POR MÁRIA POMBO
Saúde, sucesso e dinheiro são alguns dos meios a partir dos quais alcançamos aquela que é, talvez, a maior ambição do ser humano: ser feliz. E se é verdade que a felicidade pode ser vivida e conseguida de variadas formas, também é certo que deve estar presente nos diversos momentos da nossa vida, desde aqueles que passamos na esfera íntima e familiar aos que vivemos, por exemplo, no local de trabalho. E foi precisamente a este tema que se dedicou recentemente a I Conferência Internacional sobre Felicidade Organizacional, promovida pela Universidade Atlântica, em Lisboa.
Entre os dias 21 e 22 de Fevereiro, ouviram-se especialistas internacionais a falarem sobre a importância do bem-estar nas organizações privadas e no sector público, e conheceram-se os projectos de diversas empresas portuguesas para as quais a felicidade dos colaboradores é fundamental.
Num painel dedicado ao tema “Felicidade pública e organizações virtuosas: o papel dos bens relacionais” Helena Marujo foi a oradora convidada, na qualidade de uma das especialistas em Portugal que mais tempo tem dedicado a este tema. Encontrar respostas para os problemas humanos foi o motivo pelo qual a também investigadora escolheu esta área, mas foi a busca “do que é transformador, da virtuosidade humana” que a apaixonou, tendo então começado a focar-se naquilo “que faz os sistemas humanos estarem no seu melhor”, ou seja, na psicologia positiva (sendo a felicidade um dos seus temas).
Graças aos resultados do seu trabalho, tem analisado junto de diversas empresas a felicidade dos seus colaboradores, desenvolvendo estratégias, junto dos líderes, para tornar as organizações mais felizes. E, apesar de a felicidade se traduzir em conceitos como a gratidão, a busca do sentido da vida, a fé e a esperança, muitos foram já os momentos em que se deparou com uma questão: como é que se implementa a felicidade numa organização que, estando a passar por uma crise, está prestes a despedir alguns dos seus colaboradores? Como é que a felicidade se aborda e implementa nas alturas mais tristes? E foi a partir daqui que a também docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) deu o passo seguinte: estudar e abordar a felicidade em termos globais (ou seja, a felicidade pública), e não aquela que se alcança individualmente.
Neste contexto, Helena Marujo explicou que “para sermos felizes precisamos de prazer, de uma boa dieta emocional, mas é a qualidade das relações interpessoais e não instrumentais, e a procura de mais, de um contexto para a felicidade, que me apaixona”. É nesta base que a docente define as sete tendências que são necessárias para que exista felicidade. A Presença é a primeira tendência e traduz-se no “convite a estar presente” de forma efectiva (contrariando o alheamento provocado, por exemplo, pelas redes sociais). A necessidade de existirem diferentes Perspectivas é a segunda tendência e caracteriza-se pela integração de diversas culturas e de linguagens diferentes, e também pela necessidade de observar a mesma realidade de diversos planos e ângulos.
À tendência das Perspectivas segue-se a do Posicionamento: a este respeito, a especialista em psicologia positiva explica que “somos o país do mais-ou-menos” mas que “é nosso dever posicionar-nos, largar a neutralidade, tomar uma posição”. Deste modo, podemos passar à quarta tendência que é a da Participação, segundo a qual somos convidados a ter voz “mesmo dentro das organizações”. O Propósito é a quinta tendência e permite definir e compreender em que direcção e com que objectivo estamos a caminhar, sendo que podem existir diversos propósitos (sociais, económicos, pessoais, etc.).
[quote_center]Como é que se implementa a felicidade numa organização que está prestes a despedir alguns dos seus colaboradores?[/quote_center]
E, sendo “o processo comunicacional vital nas organizações”, a Palavra é tida como a sexta tendência para a felicidade: de acordo com a investigadora, “criámos uma sociedade de números e onde as palavras têm pouca relevância”, mas a “interacção ao nível da fala é fundamental”, já que “existem palavras que constroem e outras que destroem”. A última tendência, que articula duas ideias, denomina-se Pessoas e Planeta e remete para uma perspectiva integrada e não individual, fundamental para que a felicidade seja plena.
De acordo com estas tendências, um CEO é um Chief Executive Officer mas também é, de forma crescente, um Chief Empathic Officer, devendo assumir o papel de “mobilizador de felicidade na sua empresa”, principalmente numa época em que muitas pessoas estão infelizes no trabalho. Neste sentido, Helena Marujo confessa que “quando analisamos as organizações olhamos tanto para os resultados que negligenciamos quem lá trabalha”, explicando que, embora seja ainda apenas em teoria, “já se começa a sentir a preocupação dos líderes com as pessoas com quem trabalham”. Tendo como referência a obra “Political Emotions: Why Love Matters for Justice”, de Martha Nussbaum, a investigadora considera que “o convite é que emoções como o amor, que são íntimas, passem a fazer parte do espaço público”.
Felicidade instrumental não é felicidade
Contudo, existe uma linha, por vezes ténue, entre a verdadeira felicidade e aquela que é, de algum modo, imposta. Por exemplo, se a gratidão é um modo de sentir e demonstrar felicidade incentivar os colaboradores a serem gratos “pode ser tão fantástico (se estes se sentirem bem no local de trabalho) como perigoso (se forem alvo de abusos ou injustiças dentro da empresa)”. Deste modo, a investigadora alerta para “o risco de se perder aquilo que é necessário nas organizações, que é a verdadeira felicidade dos trabalhadores”. Outra questão relevante está relacionada com a ideia, amplamente conhecida, de que os trabalhadores felizes são mais produtivos: de acordo com Helena Marujo, se esta for a motivação dos líderes, então a felicidade que procuram “é meramente instrumental, e não autêntica ou genuína”.
Para além da autenticidade, “os processos de reciprocidade – que são não-hierárquicos e igualitários – são fundamentais para a felicidade pública”. Sendo reconhecido que os trabalhadores que estão na base da pirâmide hierárquica são, regra geral, os mais infelizes, este é um dos motivos pelos quais muitas organizações já reduziram os níveis hierárquicos e procuram que todos – colaboradores e líderes – estejam ao mesmo nível em diversos aspectos, como o dress code.
Claro que o desenvolvimento económico assume um papel fundamental na sociedade, sendo uma importante forma para acabar com injustiças e desigualdades, e “com a escravidão”. Todavia, “o desafio é que passemos de uma economia estritamente capitalista para uma economia civil”, para a qual o dinheiro também é importante mas que se rege por princípios mais humanos como a reciprocidade e a fraternidade.
Retomando a ideia de que em muitas organizações já se fala que o mais importante é o bem-estar dos colaboradores, mas que essa vontade nem sempre é posta em prática, Helena Marujo apresentou o caso interessante de uma organização que solicitou o seu apoio com o intuito de se tornar uma empresa mais feliz, através da implementação de diversas estratégias. Tratava-se de uma empresa portuguesa do sector das TI, com cerca de 200 colaboradores. Após diversas entrevistas e outras acções, a equipa chegou a algumas conclusões. Por um lado, os colaboradores sentiam falta de desenvolvimento profissional, de um melhor sistema de recompensas e de melhorar em termos de cultura interna e, por outro, desejavam sentir a organização mais voltada para o exterior e realizar projectos solidários. Em termos de quotidiano, os trabalhadores pretendiam sorrir mais, falar directamente entre si e não através de meios como o email, e desenvolver relações interpessoais com os colegas de outras equipas e departamentos.
Após este trabalho, os gestores da empresa não aceitaram os resultados apresentados nem as estratégias desenhadas pela especialista para fazer crescer o que já funcionava bem e melhorar aquilo que não corria tão bem. E foi com esta ideia que Helena Marujo terminou a sua apresentação: “o gap entre querer e fazer ainda é muito grande”, sublinhando que “precisamos de nos relacionar mais com as pessoas, com a comunidade, com o real e com o espiritual”.
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Objectivo: “transformar dias normais em dias extraordinários”
Um exemplo de empresa feliz é o Lagoas Park, em Oeiras. Este exemplo foi apresentado pela sua directora de comunicação, Ana Isabel Costa, que começou por destacar a importância, para quem trabalha naquele local, das zonas comuns amplas, dos espaços exteriores cuidados e da existência de muita luz natural. Este empreendimento alojou a primeira empresa em 2001 e, 17 anos depois, alberga mais de uma centena de organizações (50% das quais exercem actividade neste espaço há mais de sete anos), contando com uma taxa de ocupação superior a 90%.
Se a oradora anterior defendeu que é nas pessoas que as empresas mais felizes se focam, Ana Isabel Costa explica que estas são, precisamente, a prioridade para os líderes do Lagoas Park, sublinhando que estes não pretendem ser meros “gestores de edifícios”. A prova disso é, por um lado, a preocupação da equipa em recrutar empresas focadas na qualidade de vida no trabalho e, por outro, o conjunto de iniciativas que são regularmente promovidas com o objectivo de “transformar dias normais em dias extraordinários”.
Através do programa Be Lagoas, são dinamizados três tipos de acções: o Be Inspired é um conjunto de eventos – como os Tasty Days, em que são dados a provar, ao almoço, novos menus e alimentos – que pretendem levar alguma novidade aos colaboradores das diversas empresas; o Be Involved promove o envolvimento com a comunidade através, por exemplo, de recolha de bens de primeira necessidade para colégios carenciados; o Be Connected é o programa que pretende juntar todos os que trabalham no Lagoas Park, recorrendo, por exemplo, a provas de vinho após o horário laboral.
Por fim, Ana Isabel Costa anunciou aquele que é o evento mais desejado do ano: chama-se Lagoas Summer Break, é aberto aos colaboradores e a toda a comunidade, e reúne, na última quinzena de Junho, um conjunto de cantores e outros artistas que se deslocam ao parque para animar as horas de almoço.
Os resultados não deixam margem para dúvidas: 96% dos trabalhadores consideram que a equipa de gestão deve continuar o bom trabalho, 94% estão satisfeitos e 89% recomendariam este parque empresarial a outras empresas. Este irá acolher, aliás, a Johnson & Johnson e a Google.
Estes são apenas dois testemunhos, um mais teórico e outro mais prático, de como é possível promover a felicidade dos colaboradores de uma forma genuína e não instrumental. Os mesmos podem ser um bom exemplo para tantos trabalhadores descontentes e para outros tantos gestores preocupados e que pretendem melhorar o bem-estar e a qualidade de vida dos seus colaboradores.
Jornalista