É a velha questão: serão mais bem-sucedidos os que competem ferozmente e que lutam incessantemente para serem melhores do que os outros ou, pelo contrário, são os que sabem cooperar e que apostam em tácticas colaborativas os que alcançam mais facilmente o que pretendem? Na verdade, nem uma coisa, nem outra. O truque está em encontrar o equilíbrio entre ambas as estratégias
POR
HELENA OLIVEIRA

“A tensão entre competição e cooperação define grande parte das nossas interacções, tanto em casa, como no trabalho, e para sermos bem-sucedidos neste domínio exige que saibamos quando e como devemos fazer ambas as coisas. Nos nossos relacionamentos mais importantes, desde a mesa de negociações numa reunião de administração até à mesa do pequeno-almoço com os nossos filhos, enfrentamos, de forma rotineira, desafios que parecem oferecer ambas as soluções [contrárias]. Todavia, a questão – devemos competir ou devemos cooperar – é, na maioria das vezes, errada. É que os nossos relacionamentos não são nem competitivos, nem colaborativos. Na verdade, são ambas as coisas”.

Este excerto faz parte do livro “Friend & Foe: When to Cooperate, When to Compete, and How to Succeed at Both”, escrito por Adam Galinsky e Maurice Schweitzer, ambos professores nas escolas de negócios da Universidade de Columbia e de Wharton, respectivamente, que conseguem a proeza de misturarem diversos estudos na área das ciências sociais, dos mais recentes progressos nas neurociências e também do mundo animal, para guiarem o leitor – e com um conjunto de ferramentas muito útil – através dos caminhos complexos e de areias movediças que percorremos nas nossas vidas pessoais e profissionais para atingir o tão almejado sucesso.

Se, para muitas pessoas, a chave para o êxito (seja lá qual for a sua definição) tem como base a competição, a procura do interesse próprio e a luta constante para se ser sempre melhor do que os outros, outras tantas acreditam que o “sucesso” é mais facilmente atingido por aqueles que são melhores na arte da cooperação e que se esforçam por colaborar com os outros. O que o livro de Galinsky e Schweitzer tenta explicar é que as pessoas consideradas mais bem-sucedidas e com relacionamentos igualmente bem-sucedidos são aquelas que conseguem encontrar o equilíbrio certo entre a competição e a colaboração. O que, e como ambos se manifestam ou em simultâneo ou em alternância, não consiste tarefa fácil.

[pull_quote_left]Existem três forças por excelência que dão origem a uma tensão contínua entre o acto de cooperar e o de colaborar: a escassez de recursos, o facto de nós, humanos, sermos seres “sociais” e a instabilidade e dinamismo que caracteriza o mundo social em que nos movemos[/pull_quote_left]

De acordo com os autores, existem três forças por excelência que dão origem a uma tensão contínua entre o acto de cooperar e o de colaborar: a escassez de recursos, o facto de nós, humanos, sermos seres “sociais” e por último, o facto de o mundo social em que habitamos ser instável e absolutamente dinâmico. Assim, a escassez, a sociabilidade e a instabilidade dinâmica, que interagem entre si e podem tender ou para a harmonia ou para o conflito, caracterizam a nossa essência e explicam por que motivo é que, em vez de acreditarmos na sabedoria popular que, por norma, afirma que “nascemos para competir” ou a sua versão oposta que reza que “enquanto seres humanos, possuímos um instinto inato para a empatia”, a verdade é que evoluímos para fazer ambas as coisas.

E se o leitor parar um momento para pensar, verá que não é assim tão absurdo afirmar que, em qualquer relacionamento – desde os que temos com os nossos colegas de trabalho, com os nossos amigos, com os nossos parceiros, com os nossos irmãos e até com os nossos filhos – esta alternância entre competir e colaborar está sempre presente. Quantos de nós não guerrearam com um irmão ou irmã, nunca colocando em questão o facto de este ser, em simultâneo, o nosso melhor amigo? Neste caso, a “guerra” tem como objectivo comum para ambos a procura do “recurso escasso” que, neste caso em particular, é a atenção por parte dos pais. Ou, como os próprios autores confessaram numa entrevista que concederam à Knowledge@Wharton, nos livros que são escritos em co-autoria, o simples facto de um nome aparecer primeiro que o outro pode constituir motivo para a existência de tensão. Ou ainda, num trabalho equipa, existirá sempre a tendência de alguém querer ser melhor do que o outro ou, pelo menos, ser reconhecido como tal. O mesmo acontece, frequentemente, entre marido e mulher, com muitas das suas discussões terem também como base o “quem manda cá em casa sou eu”.

[pull_quote_left]Enquanto seres sociais, uma das formas que temos para perceber o lugar que ocupamos no mundo dinâmico em que vivemos é através da nossa comparação com os outros[/pull_quote_left]

Estes e muitos outros exemplos, tanto da nossa vida pessoal, como da profissional, constituem um excelente material de reflexão e aprendizagem. E, à medida que vamos desfolhando o livro e nos reconhecemos em situações de natureza variada, vamos igualmente aprendendo a ganhar poder e a mantê-lo, a construir relações baseadas na confiança e, mais importante, a saber restaurá-las em caso de quebra. O livro escrito pelos dois professores de gestão ajuda também a lidar com conflitos no local de trabalho ou a ter sucesso em negociações de natureza variada, assegurando que atingimos o que queremos, ao mesmo tempo que deixamos a outra parte satisfeita.

Adicionalmente, os autores conseguem, com mestria, apresentar e oferecer respostas para verdadeiros puzzles que nos enchem de perplexidade. Por exemplo, por que motivo é que a existência de talento “a mais” numa equipa pode minar o sucesso de um projecto, como é que agindo de forma menos competente nos permite ganhar reconhecimento e autoridade, por que razão é que as diferenças de género nas organizações têm mais a ver com questões de poder do que com distinções sexistas ou por que motivo, numa entrevista de emprego, é melhor sermos o último dos candidatos e, numa negociação para comprarmos um carro novo, sermos muito melhor sucedidos se a nossa oferta for a primeira.

Dado que é impossível sintetizar as variadíssimas e interessantes perspectivas oferecidas por esta obra – e, já agora, os co-autores decidiram resolver a questão de “qual dos nossos nomes vem primeiro no livro” através da regra básica da ordem alfabética – e também porque a ideia é entusiasmar o leitor para a sua aquisição efectiva, optámos por centrar este artigo em duas partes fundamentais: uma que está mais relacionada com a nossa vida “social” na generalidade e a outra no que respeita à implicação desta tensão e equilíbrio entre as duas forças da competição e da colaboração nas organizações.

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Por que não resistimos a nos comparar com os outros?

Num estudo académico citado pelos autores do livro, é demonstrado que os jovens que se licenciaram durante um período recessivo se sentiram mais felizes com o seu primeiro emprego comparativamente aos que começaram a trabalhar pela primeira vez, mas em tempos de expansão económica. A razão? Tudo reside na irresistível – e humana – tendência que temos em nos comparar com os outros. Ou seja, os alunos que se licenciaram em altura de declínio económico sentiram-se “melhor do que os outros” pois, em tempos de dificuldades acrescidas, arranjar um emprego quando os nossos “amigos” não o conseguem, é sinal que “somos melhores do que eles”.

[pull_quote_left]Tanto a competição como a cooperação envolvem competências que podem ser “treinadas” e melhoradas mas, para nosso bem, é imperativo sabermos quando e como temos de fazer a “mudança” entre ambas e qual “persona” devemos ser em cada uma das interacções e contextos que definem as nossas vidas[/pull_quote_left]

O papel que as comparações sociais têm nas nossas vidas – às quais Galinsky e Schweitzer dedicam um capítulo inteiro do seu livro – ilustra bem de que forma as forças da escassez, a sociabilidade e a instabilidade dinâmica têm um enorme impacto na cooperação e na competição. Na medida em que somos seres sociais, escrevem os autores, uma das formas que temos para perceber o lugar que ocupamos no mundo dinâmico em que vivemos é através da nossa comparação com os outros. O que e apesar de nos ensinarem que não devemos ter inveja “do vizinho”, pode ser uma excelente motivação. Os autores exemplificam este “estímulo” através do que aconteceu quando os (na altura) soviéticos se tornaram os primeiros a colocar um homem em órbita (o famoso Iuri Gagarin em 1968), o que “espicaçou” os Estados Unidos a terem de fazer melhor, e que acabou por resultar na missão Apollo 11, que levaria a 20 de Julho de 1969 Neil Armstrong a pisar a lua. Mas e como seria natural, o oposto também acontece e a comparação com outrem pode contribuir para situações destrutivas.

Os autores oferecem três princípios que ajudam a compreender melhor o poder das comparações sociais e a forma de as fazer trabalhar em nosso proveito. A primeira é reconhecer a ordem natural das coisas nas quais a maioria de nós acredita instintivamente. Um exemplo desta ordem natural é o de que, entre irmãos, o mais velho dever ser o “mais bem-sucedido” em primeiro lugar, o que faz sentido no caso das tenistas e irmãs Serena e Vanessa Williams ou, no domínio da politica, no de John e Robert Kennedy, em que ambos trabalhavam bem em conjunto, mas foi sempre o mais velho a atingir primeiro o topo das suas profissões. O segundo princípio tem como base reconhecer ou criar novas oportunidades para se competir ou, por outras palavras, transformar um desapontamento em motivação para fazer melhor da próxima vez. O último princípio está relacionado com o facto de permitirmos que os outros tenham algum schadenfreude – ou seja, o sentimento de sentir algum prazer no que respeita ao mal dos outros. Ou, como sugerem os autores, depois das suas fantásticas férias nas ilhas Fidji e quando as contar aos seus amigos, convém não esquecer alguns pontos negativos que tenham acontecido, como dias chuvosos ou bagagem perdida, para que o relato não seja só de perfeição.

No geral, a principal lição retirada das comparações sociais é a de se procurarem comparações favoráveis que nos tornem mais felizes e comparações desfavoráveis que nos incitem a fazer mais e melhor. De sublinhar é o facto deste capítulo em particular consistir numa “abertura” ou ponto de partida para uma viagem exploratória e fascinante sobre as inúmeras formas através das quais os humanos competem e colaboram e de como é possível encontrar o desejado equilíbrio entre ambas.

Amigos ou rivais no mundo empresarial? Ambos, sem dúvida

Mas e afinal, qual o contributo deste trabalho de investigação para o universo das empresas? Como respondeu Maurice Schweitzer numa entrevista à Business News Daily, o trabalho elaborado pelos dois professores tem um conjunto de aplicações alargado para as organizações – transversalizadas ao longo do livro – na medida em que a pesquisa efectuada focou 11 temas (os quais, para Schweitzer, poderiam transformar-se em 11 livros) directamente relacionados com o ambiente empresarial: poder, hierarquia, confiança, logro, desculpabilização, a “visão em perspectiva” ou o “saber calçar os sapatos dos outros”, empreendedorismo, diversidade e negociação.

18022016_CompetirOu2Entre as várias, a temática das hierarquias assume um papel particularmente interessante, na medida em que Schweitzer e Galinsky desenvolveram uma ideia clara sobre os momentos em que estas “ajudam” ou “prejudicam” as organizações. “Quando a hierarquia tem um impacto negativo numa organização, o que acontece é que impede a inovação, a expressão de ideias e o fluxo de informação”, escrevem. Ou seja, quando a estrutura hierárquica é “forte” demais, a informação não chega ao topo. Por seu turno e seguindo esta lógica, quando é verdadeiramente necessário gerar ideias, não devem existir hierarquias, como não devem existir líderes, mas sim facilitadores. Todavia, na fase da implementação da ideia, a hierarquia é imprescindível para se coordenar e integrar comportamentos. Ou e mais uma vez, é necessário encontrar o equilíbrio entre as fases em que a competição é mais saudável e as alturas em que só através da colaboração é possível atingir o fim pretendido. Num exemplo diferente, mas que está também relacionado com as doses “certas” de hierarquia, os autores escrevem sobre as entrevistas de emprego. Se, por um lado, queremos (e devemos) mostrar que estamos (somos) confiantes, também sabemos que “fica bem” reconhecer a autoridade de quem está sentado do “outro lado”. Neste caso, a hierarquia ajuda a reduzir o conflito porque estabelece “quem é que está no comando”, mas também não pode ser “demasiada” pois pode reduzir esse mesmo conflito drasticamente e, ao mesmo tempo, restringir o progresso.

Em particular para os líderes, a ideia de “calçarem os sapatos dos outros” é igualmente bem explorada no livro, na medida em que, para os autores, “quando se tem poder, perde-se a ‘perspectiva’ em relação aos que nos rodeiam”. Esta capacidade unicamente humana de “entrar na cabeça dos outros e saber o que eles sentem” pode ajudar-nos a ser melhor a competir – se conseguirmos antecipar qual a próxima jogada do nosso “oponente”, mas também nos ajuda a perceber melhor a outra pessoa, podendo ser mais “rentável” optarmos pela colaboração. E, para os líderes e apesar de difícil pois “quem manda sou eu”, esta capacidade é de extrema importância.

Na verdade, tanto a competição como a cooperação envolvem competências que podem ser “treinadas” e melhoradas mas, para nosso bem, é imperativo sabermos quando e como temos de fazer a “mudança” entre ambas e qual “persona” devemos ser em cada uma das interacções e contextos que definem as nossas vidas. Adicionalmente, temos de aprender também a fazer as perguntas certas: será que consigo alcançar o equilíbrio entre cooperação e competição? O que preciso para que tal aconteça? Na medida em que somos mais bem-sucedidos quando as nossas necessidades e as dos outros são satisfeitas em simultâneo, existem áreas em que considero que fui demasiado colaborativo e, por isso mesmo, fui “explorado”? Ou, pelo contrário, deverei ser mais agressivo para alcançar o que mereço?

“Sejamos nós um pai ou mãe a pensar nos filhos, uma pessoa a pensar no seu parceiro, um colega a pensar noutro colega, um líder a pensar num colaborador ou vice-versa – fazermos a nós mesmos estas perguntas não só nos ajudará a ganhar um maior controlo sobre a nossa vida, como também a atingir o tal equilíbrio entre a competição e a colaboração que nos conduzirá a uma forma mais plena de felicidade –ou de sucesso – conforme seja a definição do mesmo”, garantem.

Editora Executiva