Com um desenho adequado, os mesmos projectos de desenvolvimento que contribuem para melhorar a vida das comunidades, salvar vidas e aumentar o PIB podem, em simultâneo, combater as alterações climáticas. Esta é a conclusão de um novo estudo divulgado pelo Banco Mundial que adiciona um “retorno em dólares” numa equação que tem de ser resolvida pelos decisores globais POR HELENA OLIVEIRA As evidências são tão claras como tem sido escuro este Verão, apesar de serem muitos os interessados em negá-las. As alterações climáticas estão a destruir infra-estruturas, a ameaçar as cidades costeiras, a diminuir as colheitas, bem como a alterar os oceanos, a colocar em perigo as reservas de peixe e a contribuir para a extinção de um número crescente de espécies. O Painel Intergovernamental Para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) já apresentou provas mais do que suficientes de que as mesmas são reais e que ao seu impacto não escapa(rá) nenhum continente ou oceano. Adicionalmente, este organismo da ONU tem vindo a publicar, de forma consecutiva e exaustiva, vários relatórios que evidenciam o quão pouco o mundo está preparado para gerir os riscos das alterações climáticas, em conjunto com os seus impactos, e que as emissões de gases com efeitos de estufa estão a aumentar a um ritmo ainda mais acelerado do que antes, apesar de alguns esforços para a sua redução. Por último, mas de todo não menos importante, é o facto de ninguém escapar a estes impactos. Na medida em que as alterações colocam riscos severos à estabilidade económica global, sem uma acção urgente para a sua mitigação, erradicar a pobreza extrema, por exemplo, será cada vez mais complicado. O Banco Mundial publicou, em Junho último, um novo estudo, intitulado “Climate-Smart Development: Adding Up the Benefits of Actions that Help Build Prosperity, End Poverty and Combat Climate Change,” o qual afirma que, com apenas algumas políticas-chave desenhadas para diminuir as emissões de carbono, a economia mundial ganharia um enorme impulso: mais precisamente, um estímulo no valor de 2,6 triliões de dólares. O estudo em causa apresenta algumas políticas de desenvolvimento exequíveis e apoia-se num corpo bastante completo de pesquisa para quantificar os benefícios sociais da acção climática. O mesmo estudo apresenta igualmente estudos de caso que poderão reduzir as emissões de carbono em três sectores: transportes, indústria e eficiência energética dos edifícios. Por último, descreve o impacto de soluções de desenvolvimento local que, se implementadas a uma escala nacional ou macro, poderiam ter em cinco países de grande dimensão – Brasil, China, Índia, México e Estados Unidos da América – e também na União Europeia. De acordo com o prefácio escrito por Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, se implementadas em conjunto, estas políticas poderiam reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa na mesma quantidade se fossem retirados das ruas dois mil milhões de carros. Se os líderes mundiais continuam a não estar convencidos de que salvar o planeta é um bom negócio, talvez com esta “achega económica” consigam mudar de ideias. Vejamos parte do que podem os decisores globais aprender com este estudo.
O ideal do quatro-em-um “Este estudo comprova que existem acções que salvam vidas, criam emprego, contribuem para o crescimento económico e, ao mesmo tempo, abrandam o ritmo das alterações climáticas. E se ignorarmos esta oportunidade, estamos a colocar em perigo a nossa geração e, em particular, as gerações vindouras”. As palavras são de Rachel Kyte , vice-presidente do Banco Mundial e enviada especial para as alterações climáticas e juntam-se aos inúmeros apelos, relatórios, estudos, conferências e dados cientificamente comprovados que apelam aos decisores mundiais que unam esforços e influências para travar um fenómeno que tem repercussões em várias dimensões críticas da nossa existência. Para os que continuam a negar as alterações climáticas, nem mesmo um evento climático extremo em cima das suas cabeças será suficiente para os fazer mudar de ideias, a não ser que na equação surjam sinais de um possível jackpot. A verdade é que até agora, o benefícios socioeconómicos e as externalidades ambientais – ou seja, as consequências das actividades comerciais ou industriais que não reflectem os seus custos – têm sido deixadas de fora das análises económicas, na medida em que existiam dificuldades para se encontrar as métricas adequadas para as avaliar. Assim, e como assegura o Banco Mundial, este relatório introduz um novo modelo macroeconómico que é capaz de incorporar estas considerações, veiculando uma análise mais holística dos ‘co-benefícios’ dos investimentos em acções que visam o desenvolvimento sustentável. Mas será suficiente para persuadir os governos – os quais se concentram apenas em ganhar as próximas eleições – a investirem em soluções que impliquem custos de curto prazo relativamente elevados, para proteger os seus países dos impactos das alterações climáticas, quando o retorno não se materializar nos tempos mais próximos? Para os responsáveis do Banco Mundial que contribuíram para o relatório, a resposta é uma espécie de “nim” ou de “meio caminho andado”. Ao apresentar algumas ferramentas inovadoras que ajudam a avaliar os benefícios múltiplos da redução de emissões de vários poluentes, ao mesmo tempo que oferece uma lógica para combinar a acção climática com o desenvolvimento sustentável, e em conjunto com sete estudos de caso simulados – três deles abordando políticas para sectores em particular e quatro focados em intervenções ao nível de projectos específicos – são já vários os cálculos possíveis para avaliar os benefícios da redução das emissões, as quais, “por acaso” voltaram a apresentar níveis recordistas no passado mês de Junho. No que diz respeito às políticas sectoriais apresentadas, estas incluem regulações, impostos e incentivos que visam estimular a mudança para um sector de transportes “limpo”, melhorar a eficiência energética industrial e a construção de edifícios energeticamente eficientes. Para o Banco Mundial, os benefícios destes três conjuntos de políticas sectoriais evitariam cerca de 94 mil mortes prematuras anuais, e um crescimento anual do PIB entre os 1,8 e os 2,6 triliões de dólares. Adicionalmente, as mesmas políticas iriam evitar a emissão de 8,5 mil milhões de CO2 e cerca de 16 mil milhões de quilowatts/hora de energia poupada, o equivalente a retirar dois mil milhões de carros da estrada. Se implementadas em conjunto, estas políticas poderiam representar cerca de 30% da redução total necessária para limitar o aquecimento global em dois graus célsius até 2030.
Os custos da inacção crescem todos os dias Os estudos de caso apresentados e simulados à escala nacional conferem valores substancialmente positivos. Um dos exemplos apresentados aposta na modernização dos aterros sanitários ou na limpeza de lixeiras, que contém benefícios óbvios para as comunidades envolventes mas, e como sublinha o Banco Mundial, o valor que representa para os orçamentos nacionais, apesar de substancial, não é, de todo, evidente à primeira vista. Num país como o Brasil, onde as tecnologias de valorização energética de resíduos estão a ser implementadas em diversos projectos-piloto, as práticas de gestão integrada de resíduos sólidos, incluindo a construção de aterros sanitários que capturam as emissões de gases com efeito de estufa para gerar electricidade, têm a capacidade de melhorar a saúde humana, criar postos de trabalho, aumentar o fornecimento energético, reduzir o impacto das alterações climáticas e estimular o crescimento do PIB. Tomando como exemplo o caso do Brasil, o relatório em causa utiliza resultados de projectos já apoiados pelo Banco Mundial, os quais estão a implementar uma variedade de opções de gestão integrada de resíduos sólidos, incluindo biodigestores (para produzir biogás), compostagem, e outro tipo de tecnologias que capturam o metano para a produção de electricidade. Se estas tecnologias fossem utilizadas a uma escala nacional, ao longo dos próximos 20 anos, o estudo estima que as mesmas poderiam dar origem à criação de 44 mil postos de trabalho, aumentar o PIB em mais de 13 mil milhões de dólares e reduzir as emissões ao equivalente a 158 milhões de toneladas de CO2. Os outros três estudos de caso incluem a expansão do sistema de transportes BRT (Bus Rapid Transit) na Índia, o qual, entre outras medidas sustentáveis, inclui faixas exclusivas para os autocarros, a utilização de fogões domésticos “limpos” na China rural e a utilização de painéis solares e biodigestores para a produção eléctrica a partir de resíduos agrícolas no México. Em conjunto, os benefícios agregados ao longo dos próximos 20 anos para estes quatro projectos – se aplicados à escala nacional – estão estimados em um milhão de vidas salvas, ao mesmo tempo que evitarão a perda de culturas num valor entre 1 milhão e 1,5 milhões de toneladas. Os projectos em causa reduziriam também as emissões de CO2 equivalentes ao encerramento de 100 a 150 centrais de carvão. Só para os projectos da Índia, Brasil e México, estima-se que os benefícios equivalham a um valor adicional entre os 100 mil milhões e os 134 mil milhões de dólares. Apesar de o Banco Mundial ser o primeiro a sugerir a necessidade de um desenvolvimento contínuo de quadros regulamentares que sublinhem a importância destes ‘co-beneficios’ , aqueles que já existem demonstram que a captura das externalidades ambientais são cruciais para fortalecer a racionalidade destes projectos e políticas cujo objectivo principal é o de controlar os poluentes da atmosfera. E tal como a recente 5ª avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas exortou, a acção climática pode tornar-se muito mais fácil de assumir se os seus co-beneficios forem capturados e quantificados. “A inacção climática implica custos elevados que aumentam a cada dia que passa”, garante a vice-presidente do Banco Mundial Rachel Kyte e enviada especial para as alterações climáticas. E é por isso que, mais do que palavras e relatórios, o mundo precisa de actos e acções concertadas para fazer frente a um problema que é de todos nós. |
|||||||||||||
Editora Executiva