A coexistência de várias gerações no local de trabalho, com experiências, valores e ideias distintos, foi o mote para uma conversa com o director de RH da Auchan. Para Jorge Filipe, é necessário que os desafios desta realidade sejam devidamente reconhecidos e que as entidades empregadoras assumam o seu papel fundamental nesta questão. “Não combater as barreiras etárias significa não rentabilizar recursos, sem dúvida uma opção perigosa no actual contexto de oferta de trabalho e num ambiente comercial altamente competitivo”, afirma
POR HELENA OLIVEIRA

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Jorge Filipe, Dir de RH e Gestor de
Topo para a Responsabilidade Social
da Auchan Portugal
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Um dos grandes desafios do mercado de trabalho na actualidade consiste na criação de políticas e práticas capazes de integrar pessoas com experiências, ideias e valores diferentes. No geral e a seu ver, enquanto director de RH, que principais benefícios e dificuldades enfrentam as empresas para lidarem com a coexistência de várias gerações no mesmo local de trabalho?
Na minha perspectiva, em primeiro lugar, é necessário que este tema seja reconhecido publicamente como uma área premente de análise e de resolução. Só depois se poderão redefinir e criar políticas e práticas integradoras de pessoas com experiências, ideias e valores diferentes realmente fortes e que dêem resposta às necessidades que a sociedade actualmente apresenta, principalmente na Europa envelhecida. Por outro lado, todo este trabalho carece de uma sinergia participativa de um conjunto alargado de atores institucionais e sociais (do ministério da Saúde, do Trabalho, parceiros sociais, entidades empregadoras, entre outros) que determinem objectivos claros e instrumentos-chave para a sua operacionalização.

As empresas, enquanto entidades empregadoras, sentem directamente o resultado de todas as evoluções às quais a sociedade se encontra sujeita, nomeadamente as transformações originadas pelos fluxos económicos, demográficos ou sociais.

Naturalmente que as entidades empregadoras assumem um papel fundamental nesta questão: não só enquanto promotoras de integração, mas também de acompanhamento e motor de progressão profissionais e, por conseguinte, pessoal.

A sustentabilidade de uma organização passa pelo equilíbrio das gerações. São precisas pessoas jovens, detentoras de conhecimentos e das tendências mais actuais, criativas, com sede de inovação e empreendedoras; mas também, são fundamentais os profissionais que transmitem a cultura, ou seja, o ADN da organização, portadoras de todo um percurso que inspira, dá confiança e motiva, os (as) novos(as) colaboradores(as)  – equivalente a uma socialização “de pai para filho”. No entanto, por vezes, as dificuldades passam exactamente por este equilíbrio, ou seja, a adaptação dos novos colaboradores, sem o pesar da aculturação excessiva, e o trabalho dos mais experientes, apelando à inovação e constante aprendizagem. É fundamental que os accionistas ou os dirigentes estimulem o rejuvenescimento da cultura da sua organização.

Deste modo, as entidades empregadoras devem-se munir de estratégias de articulação das “duas populações”, com espaço para a partilha de experiências e de ideias. Não combater as barreiras etárias significa não rentabilizar recursos, sem dúvida uma opção perigosa no atual contexto de oferta de trabalho e num ambiente comercial altamente competitivo.

Que principais desafios estão inerentes a esta gestão de pessoas com formas de pensar e trabalhar tão distintas?
Os principais desafios são, sobretudo, os seguintes: a rentabilidade do investimento no capital humano; a prevenção de lacunas em matéria de competências específicas e o “background” dos colaboradores mais velhos poderão constituir um recurso; encarar estes profissionais como veículos para a transmissão da cultura da empresa a outra geração; o incentivo constante à igualdade de oportunidades e à diversidade dos colaboradores de uma empresa.

A seu ver, de que forma é que se pode potenciar a realidade, para bem das empresas e dos seus colaboradores, de se ter duas ou três gerações distintas a coexistir no mesmo local de trabalho?
O relacionamento entre gerações numa empresa depende de uma política de recursos humanos que utiliza estrategicamente o seu capital humano, nomeadamente, do incentivo e implementação de práticas que, globalmente, assentam na diversidade e numa cultura de transparência de toda a comunicação e informação.

Numa empresa como a nossa, com 40 anos de existência em Portugal, temos trabalhado em diferentes níveis que nos têm permitido potenciar tudo aquilo que foi descrito até aqui. A realçar dois exemplos:
Em primeiro lugar, a forma como alguns quadros dirigentes e superiores que terminam as suas carreiras e continuam a colaborar de forma voluntária com a organização; e, em segundo, o facto de se ter implementado, desde há 4 anos, um modelo de gestão de competências que nos evidenciou as áreas com gaps de competência e, por isso, a procura no mercado de pessoas com essas competências especificas, independentemente do género, da idade, …

Considera que, no geral, as empresas estão bem preparadas para lidar com a nova geração, a dos nativos digitais, que nasceu e cresceu com as novas tecnologias?
Penso que sim, pois de outro modo significaria que uma empresa não visa a sua sustentabilidade a grande prazo. Faz parte da evolução da sociedade o refreshing tecnológico e a troca de conhecimentoentregerações.

É certo que hoje a inovação tecnológica é diária e, por vezes, pode haver um desfasamento entre aquilo que um jovem da geração digital tem expectável encontrar como instrumento de trabalho e a ferramenta que lhe é atribuída. Neste sentido, as empresas, se querem aumentar a sua produtividade e ser atractivas enquanto empregadoras, devem adaptar-se e inovar constantemente. Se tal não for feito, em simultâneo com reestruturação de métodos de trabalho, corre-se o risco de se perder produtividade, imagem de modernidade e, como consequência, dificuldade em atrair e reter talentos.

E, em contrapartida, o que fazer com a geração mais velha que, em muitos casos, se sente inibida face à mudança tecnológica?
No meu entender esta é a oportunidade de invertermos o ciclo de passagem do conhecimento – de “pai para filho” para de” filho para pai” e tirarmos cada vez mais partido de quão intuitiva a utilização da tecnologia é.

Promover uma política de recursos humanos assente em programas de formação contínua e adaptada às novas tendências é por isso fundamental (por exemplo, utilização de tecnologia, das redes sociais). Para além disso, incentivar a participação e o envolvimento destes colaboradores e ir adaptando as respectivas funções às necessidades de uma força de trabalho mais sénior.

Que tipo de políticas tem a Auchan para atenuar as diferenças geracionais no interior do Grupo?

Algumas iniciativas têm sido realizadas nos últimos anos, das quais gostaria de salientar três:

Os grupos de melhoria contínua – Grupos de Progresso, onde diferentes níveis hierárquicos e geracionais se reúnem para encontrar uma solução para um dado problema; o sucesso destes grupos baseia-se no encontro de diferentes saberes, com diferentes olhares e diferentes experiências vividas;

A Coesão de Equipas é outra metodologia utilizada sempre que se criam novas equipas, cujo objectivo é o de proporcionar uma sintonia de actuação e uma melhor e maior integração, numa equipa de direcção ou até no total da equipa (diferentes níveis hierárquicos);

E, mais recentemente, a Tutoria/Coaching dos “mais experientes” no desenvolvimento de projectos inovadores propostos por colaboradores empreendedores.

Caminhamos agora para o abandono de processos assentes em “hierarquia”, “autoridade” ou “controlo”, privilegiando os que assentam na “instantaneidade”, “colaboração” e “comunicação”, expressões que norteiam esta nova geração de talento em todas as vertentes da sua vida. Que conselhos daria, em termos de cultura organizacional, para evitar o conflito geracional e melhorar a convivência interna entre colaboradores de várias gerações?
Aos mais novos e que vão iniciar carreira, Humildade – que invistam no conhecimento do “core” do negócio da sua empresa, conhecendo as problemáticas das funções base, mas fundamentais para a diferenciação e sucesso do negócio; só um bom conhecimento do front-office – a cara da organização perante o cliente, lhes dará suporte a uma evolução de carreira sustentada.

Aos mais experientes e seniores conhecedores do métier Humildade – para continuar a aprender e estar aberto a ideias diferentes e sobretudo gostar de ensinar e passar o ADN da organização; deve olhar para um jovem talento na sua equipa como um valor acrescentado e um estímulo para o desenvolvimento da sua secção/departamento/direcção.

O presente Ano Europeu do Envelhecimento Activo conta igualmente com o “subtema” da Solidariedade entre Gerações. A Auchan tem já planeadas acções para este Ano?
Neste momento ainda não temos o planeamento do ano 2012 fechado quanto a esta temática, mas posso garantir desde já que, pelo menos a nível interno, a “Solidariedade entre Gerações” será um tema que fará parte do programa de animação interna da Auchan Portugal.

Entrevista originalmente publicada na edição de 14 de Fevereiro do suplemento OJE Mais Responsável .

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