Tendo como ponto de partida um estudo realizado pela McKinsey, Raul Galamba contextualiza o fenómeno do desemprego em Portugal, identificando dois problemas por excelência que agudizam esta realidade: a difícil transição da “educação para o emprego” e os desempregados de longa duração que muito dificilmente voltarão a integrar as fileiras do mercado laboral. Uma proposta de reflexão e de escolha de caminhos capazes de reorientar a empregabilidade nacional “O Trabalho e o Emprego em Portugal” estiveram em debate, no passado sábado, no CCB, numa conferência promovida pela ACEGE – Associação Cristã de Empresário e Gestores -, a qual contou com um conjunto diversificado de oradores que não só reflectiu sobre a apresentação de números e dados estatísticos inerentes ao tema, na Europa no geral e, em Portugal no particular, como tentou também oferecer algumas propostas de acção para o amenizar de um dos problemas mais graves com que se depara Portugal, mas também a esmagadora maioria dos seus congéneres europeus. Para o sucesso desta iniciativa contou, sem dúvida, a selecção dos oradores, a qual conferiu ao debate em causa uma complementaridade notável: tendo como ponto de partida o estudo “Education to Employment: Getting Europe’s Youth into Work”, publicado pela McKinsey a 13 de Janeiro último e incluindo dados de oito países europeus, Raul Galamba, partner da consultora em Portugal, traçou o retrato do desemprego no nosso país e possíveis soluções para contra ele se lutar; seguidamente, a conferência reuniu uma perspectiva “macro” em termos demográficos, apresentada pela directora da PORDATA, Maria João Valente Rosa e, no mesmo painel, as perspectivas para uma geração experiente, apresentadas por Diogo Alarcão da consultora Mercer. Como não poderia deixar de ser, os desafios para as empresas – geralmente relegados para segundo plano face à dimensão gigantesca que a questão do desemprego ocupa na sociedade – foram igualmente abordados, com as intervenções de Alexandre Relvas, da Logoplaste e de Rui Diniz, da Efacec, contando com a moderação de Pedro Guerreiro. Por último, duas análises aparentemente isoladas: o enquadramento da temática em causa na visão humanista da Igreja, veiculada por D. Manuel Clemente e a crueza economicista da mesma, nas palavras do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.
No discurso de abertura que precedeu a apresentação de Raul Galamba, o presidente da ACEGE relembrou a parábola do Bom Samaritano numa espécie de paralelismo com a responsabilidade social das empresas face ao flagelo do desemprego: “o que pretendemos é olhar o desempregado como o Bom Samaritano olhou para o homem assaltado que ficou meio morto na beira da estrada”, afirmou. António Pinto Leite fez ainda questão de sublinhar que, depois de ler o material de enquadramento desta conferência, o que mais o incomodou foi o facto de os desempregados não serem contemplados nos programas de responsabilidade social das empresas, recomendando vivamente que esta temática passe a fazer parte destas políticas nos próximos anos (um apelo que reforça no seu artigo de Opinião, também publicado nesta newsletter). Neste que é o artigo introdutório desta newsletter especial, o enfoque vai para os principais resultados do estudo da McKinsey (cuja leitura na íntegra se recomenda), em conjunto com propostas de alguns “caminhos de inversão” necessários para se encarar o trabalho e o emprego – ou a sua falta – de uma forma que permita traçar e implementar possíveis soluções. Crise junta desempregados no mesmo barco
Raul Galamba começou por oferecer uma visão geral face aos sectores mais afectados pelo desemprego – com destaque em particular para o da indústria transformadora, agricultura e pescas e sem esquecer o recordista sector da construção – em termos de destruição de emprego – o qual registou uma variação entre 2007 e 2013 na ordem dos 50%. Todavia e quando se fala em grupos etários, embora com características diferenciadas, a verdade é que “a crise juntou todos no mesmo barco”, como referiu Raul Galamba. Mas e no interior deste barco perigosamente à deriva, se olharmos com mais atenção para uma das suas “populações” e, sim, neste caso, os jovens, a fotografia apresenta tonalidades diferentes. Se é verdade que a crise não poupa todos os níveis de escolaridade, são os jovens com mais formação aqueles que mais afectados pelo flagelo da crise e do desemprego foram. Em termos de percentagem, e apesar de as diferenças não serem gritantes, os jovens com o ensino secundário ou provenientes de cursos profissionais acabam por ser, comparativamente aos que frequentaram o ensino superior, ligeiramente menos afectados. Em termos de números mais exactos, Portugal regista 147 mil desempregados jovens até aos 25 anos, 423 mil na faixa etária entre os 25 e os 44 anos e o particularmente preocupante número de 269 mil desempregados com 45 ou mais anos. Estes dados levam-nos ao que já foi anteriormente citado no que respeita às características “específicas” do desemprego nacional, em que, se por um lado o desemprego jovem atinge quase os 40%, o desemprego de longa duração atinge dois terços na faixa etária acima dos 45 anos. E, se para estes últimos, o regresso ao mercado é por demais complicado, para um jovem, estar cinco ou seis anos fora da força laboral, cifra-se, igualmente, numa situação substancialmente dramática. A queda no vale do desemprego
Ou seja, e apesar de parecer uma realidade paradigmática, a verdade é que as empresas se queixam de não preencherem as vagas que têm disponíveis por não encontrarem os candidatos com as competências certas. O fenómeno é europeu, mas mais destacado na Grécia (33%), na Alemanha (32%) e no Reino Unido e em Portugal, ambos com 30%. Como refere o relatório, os empregadores nacionais apontam dois motivos em particular para esta inadequação de competências: em primeiro lugar, apenas 46% dos inquiridos acreditam que existem licenciados suficientes provenientes de programas académicos ou de formação “certos”; em segundo, não só afirmam que os jovens estão a estudar as “matérias erradas”, como não lhes estão a ser transmitidas as competências adequadas para o processo de transição para o mercado de trabalho. Assim, três em cada 10 empregadores portugueses afirmam não preencher as vagas que têm disponíveis simplesmente porque não encontram os candidatos com as competências necessárias para tal. Este problema é particularmente crítico nas empresas de pequena dimensão (mas não só) e o estudo alerta para o facto de Portugal ser o país que apresenta o mais “cavado” fosso no que respeita à resolução de problemas e à proficiência na língua inglesa. Este aparente paradigma constitui um dos grandes desafios do desemprego jovem, centrado na transição da educação para o emprego. Ou seja, o número de jovens que “cai” no denominado “vale do desemprego”, como o apelida o consultor da McKinsey, é muito similar entre os que frequentaram apenas o ensino secundário e os que optaram por seguir a via universitária. E a insatisfação dos empregadores é partilhada pelos próprios jovens: quando questionados sobre o valor acrescentado da sua educação académica pós ensino secundário, são menos de metade aqueles que a consideram “valiosa” o suficiente para aumentar as suas oportunidades de emprego. A este respeito, a “educação para o emprego” tem de ser uma temática precocemente abordada, com uma cultura de empregabilidade enraizada o mais cedo possível – no sentido em que, na maioria dos casos, os jovens pensam primeiro na sua formação – um fenómeno que tem igualmente raízes culturais – e só depois no emprego. A atestar esta realidade, já anteriormente aflorada, sublinha-se um dos resultados mais “marcantes”, e ao mesmo tempo, surpreendente, no que a este estudo diz respeito: em termos de percepção das competências adequadas, 80% das universidades consideram que os seus currículos prepararam os jovens para o mercado de trabalho, contra 48% dos jovens que concordam com esta afirmação e apenas 33% das empresas a confirmarem esta adequação. A fraca comunicação existente entre empresas e universidades contribui também para esta visão diametralmente oposta: comparativamente a outros países europeus integrados no estudo, apenas 33% dos empregadores nacionais afirmam comunicar “algumas vezes” com as universidades, contra valores de 78% no Reino Unido e 74% na Alemanha.
Considerada como um factor de vulnerabilidade muito presente em Portugal, esta desadequação de “percepção” no que respeita ao triângulo “jovens, universidades e empresas”, está ainda relacionada com um outro fenómeno que, de forma gradual, tem vindo a ser incluído neste debate: a lógica do “interesse da formação universitária” versus o” ensino técnico ou vocacional”, mais estigmatizado pela sociedade, mas que poderá vir a constituir uma “saída” para o desemprego em Portugal, ou seja, uma formação determinada pelas necessidades do mercado. Ainda a este respeito, e de acordo com os números apresentados por Raul Galamba, dos jovens inquiridos, 76% consideram que o ensino técnico/vocacional é mais útil para ter emprego, 56% preferiam tê-lo seguido em vez de terem optado pela via académica, mas apenas 18% destes mesmos jovens acreditam que o mesmo é valorizado pela sociedade. Ainda no que ao desemprego jovem diz respeito, Raul Galamba alertou para o facto da percentagem de jovens que não tem capacidades para custear a sua educação ser, em Portugal, particularmente elevada – 38% – apenas suplantada pela Itália, com 39% e pela Grécia, que ascende aos 42%, comparativamente, por exemplo, à Suécia, onde esta percentagem não ultrapassa os 16%. O estudo aponta também para o facto de cerca de 45% dos jovens terem de abandonar a sua casa/local de origem para poderem seguir os seus estudos superiores. Uma outra consequência da falta de emprego regista-se no número de pessoas que optaram pela emigração, que se cifra em cerca de 120 mil – “perdemos 5% da nossa população trabalhadora”-, como afirma Galamba, considerando esta realidade como um risco estratégico na medida em que poderá ter um impacto irreversível no mercado laboral. Ainda no que respeita ao também já mencionado fenómeno do desemprego de longa duração e à complexidade em particular que encerra em termos de regresso ao mercado, ao que se somam “cicatrizes sociais” profundas, Raul Galamba distingue dois tipos de “drivers”: os individuais e os de contexto, sendo que este último é particularmente difícil de contornar. E a questão que impera é a seguinte: como é que alguém que perdeu o emprego consegue adaptar a sua proposta “pessoal” de valor, as suas competências, para voltar ao mercado de trabalho? Para o consultor, este é o principal desafio a transpor e, em particular em Portugal, é a adaptação ao contexto que mais dificuldades gera, nomeadamente no que respeita à legislação laboral, ao também já mencionado gap estrutural de competências versus as exigências dos empregadores e à qualidade das infra-estruturas de apoio, nomeadamente no desempenho dos serviços de emprego – quase inexistente no nosso país – no que respeita à informação e ao apoio aos desempregados. Estruturais são também outras características deste tipo de desempregados, tanto ao nível das competências – hard skills versus soft skills- como também as suas competências linguísticas e as questões de motivação e compromissos pessoais. A adaptação (ou melhor, a readaptação) é, assim, o principal obstáculo a uma reentrada no mercado de trabalho, sendo que novas propostas de reorientação são necessárias para que o caminho não seja o de uma rua sem saída. Caminhos de inversão ou os bons exemplos além-fronteiras A primeira – já anteriormente citada – está relacionada com uma reorientação da formação ou, por outras palavras, com um ajustamento da mesma às necessidades do mercado [esta questão será posteriormente desenvolvida no painel liderado por Alexandre Relvas e Rui Diniz].
Galamba oferece, contudo, alguns exemplos de sucesso nesta temática da formação determinada pelas necessidades: a UK Comission for Employment and Skills, que reúne entidades independentes lideradas por empregadores (CEOs e quadros), é responsável pelo mais abrangente inquérito do mundo sobre competências e tem como objectivo assegurar um compromisso de investimento nas competências pessoais para estimular as empresas, o emprego e o crescimento. Actualmente, esta Comissão tem como principal enfoque o emprego jovem, promovendo o diálogo com as escolas e o desenvolvimento de programas de estágio e aprendizagem para os que estão a iniciar a carreira. A segunda proposta prende-se com a necessidade de transitarmos para uma nova cultura de empregabilidade e ajudar os jovens, em conjunto com os pais e com as escolas, a pensar não só na sua formação “ideal”, mas também nas possibilidades de emprego que terão ou não no seu futuro. A ideia é que esta “nova cultura” seja enraizada o mais precocemente possível – por volta dos 12, 13 anos – e que aposte em reuniões de esclarecimento, de aconselhamento e na “formação” para a escolha da carreira. Um exemplo de uma iniciativa original apresentada por Raul Galamba é a JADE , uma confederação europeia de empresas “juniores” que são constituídas e geridas por estudantes, e que prestam serviços a organizações relacionados com as suas áreas de estudo. A percentagem de sucesso no que respeita a ingressar no mercado de trabalho imediatamente a seguir à finalização do curso é de 79%. Mecanismos de “mercado assistido” na procura e integração é igualmente um dos caminhos propostos pelo consultor da McKinsey. O exemplo vem da Alemanha, mais precisamente da Agência Federal de Emprego , a qual consiste no maior fornecedor de serviços para o mercado laboral do país, com uma rede de mais de 700 agências e filiais, inteiramente enfocado na procura e oferta de emprego – com uma monitorização extremamente detalhada – formação, aconselhamento e colocação. Esta agência tem ainda como objectivo fornecer benefícios que substituam os rendimentos laborais, presta aconselhamento em caso de insolvência e ajuda a procurar benefícios alternativos para os filhos dos desempregados. De acordo com Raul Galamba, só em 2012, esta entidade foi responsável por 510 mil colocações de emprego.
Por último, dois caminhos igualmente importantes: o dos denominados “incentivos inteligentes” – com propostas de apoio ao empreendedorismo, à formação vocacional e de subsídios de salário e as “abordagens integradas em parceria”. No que respeita a este último, o exemplo vem da Finlândia com um “Programa de Garantia Jovem”, entretanto quase replicado na íntegra pela própria União Europeia. Este novo programa de incentivo ao emprego e formação, anunciado em 2013 pela União Europeia, tem como objectivo assegurar, a todos os jovens até aos 30 anos, ofertas de emprego, formação permanente, aprendizagem ou estágio no prazo de quatro meses após terem ficado sem emprego ou terem terminado o ensino formal. [o Governo anunciou, na passada terça-feira que, para 2014 e 2015, o plano de implementação desta “Garantia Jovem” passará pelo desenvolvimento de cerca de 378 mil respostas de educação, num investimento de aproximadamente 1300 milhões de euros]. Como grandes linhas, o programa Garantia Jovem compromete-se apoiar as PME na criação de empregos para os jovens, a desenvolver o ensino técnico e a reforçar a mobilidade laboral na UE. O orçamento cifra-se em cerca 30 mil milhões de euros – com especial enfoque nos próximos dois anos – e é financiado através do Banco Europeu de Investimento, do Conselho Europeu e de Fundos Estruturais. Depois da apresentação destes bons exemplos internacionais, com resultados comprovados, foi com quatro “estratégias” que Raul Galamba brindou a assistência, convidando-a fazer um paralelismo entre as possibilidades de recuperação do emprego em Portugal como se da gestão de uma empresa se tratasse: a aposta numa visão que defina uma estratégia nacional de emprego, desenhar alavancas rigorosas para dar resposta aos desafios expostos, envolver todos os stakeholders num modelo de execução robusto e investir numa “cultura de trabalho”. |
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Editora Executiva