Um século passado sobre a celebração do primeiro dia dedicado às mulheres, a comunidade internacional “ainda ignora amplamente” as desigualdades sociais e de oportunidades entre estas e os homens. No mundo dos negócios, embora persista “uma aparente falta de preocupação” sobre o desenvolvimento da liderança no feminino, a temática “está a ganhar relevância nas agendas dos executivos de topo”. Sinais de mudança de algo que nunca foi novo
No dia 8 de Março de 2011 o mundo celebrou o centenário do Dia Internacional da Mulher. Cem anos depois de Clara Zetkin (professora, jornalista, política e activista social alemã nascida em 1857 que se tornou uma figura histórica do feminismo) ter tido a ideia de criar esta data, a qual viria a ser aprovada no congresso internacional das mulheres na Internacional Socialista, em 1910, a realidade actual é que “existe maior probabilidade de as mulheres serem pobres e maior probabilidade de serem analfabetas”, segundo a directora sénior da Amnistia Internacional para o Direito Internacional e Política. O sexo feminino representa hoje dois terços do trabalho global, mas apenas ganha dez por cento do rendimento mundial, denuncia Widney Brown num artigo de opinião publicado recentemente. Finalmente, as mulheres “produzem cerca de oitenta por cento da alimentação nos países em desenvolvimento, mas possuem apenas um por cento da propriedade”, afirma. Como conclui, “a igualdade das mulheres é vista como lamentável, mas inevitável”, já que a comunidade internacional “ainda ignora amplamente” factos como em muitos países continuar a ser-lhes dito aquilo que podem (ou não) fazer ou estas enfrentarem situações de perseguição ou abuso, caso não tenham em conta os códigos religiosos conservadores de vestuário (o que sucede, por exemplo, na Arábia Saudita, Chechénia e no Irão, ao mesmo tempo que as mulheres muçulmanas na Bélgica, França e em algumas regiões de Espanha poderão em breve estar a violar a lei, se o fizerem), ou caso promovam campanhas para a mudança (em países como a Rússia, as Filipinas, o México e o Nepal várias activistas têm sido assassinadas, enquanto na China, no Bangladesh, na Índia, no Zimbabué e em muitos outros países, são muitas vezes detidas e torturadas). Em 1975, a Organização das Nações Unidas instituiu oficialmente a data como Dia Internacional das Mulheres. Com este dia, a ONU pretende homenagear as mulheres de todas as nações, que “viram o seu papel na sociedade menorizado e os seus direitos violados por terem nascido mulheres, independentemente da sua nacionalidade, religião, educação ou classe social, e que lutaram por direitos de cidadania, iguais aos direitos reconhecidos aos homens”. A reflexão sobre o papel social que ao longo da história tem sido reservado aos homens e imposto às mulheres, bem como sobre o papel social que é necessário que as mulheres passem a desempenhar no futuro, “para que a violação e restrição dos seus direitos não continue e para que não se perpetue o desperdício das potencialidades que resultariam da sua participação plena num estado livre e democrático”, tem de ser feita em conjunto por homens e mulheres, defende a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), que assinalou este dia com uma tertúlia, realizada em Lisboa, sobre os direitos humanos das mulheres, igualdade de género e feminismos em Portugal e no mundo. A iniciativa contou com a participação de diversas activistas. A PpDM dinamiza, de resto, acções regulares e materiais de sensibilização sobre estas matérias, tendo desenvolvido um folheto informativo a propósito deste centenário do Dia Internacional da Mulher. Direitos magnos mas pouco conhecidos Mas Portugal é um dos Estados que subscreveram a CEDAW, a qual prevê explicitamente que estes reportem periodicamente junto das Nações Unidas em que medida estão a dar cumprimento às disposições ali contidas. Neste âmbito, no final de 2008, em Genebra, o Comité CEDAW das Nações Unidas analisou o comportamento de Portugal nesta matéria, tendo para tal ouvido a delegação do Estado Português, composta por dezanove elementos, e a sociedade civil organizada, representada pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, que enviou a Genebra duas activistas. Ouvidas as duas partes, o Comité formulou um conjunto de recomendações ao Estado Português, compilados na publicação CEDAW: O Estado da Arte em Portugal. Algumas, nomeadamente as que se relacionam com o mercado de trabalho e o mainstreaming da igualdade de género, foram particularmente veementes e obrigaram Portugal a dar-lhes resposta no decurso de 2010. O documento inclui também um Relatório Alternativo apresentado pela PpDM. A CEDAW fornece um conjunto de directrizes que permitem orientar o trabalho de todas as pessoas e organizações que intervêm em defesa dos Direitos Humanos das Mulheres. Com esta Convenção, a ONU procura a adopção destes mesmos direitos por parte de todas as pessoas que, nas mais variadas esferas de actividade, pugnam por uma sociedade mais democrática, igualitária e participativa.
Liderança sem estratégia De acordo com o “Women’s Leadership Development Survey”, cerca de 41 por cento das organizações inquiridas não disponibiliza programas orientados para as necessidades de desenvolvimento de líderes femininas e apenas 21 por cento das organizações admitem ter implementado programas neste sentido, como regimes de horários flexíveis, mentoring e coaching. Outros onze por cento referem que estão a planear incluir alguns destes programas no futuro (uma percentagem que está acima da média mundial, na ordem dos seis por cento). E em que medida pode o ambiente organizacional influenciar o desenvolvimento das mulheres? Para 48 por cento das empresas, este tem uma importância relativa, enquanto catorze por cento afirmam ter uma grande importância e 25 por cento confirma que a influência é reduzida. Já onze por cento dos inquiridos consideram que o ambiente organizacional não apoia o desenvolvimento das mulheres. Embora persista “uma aparente falta de preocupação em torno dos aspectos relacionados com o desenvolvimento da liderança no feminino, há sinais de mudança”, defende, ainda assim, Marta Sacramento, Principal da Mercer em Portugal. A liderança no feminino é um tema que “está a ser cada vez mais discutido no mundo dos negócios e está a ganhar relevância nas agendas dos Executivos de topo”, acredita, adiantando: “muitos países estão inclusivamente a ponderar estabelecer requisitos para a representação de mulheres nas administrações, como parte dos seus objectivos de diversidade de género. A flexibilidade no horário de trabalho, o mentoring, o coaching e a diversidade de género no recrutamento são os principais programas definidos especificamente para as necessidades das mulheres com posições de liderança implementados. Estes foram também os programas referidos como sendo os mais eficazes no desenvolvimento da liderança no feminino. O survey da Mercer demonstra, contudo, “alguma incerteza por parte das empresas sobre o que é mais adequado e eficaz no que respeita ao desenvolvimento da liderança no feminino”, conclui Marta Sacramento. As empresas colocam muitas vezes o foco na flexibilidade de horários de trabalho, quando decidem apoiar as mulheres, o que “pode ser um bom ponto de partida, mas não é a solução final”. Em relação aos factores que mais impedem as mulheres de evoluir para uma carreira de liderança, os inquiridos apontam o equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho (52 por cento), a falta de apoio das chefias (43 por cento) e alguma relutância à mobilidade (27 por cento). Em resumo, o estudo Women’s Leadership Development Survey aponta para uma percepção “de falta de confiança das mulheres como um dos principais obstáculos à sua promoção para cargos de chefia. Isso pode dever-se, até certo ponto, à tendência europeia (e ultrapassada) de que os cargos de chefia devem ser ocupados por homens”. Problemático é que, “com a contínua falta de apoio dos executivos de topo”, esta situação tenda a manter-se. A Mercer conclui também, a partir dos dados apurados, que os homens “simplesmente replicam a sua própria experiência, formando mais líderes como eles próprios para cargos de gestão”. Para que as organizações rompam com este ciclo e criem “um perfil de liderança que reflicta verdadeiramente o seu contexto empresarial actual, devem investir na identificação e desenvolvimento de mulheres com elevado potencial para cargos de liderança”, alerta a consultora. Culpas no feminino A partir de dados de um inquérito nacional feito a trabalhadores americanos, os investigadores canadianos estudaram a frequência com que os participantes se mantinham a trabalhar fora do escritório, através de telefone, e-mail ou mensagens escritas. Avaliando os efeitos desta realidade, a equipa descobriu que as mulheres que mais trabalho levavam para fora do escritório reportavam níveis de mal-estar mais elevados do que os homens, que não se revelavam tão afectados. Pôde assim concluir-se que apesar de as tecnologias de informação, que permitem esta ligação permanente às responsabilidades do trabalho, serem predominantemente encaradas como uma solução para a conjugação da vida pessoal e profissional, representam um custo para a saúde dos trabalhadores, ainda que com efeitos diferentes entre homens e mulheres. Segundo o mesmo estudo, as mulheres não manifestam um mal-estar maior do que os homens face a esta situação por dificuldades de conciliar os constantes contactos de trabalho com as suas responsabilidades familiares, mas antes porque se sentem mais culpadas por estarem sempre ligadas ao trabalho. “Esta culpa parece ser o centro do mal-estar”, de acordo com as palavras de Paul Glavin, responsável pelo estudo, citado pelo jornal El Mundo. De resto, homens e mulheres têm muitas vezes expectativas diferentes sobre os limites que separam a vida familiar do trabalho, o que influencia as reacções emocionais, acrescenta o co-autor do estudo, Scott Schieman, concluindo: “a culpa parece ter um papel central na diferença entre mulheres e homens no que diz respeito a experiências associadas ao trabalho e à família. Ao mesmo tempo que as mulheres vão ganhando um papel mais preponderante a nível económico no agregado familiar, as fortes normas culturais continuam a pesar naquilo que são as responsabilidades familiares. Estas forças podem conduzir a que algumas mulheres se questionem ou se avaliem de forma negativa”.
|
|||||||||||||||||||||||
https://ver.pt/Lists/docLibraryT/Attachments/1151/hp_20110310_CemAnosDepoisHaSinaisDeMudanca.jpg
Jornalista