Num mundo marcado pela “invasão” digital, povoado por consumidores exigentes e sedentos de bons negócios, deixar clientes satisfeitos e respeitar, em simultâneo, os seus dados pessoais não é tarefa fácil. Mas a verdade é que é neste equilíbrio entre experiências de excelência e respeito pela privacidade que reside o novo poder das marcas. Como comprovam dois inquéritos realizados pela consultora Accenture
POR MÁRIA POMBO

É reconhecido e assumido que vivemos num mundo cada vez mais digital e menos tradicional. As desvantagens desta era, marcadas por relações mais impessoais, são suplantadas pelas vantagens que um simples clique pode oferecer. As mudanças céleres ocorrem à velocidade da luz e já nada, ou muito pouco, é para sempre. Temos noção dessa realidade quando assistimos, constantemente, a empresas que abrem e fecham portas e também sabemos que só as mais perspicazes sobrevivem num mundo em que o consumidor se revela cada vez mais exigente.

A realidade é que as estratégias de marketing digital das empresas há muito que deixaram de ser um mero capricho ou uma futilidade. Pelo contrário, há uma necessidade crescente, reconhecida pelas marcas, de mimar, e até bajular, os seus consumidores, como se de uma espécie de relação entre imperadores e servos se tratasse. Mesmo que estes “mimos” sejam apenas virtuais, a verdade é que as empresas que não estão dispostas a adaptar-se às novas realidades digitais correm o risco de ver reduzidos os seus lucros ou de, simplesmente, desaparecerem.

Entre Novembro de 2013 e Janeiro de 2014, a Accenture realizou um inquérito sobre as transformações do mundo digital. A partir de uma amostra de 581 empresas em 11 países, a consultora concluiu que mais de três quartos dos Chief Marketing Officers (CMOs) entrevistados acreditam que 75% do marketing total das empresas será feito de forma digital nos próximos cinco anos. Mas e surpreendentemente, apenas 21% dos CMOs acreditam que as suas empresas serão reconhecidas, no mesmo período, como um negócio digital, – o que revela um interesse ainda reduzido, por parte destas, em se adaptarem às novas tecnologias, privilegiando ainda o reconhecimento e a fidelização dos clientes através de meios mais tradicionais.

Os CMOs dos mercados emergentes contam, no entanto, uma história diferente. Comparativamente a 49% dos seus congéneres dos países desenvolvidos, 69% dos profissionais que operam nos mercados emergentes acreditam ser muito importante incluir nos seus negócios a componente digital, tendo em conta as oportunidades quase infinitas que este ainda novo mundo oferece.

Usar de forma mais eficiente os canais digitais é uma ‘acção-chave’ que permite às empresas dar o salto e aumentar os seus níveis de confiança nos mercados. Ano após ano, é possível perceber que os canais digitais lideram de forma eficaz as estratégias de marketing das empresas, através de publicidade online, das redes sociais e de técnicas de search engine optimization (SEO), as quais permitem, através dos motores de busca,  oferecer ao público os conteúdos e os produtos que este mais procura. Todavia, a utilização cada vez mais fácil e célere dos dados dos próprios consumidores obriga a que estes tenham, igualmente, uma palavra a dizer…

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Imperadores cautelosos?
Apesar de o consumidor actual gostar de se sentir “ importante” através, por exemplo, da recepção de informações sobre novos produtos e promoções, acreditando que desta forma consegue fazer bons negócios, não deixa de ser cauteloso relativamente ao uso dos seus dados pessoais. A aposta das empresas em estratégias de marketing, que passam por incluir os meios digitais nas ferramentas que levam ao sucesso desejado, entra assim em choque (porque implica, muitas vezes, o uso não autorizado de dados) com algumas opiniões e visões dos consumidores, sedentos de atenção, mas demonstrando algumas preocupações com a circulação dos seus dados pessoais.

A perspectiva dos consumidores foi, desta forma, tida em consideração num outro estudo, realizado igualmente pela Accenture, com o objectivo de aferir de que forma estes encaram o tratamento dos seus dados pessoais. Esta e outras questões foram abordadas num inquérito a mais de dois mil consumidores dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, entre Março e Abril deste ano, no qual se concluiu que 80% dos respondentes não acreditam na privacidade total dos dados e 87% temem que não estejam a ser tomadas as garantias necessárias para que esta protecção exista no mundo digital.

No mesmo inquérito, conclui-se que mais de metade dos consumidores afirma que introduz os dados do cartão de crédito sempre que faz uma compra online, em vez de ter essas informações guardadas para uso futuro, como forma de proteger a sua privacidade, sendo que 40% dos inquiridos acreditam que apenas um décimo dos seus dados é, de facto, privado. Estes números vão ao encontro de uma outra conclusão deste estudo, que revela que 70% dos consumidores alegam não acreditar na transparência relativamente à forma como os seus dados são utilizados pelas empresas. Quase 40% dos consumidores acreditam, inclusivamente, que os seus dados estão a ser comercializados e apenas 13% crêem que os mesmos se encontram em segurança.

No entanto, 64% dos inquiridos manifestam preocupação relativamente ao facto de os sites traçarem o seu perfil enquanto consumidores. Este valor, embora seja ainda elevado, revela uma tendência decrescente quando comparado com os dados de um estudo semelhante, realizado em 2012, no qual 85% dos consumidores se revelavam apreensivos sobre o estudo das suas escolhas e preferências.

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Clientes satisfeitos são os melhores aliados
Cada vez mais exigentes, os consumidores apontam os preços competitivos, a qualidade superior e a melhor experiência enquanto clientes como os principais factores que os levam a efectuar uma compra. Todos querem fazer o melhor negócio, e a opinião de quem usufruiu da mesma experiência ou produto tem tido um peso crescente na decisão dos possíveis futuros clientes da marca em questão – o estudo revelou, inclusivamente, que este último factor superou a publicidade, as fidelizações e até as promoções.

O responsável global pela área de Digital Transformation da Accenture Interactive, Glen Hartman, defende que as empresas devem, assim, encontrar um “equilíbrio entre o desejo de proporcionar uma experiência excepcional ao cliente [sabendo que este será o seu maior ‘aliado’ se ficar satisfeito e se vir superadas as suas expectativas] e a segurança e privacidade dos dados” dos consumidores.

A outra via que leva à fidelização dos clientes está relacionada, obviamente, com preços competitivos. No estudo, é claro que a quase totalidade dos inquiridos recebe notificações de promoções ou novos produtos, o que comprova que esta estratégia é útil enquanto guia no processo de tomada de decisões e de opção por determinados produtos ou serviços. O email é a via de eleição dos consumidores no que respeita a estas notificações, posicionando-se as chamadas telefónicas no fim da lista como o meio menos popular.

Há uma linha aparentemente ténue entre o respeito pela privacidade dos dados dos consumidores e a análise (muitas vezes abusiva) dos seus comportamentos de compra e utilização de dados. A este respeito, 51% dos inquiridos revelaram preferir que as empresas deixem de os “estudar”, sendo por isso de extrema necessidade que estas encontrem, segundo Hartman, uma fórmula eficaz de analisar as tendências de mercado sem ultrapassar a linha da privacidade de dados. E esta fórmula será a via mais directa que as empresas terão para estabelecer (ou restabelecer) a confiança com os seus clientes.

Portugal
O digital não pode ser um “nice to have”
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Numa entrevista dada recentemente ao VER, sobre as profundas alterações que esta era digital veio provocar na relação entre a marca e o consumidor, o director geral da WSI Portugal, Sikander Jamal, referiu que as empresas portuguesas ainda não atingiram níveis de maturidade suficientes para criar uma melhor experiência com os seus clientes e se projectarem no mundo. Esta realidade existe, muito provavelmente, porque estas organizações não têm ainda a percepção das “maravilhas” que o digital pode fazer pelo seu negócio, investindo neste apenas uma pequena parcela do seu capital.

O responsável nacional da reconhecida agência internacional de consultoria e serviços de marketing digital considera ainda que “é frequente as empresas olharem para o digital mais como um ‘nice to have’ do que como parte da sua estratégia de negócio de raiz”. Mas vai mais longe. Para Jamal, “nada dará resultado se a gestão de topo não tiver definido como prioridade a oportunidade do mercado digital”.

Na medida em que a satisfação dos clientes é uma das melhores formas de os fidelizar e atrair outros [potenciais clientes], e que as redes sociais são utilizadas por um número crescente de pessoas, Jamal considera que “é fundamental não esquecer que, no mundo digital, falamos de ‘ 1 para 1’, mas sempre com uma assistência de milhões”, garantindo que “cada vez que comunicamos com um consumidor, temos de ter sempre presente, e repito ‘sempre’, que estamos a resolver a necessidade desse cliente, mas que existem no mundo muitos outros que estão a acompanhar e a avaliar a nossa conversa”.

Finalmente, o director geral da WSI Portugal acredita que as empresas portuguesas estão a atravessar um óptimo momento para se lançarem no mundo digital, principalmente porque este permite alcançar grandes resultados com pouco investimento. Defende, no entanto, que o mais lógico é que estas encontrem um equilíbrio entre o digital e o tradicional, dado que as duas abordagens em conjunto conseguem potenciar os melhores resultados das estratégias de marketing das empresas.

Jornalista