em situações de burnout. Por outro lado, e tendo em conta que os colegas de trabalho oferecem também uma importante linha emocional de apoio para empregados que não se sentem bem, sendo eles que melhor percebem – pelo menos mais do que os próprios gestores – os estados de stress que se vão acumulando, é da responsabilidade das chefias criar um ambiente em que o trabalho de equipa seja saudável, que promova a entreajuda e que assegure que existe sempre alguém com quem se pode desabafar e partilhar problemas.

[quote_center]Dados do estudo apontam para o facto de os empregados sentirem-se muito menos susceptíveis ao esgotamento próprio do burnout quando são capazes de fazer corresponder o seu trabalho à missão e/ou propósito da empresa[/quote_center]

Os gestores devem igualmente solicitar, e de forma activa, que os trabalhadores partilhem as suas opiniões e ideias, pois quando estes sentem que os seus pareceres são bem-vindos e que podem fazer a diferença, sentem igualmente que são importantes, que “fazem parte” do todo, aumentando até o seu nível de responsabilidade perante a sua própria performance. Este sentimento de pertença reduz também as possibilidades de burnout pois oferece aos trabalhadores um sentimento de controlo sobre o seu trabalho em vez de pensarem que este “acontece” simplesmente. Intimamente relacionado com este ponto está também o tão falado propósito. Dados do estudo apontam para o facto de os empregados sentirem-se muito menos susceptíveis ao esgotamento próprio do burnout quando são capazes de fazer corresponder o seu trabalho à missão e/ou propósito da empresa. Cada vez são maiores as evidências que demonstram que as pessoas não trabalham simplesmente para receber um ordenado ao final do mês, mas que precisam de encontrar um significado naquilo que fazem. E é também função das chefias ir mais além do que está escrito na declaração de valores da empresa e demonstrar aos seus trabalhadores que o seu trabalho é importante e que contribui para o bem maior da organização.

[quote_center]Os empregados a quem é dada a oportunidade de fazerem o que fazem melhor são 57% menos propensos a sentir sintomas de burnout[/quote_center]

Por último, os empregados a quem é dada a oportunidade de fazerem o que fazem melhor são 57% menos propensos a sentir sintomas de burnout. Os gestores conseguem retirar o melhor que há nas suas pessoas quando conseguem identificar o que elas fazem de melhor, elogiando-os e ajudando-os a progredir em funções e parcerias que maximizem os seus talentos naturais. O entusiasmo e o optimismo associados ao desenvolvimento dos pontos fortes dos trabalhadores reduz os níveis de stress e ajuda-os a concentrarem-se no seu próprio sucesso em vez de considerarem o trabalho como um fardo.

O estudo da Gallup chama também a atenção para o facto de que os gestores também são, eles próprios, bastante susceptíveis de sofrer de burnout, mais até do que os trabalhadores (26% vs 24%). Porque também são pessoas e porque também respondem hierarquicamente, precisam igualmente de ser ouvidos, de sentir que fazem parte de um todo, de sentir que importam, de contribuir de forma significativa para a empresa e de aprenderem e crescerem. E, como seria de esperar, quando os gestores se sentem mais comprometidos com o seu trabalho, o seu comportamento tem também efeitos positivos no compromisso dos seus trabalhadores.

Burnout é sintoma e consequência do ambiente laboral moderno

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Ninguém está imune ao ritmo muitas vezes alucinante dos ambientes laborais da actualidade, em conjunto com a sua complexidade e exigências crescentes, e com o facto de a tecnologia ter contribuído para esbater as fronteiras entre vida pessoal e profissional. Mas a verdade é que as organizações são responsáveis pelo bem-estar dos seus trabalhadores, sendo que é preciso não esquecer os múltiplos efeitos que o mesmo tem na saúde organizacional, seja em termos de turnover, de períodos de ausência devido a faltas por doença ou baixas e, consequentemente, no que respeita à produtividade. E a verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, os empregados querem trabalhar e querem ser produtivos. Assim, a Gallup chama a atenção para um aparente paradoxo – maximizar a produtividade ao mesmo tempo que se minimiza o burnout – assegurando que os dados recolhidos para o seu estudo demonstram que as organizações conseguem assegurar ambos, desde que se comprometam a identificar as causas que contribuem para estes estados de esgotamento, exaustão, apatia ou raiva relativamente ao trabalho.

[quote_center]Maximizar a produtividade ao mesmo tempo que se minimiza o burnout é possível[/quote_center]

Sublinhando que o primeiro passo para tal é concentrarem-se n formação dos gestores – pois a sua pesquisa demonstra que ninguém tem uma influência tão grande nos trabalhadores como estes – a Gallup oferece igualmente algumas sugestões para as empresas apostarem em ambientes que verdadeiramente apoiam os empregados e reduzem o burnout.

Uma delas está relacionada com a avaliação de performance, a qual informa os trabalhadores e os seus gestores como está a progredir o trabalho, ao mesmo tempo que tem influência nas conversas sobre a performance e nos incentivos financeiros. E dados do relatório da Gallup demonstram que os empregados que “concordam fortemente” que as suas métricas de avaliação estão de acordo com as suas expectativas são 55% menos propensos a cair em situações de burnout numa base frequente. A outra tem a ver com a autonomia – que integra a flexibilidade e o controlo – sobre o trabalho que tem de ser realizado. De acordo com os dados recolhidos, os empregados têm menos 43% de probabilidades de sofrerem de burnout quando têm opção de escolha nas tarefas que executam, quando as executam e quanto tempo despendem em cada uma delas. Todavia, a Gallup chama também a atenção que demasiada autonomia pode criar uma ambiguidade excessiva e transformar-se também num factor de risco de burnout, sendo que as empresas devem apostar num equilíbrio no que respeita a este ponto.

[quote_center]Uma cultura que seja flexível e que permita aos trabalhadores executarem as suas tarefas onde e quando lhes é mais favorável contribui igualmente para níveis mais reduzidos de burnout organizacional[/quote_center]

Vários estudos relacionados com os locais de trabalho têm vindo a demonstrar, de forma consistente, que quando os trabalhadores são constantemente interrompidos, a qualidade e a quantidade do seu trabalho sofrem impactos negativos, o mesmo acontecendo quanto ao seu bem-estar. Apesar de muitas empresas na actualidade optarem por espaços de trabalho abertos que, em princípio, servem para promover o trabalho colaborativo, as organizações têm também de ter em atenção que estes mesmos espaços têm de oferecer condições mínimas para que os empregados possam executar o seu trabalho com tranquilidade. Uma cultura que seja flexível e que permita aos trabalhadores executarem as suas tarefas onde e quando lhes é mais favorável contribui igualmente para níveis mais reduzidos de burnout organizacional, para além de ser uma tendência que está a ser crescentemente adoptada por muitas empresas.

A importância de existir um espaço que permita aos trabalhadores relacionarem-se com os seus colegas de trabalho – e que reduz em 26% a probabilidade de burnout – é igualmente apontada pelo estudo da Gallup. Quando os empregados têm de esperar numa fila para que vague uma sala de conferências, quando estão amontoadas em espaços exíguos ou quando são obrigados a trabalhar com constante ruído de fundo, a colaboração torna-se difícil e com impactos negativos no trabalho e no bem-estar dos trabalhadores. O mesmo acontece com as condições de luminosidade, as quais influenciam sobremaneira a forma como se trabalha. Uma boa iluminação é importante para maximizar a produtividade e promover emoções positivas no local de trabalho, sendo que está igualmente provado que a luz natural contribui para estados emocionais mais calmos e para menos stress. Pelo contrário, locais mal iluminados ou a presença de luz artificial podem causar estados negativos e depressivos nos trabalhadores.

Como remata a Gallup, o burnout não é inevitável, mas a sua prevenção requer um eficaz alinhamento por parte da gestão e da organização.

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