Ao contrário do que se previa, o período pós-pandémico não está a diminuir a carga que trabalhadores e líderes carregam nos seus ombros. Pelo contrário, os índices de exaustão profissional estão a aumentar e é cada vez mais maior o número de pessoas que procuram empresas que colocam o bem-estar holístico no centro da sua estratégia. Porém, quando se fala em fadiga ou em perturbações da saúde psicológica, geralmente são os empregados os actores principais deste flagelo. Mas e de acordo com um recente inquérito publicado pela consultora Deloitte , cerca de 70% dos executivos estão a considerar deixar os seus empregos optando por locais de trabalho que se preocupam mais com o seu estado emocional, com 57% dos empregados sem funções de gestão a querem demitir-se por razões semelhantes. O que valida a ideia de que também os líderes estão cansados e à procura de um novo sentido para as suas vidas
POR HELENA OLIVEIRA

Não existem dúvidas que a questão do bem-estar saltou para cima da mesa das empresas e que, em simultâneo, a pandemia tenha contribuído igualmente para colocar, nesta esfera que abarca várias questões, a saúde mental no mapa estratégico das organizações. Mas é também verdade que quando se fala em saúde mental, burnout, exaustão, depressão, entre outras palavras que passaram a fazer parte integrante do léxico empresarial, geralmente as mesmas são dirigidas aos trabalhadores. E sim, confirma-se que não eram muitas as organizações que reconheciam ou sequer se importavam com o (mau) estado geral da sua força de trabalho e que estas foram “obrigadas”, em muitos casos, e também para o seu próprio bem, a repensar o papel que desempenham na determinação da qualidade de vida dos trabalhadores e das suas famílias.

Todavia, pouco se fala sobre a saúde mental dos líderes ou executivos seniores, os quais são tão humanos quanto os seus colaboradores e em tudo o que tiveram de enfrentar ao longo dos anos de pandemia, a juntar ao periclitante clima económico que a esta se seguiu. Para já, um dado geral, para ambas as “classes”: ao contrário do que se pensava – que com a passagem para segundo plano do vírus pandémico os efeitos que dele advieram em termos de perturbações da saúde mental seriam menos dolorosos – são vários os estudos recentes que comprovam que os índices de burnout estão a aumentar.

Em particular nos Estados Unidos, mas contagiando outros países, a denominada Grande Resignação – ou a onda de demissões voluntárias por pessoas que procuram melhores condições de trabalho, qualidade de vida e uma nova carreira – continua a estar na ordem do dia, não mostrando sinais de abrandamento: e, não se limitando aos trabalhadores “normais” está, ao invés, a incluir cada vez mais executivos e líderes.

E entre os vários factores que convergem para esta renúncia ao “trabalho que se tinha”, o cansaço e a falta de apoio apresentam-se como os mais significativos. A título de exemplo, um recente inquérito publicado pela consultora Deloitte revelou que cerca de 70% dos executivos estão a considerar deixar os seus empregos optando por locais de trabalho que se preocupam mais com o seu bem-estar, com 57% dos empregados sem funções de gestão a querem demitir-se por razões semelhantes.

Depois do muito a que se tiveram de adaptar ao longo da pandemia, com esforços inimagináveis para manter as empresas que dirigiam à tona de água, a terem de reinventar a forma como as suas equipas trabalhavam, entre outros factores com os quais nunca tinham lidado, as exigências pós-pandémicas não diminuíram, antes pelo contrário.

Querem-se líderes financeiramente competentes, que conduzam os seus negócios para o crescimento em contraciclo com a realidade económica, que lidem com as crescentes reivindicações dos seus funcionários, que percebam qual a melhor forma de trabalhar para gerar a produtividade pretendida, que resolvam as diferentes frentes de guerra que coexistem nos locais de trabalho, que reinventem a “melhor” cultura organizacional, entre outras várias tarefas que estão a ser contínua e crescentemente escrutinadas. Ora, toda esta pressão é inimiga da saúde mental, não sendo por isso de estranhar que estejamos perante uma geração de líderes cansados, desanimados e a sofrer de exaustão profissional. Consequentemente, não é igualmente estranho que os CEO e a gestão de topo no geral estejam a deixar ou a trocar as empresas onde trabalham por posições em organizações que reconheçam o valor de uma força laboral saudável e, melhor ainda, feliz.

Nos últimos anos, as responsabilidades dos líderes executivos evoluíram e expandiram-se muito para além das suas competências funcionais e técnicas. E mesmo sendo do conhecimento geral – em particular dos que ocupam cargos de alta direcção – que as pressões para desempenhar este tipo de posições nunca são leves, exigindo um conjunto abrangente de aptidões, competências e experiências, é cada vez mais visível um nervosismo crescente em torno da tomada de decisões, a par do escrutínio aos olhos do público e dos próprios accionistas. Com a intensificação recente do “balão quase a rebentar” face ao agravamento dos desafios pandémicos e pós-pandémicos, com muitas empresas a navegar em ambientes cada vez mais complexos e onde a única certeza é a incerteza, é mais do que natural que os líderes não sejam imunes a estados avançados de exausto profissional e emocional.

Na medida em que muitas pessoas já não estão dispostas a tolerar empregos que as deixam infelizes e num estado constante de stress e fadiga, temos vindo a testemunhar igualmente uma notável “mudança de poder” nestes últimos anos, com os trabalhadores a exigirem mais dos seus empregadores do que nunca e com as empresas a esforçarem-se por adaptar a sua proposta de valor para evitar a escassez de talentos que grassa no mercado laboral.

O elevado número de demissões está a ter um enorme impacto nas organizações preocupadas com a retenção de talentos e agora também com a recessão, sendo estas taxas de rotatividade alarmantes para muitas empresas. E assumir que a recessão irá manter os líderes nas suas funções actuais a todo o custo é um erro. As empresas tóxicas podem confiar no medo e na escassez para reter os melhores talentos, mas a verdade é que os níveis de stress estão a disparar, muito graças a culturas tóxicas que estão a afastar até mesmo os líderes proeminentes de posições de liderança tradicionalmente muito cobiçadas.

Estudo confirma que os líderes estão a considerar o seu bem-estar como mais importante do que a sua progressão na carreira

Desde Junho de 2020 que o Future Forum – um think tank dedicado a ajudar os executivos das empresas pertencentes ao ranking Fortune 500 a construírem locais de trabalho mais flexíveis, inclusivos e “ligados” – tem realizado inquéritos trimestrais aos trabalhadores e gestores em todo o mundo, questionando-os sobre vários temas relacionados com a sua experiência laboral, produtividade, sentimento de pertença, formas preferidas de trabalho, entre outros. E, no seu mas recente Pulse (nome destas pesquisas trimestrais), já abarcando o Outono, os resultados a que chegou espelham igualmente este cansaço das lideranças, com os executivos inquiridos a mencionarem uma queda nos seus índices de satisfação geral na ordem dos 15%, a relatarem que o equilíbrio entre a sua vida pessoal e profissional se encontra 20% pior e que os seus níveis de ansiedade e stress relacionados com o trabalho sofreram um agravamento na ordem dos 40%.

Como afirma Brian Elliot, um dos responsáveis pela análise dos dados provenientes de mais de 10 mil trabalhadores e gestores de topo de vários países do globo, em tempos de perturbação como os que vivemos, os líderes têm duas hipóteses: ou perceberem que é altura de aprenderem novas competências ou insistirem no que “sempre funcionou”. Tendo em conta o stress macroeconómico que envolve o mundo empresarial e de acordo com o mesmo responsável, “é de certa forma compreensível que muitos queiram voltar ao que funcionou no passado”. Todavia, é preciso não esquecer que existem já duas novas gerações digitais nos locais de trabalho, que a força laboral está muito mais diversificada e que o ritmo acelerado de mudança significa igualmente maior concorrência. “Desta forma, ou mudam ou mudam, o que e para muitos é algo deveras assustador”, afirma Elliot.

E tal como o VER tem vindo continuamente a escrever, esta mudança necessária está cada vez mais relacionada com as novas formas de trabalhar que estão a provocar uma enorme confusão em muitas empresas. O Pulse de Outono do Future Forum, à semelhança de muitos outros estudos que têm vindo a ser publicados, confirma que os trabalhadores que gozam de flexibilidade total nos seus horários apresentam 29% a mais de produtividade face aos seus pares sem esta possibilidade, e uma capacidade superior em 53% de se concentrarem nas suas tarefas relativamente aos empregados que não podem usufruir desta modalidade laboral. Adicionalmente, os trabalhadores em regime híbrido são mais propensos a sentirem-se directamente ligados aos valores da empresa, bem como às suas equipas comparativamente aos que regressaram ao escritório e ao regime presencial total. Por último, as políticas flexíveis inerentes ao trabalho remoto foram citadas como o principal factor de melhoria no que respeita à cultura da empresa nos últimos dois anos.

Todavia, o que está a acontecer em diversos locais de trabalho é o facto de muitos líderes e gestores de topo não aceitarem que as regras do jogo mudaram e que os trabalhadores não vão abrir mão da flexibilidade e melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional a que se habituaram durante o período de pandemia. E, complementarmente, com todas estas alterações, são muitos os líderes que ainda não encontraram a fórmula certa para lidar com este novo mundo do trabalho no qual os trabalhadores estão muito mais reivindicativos e exigentes do que antes. Este é igualmente um factor que contribui para o aumento o stress e de outras perturbações na sua saúde mental, pois a prestação de contas não deixou de existir e são vários os desafios que têm de ultrapassar no que respeita a uma nova cultura organizacional que fará toda a diferença para um futuro mais ou menos risonho.

Como comprovado pelo estudo da Deloitte acima citado, tanto os trabalhadores como os executivos estão a dar uma prioridade significativa ao seu bem-estar. Porém, o estudo comprova igualmente que a gestão de topo deveria estar a fazer muito mais para compreende as necessidades dos seus trabalhadores, demonstrando com mais clareza que realmente se estão a preocupar com o seu bem-estar holístico.

O bem-estar, tanto para trabalhadores como para as suas chefias, continua em mínimos históricos

O impacto que a pandemia teve na saúde mental colectiva está ainda muta presente e, de acordo com a Deloitte, o bem-estar, tanto para trabalhadores como para as suas chefias, continua em mínimos históricos. De acordo com a pesquisa realizada pela consultora, mais de três quartos dos executivos (76%) afirmaram que a pandemia afectou negativamente o seu bem-estar, para além de uma proporção substancial de ambos os grupos relatar estados de fadiga e perturbações de ordem variada na sua saúde mental. De sublinhar igualmente que os executivos inquiridos identificaram estas mesmas perturbações com a mesma frequência (e, em alguns casos, com maior frequência até) que os empregados, o que prova que o bem-estar – ou a falta dele – não discrimina nem uns nem outros.

No entanto, apesar de eles próprios se debaterem com as várias questões relacionadas com o seu próprio bem-estar, o estudo evidencia também que os executivos não têm uma noção clara das lutas travadas pelos seus empregados no que à mesma matéria diz respeito. Ao contrário do que afirmam os trabalhadores, o estudo revelou que mais de oito em cada 10 executivos acreditam que as suas pessoas estão a prosperar em todas as dimensões do seu bem-estar. Mas e por exemplo, se por um lado apenas 47% dos trabalhadores acreditam que os seus executivos compreendem como a pandemia tem sido difícil para eles, 90% destes mesmos executivos acreditam que o reconhecimento destes desafios tem sido adequadamente tratado. Da mesma forma, enquanto apenas 53% dos trabalhadores sentem que os executivos da sua empresa têm tomado as melhores decisões para o seu bem-estar durante e pós-pandemia, 88% dos executivos acreditam que a sua tomada de decisões nesta área tem sido exemplar.

Mais alarmante ainda é o facto de apenas 56% dos trabalhadores inquiridos acreditarem que as suas chefias de topo se preocupam com o seu bem-estar, contrastando significativamente com a visão de 91% destas últimas, as quais estão convencidas que os empregados sentem que os seus líderes se preocupam verdadeiramente com eles. O que é uma lacuna considerável a colmatar.

Mas, e de regresso aos níveis elevados de burnout entre os executivos, existe um outro dado interessante neste estudo. Se ambas as “categorias” declaram que a melhoria do seu bem-estar é uma prioridade máxima neste período, são mais os executivos que a elegem (89%) do que os empregados (75%), com os primeiros (81%) a considerarem-na como mais importante do que a sua progressão na carreira versus 68% dos segundos a afirmar o mesmo.

Ademais e embora os inquiridos estejam motivados para melhorar o seu bem-estar, o caminho a seguir não será fácil. A maioria dos empregados (83%) e executivos (74%) dizem estar a enfrentar obstáculos substanciais quando se trata de alcançar os seus objectivos de bem-estar – estando estes largamente ligados ao seu trabalho. De facto, os dois principais obstáculos citados pelos inquiridos incluem uma carga de trabalho pesada ou um trabalho stressante (30%), a par de não terem tempo suficiente para fazer outras coisas devido às longas horas de trabalho (27%).

Para explorar melhor a ligação entre trabalho e bem-estar, foi pedido aos inquiridos que indicassem com que frequência são capazes de se envolver em hábitos e comportamentos saudáveis, com os resultados a comprovarem que, mesmo com o trabalho remoto ou híbrido, existe uma sobreposição cada vez maior entre a vida pessoal e profissional das pessoas, com um preocupante e crescente esbatimento dos limites entre ambas.

Os resultados revelaram que embora os executivos estejam em melhor situação do que os seus empregados, ambos os grupos têm dificuldade em arranjar tempo para o seu bem-estar. Por exemplo, apenas cerca de metade dos empregados e dois terços dos executivos utilizam todo o seu tempo de férias, fazem micro paragens durante o dia, dormem o suficiente e têm tempo para amigos e familiares.

Dadas as expectativas dos empregados e os benefícios claros de conferir prioridade ao bem-estar no trabalho, a verdade é, e de acordo com a Deloitte, 68% dos executivos não estão a tomar medidas suficientes no que respeita à saúde dos empregados. E porquê? Os executivos relataram algumas razões fundamentais: 20% cento sentem-se sobrecarregados e não sabem por onde começar, 18% não se sentem qualificados para se “apropriar” destas áreas, e alguns não têm financiamento suficiente (17%) ou apoio de outros executivos (16%) para o fazer.

Em suma, no actual ambiente laboral, os executivos estão a ser pressionados a conduzir equipas inteiras através de mudanças e dificuldades extraordinárias, uma vez que as forças de trabalho e os mercados ainda estão a tentar encontrar terreno estável para caminharem após os últimos dois anos. Executivos e líderes podem ser grandes decisores, mas isso não significa necessariamente que possuam as competências necessárias para liderar as pessoas em tempos de crises pessoais e profissionais. Além disso, muitas vezes não têm o poder ou influência para mudar a cultura e as prioridades de uma organização para dar aos membros das suas equipas a compensação e o respeito que exigem.

Ora, tudo isto a juntar a enormes cargas de trabalho, a incertezas contínuas, a escrutínios permanentes e a um ambiente macroeconómico cada vez mais instável, não é de todo de admirar que os líderes se sintam fatigados, confusos e com perturbações na sua saúde mental. Afinal, e como já referido anteriormente, são apenas humanos.

Editora Executiva