Na nova temporada das Conversas NEXT, Carmo Teixeira Diniz acolhe Rui Manuel de Sá Morais e Pedro Amarante, um associado sénior e um NEXT. Nesta sessão debate-se a conciliação entre família e trabalho, cada vez mais presente e essencial. Estas sessões são abertas a associados e a não associados e quem assiste em directo pode colocar perguntas aos intervenientes enquanto assiste. Ficam seguidamente disponíveis em podcast e no Youtube. Aqui, no VER, tratamos da sua transcrição, pois há muitos que preferem a leitura. Os dois oradores são do núcleo do Minho da ACEGE e a moderadora começa por apresentá-los. Acompanhamo-la e acompanhamo-los em mais uma sessão muito esclarecedora
POR PEDRO COTRIM
Rui Manuel de Sá Morais tem 47 anos. É casado e tem 3 filhos. Nasceu em Braga e licenciou-se em Economia na Universidade do Porto. Tem uma pós-graduação em Finanças Empresariais na Universidade Lusíada. Tem uma longa carreira profissional, integrando durante 13 anos, o Grupo Têxtil Manuel Gonçalves. Sendo impossível mencionar todas as responsabilidades que já assumiu, destacamos agora as suas funções executivas na AGERE e na BRAVAL
Pedro Amarante é o associado NEXT e tem 26 anos. É solteiro e tem 4 irmãos. É fundador e gestor da Iber Bússola. É formado em marketing e pós-graduado em Digital Business. Realizou diversas formações e pertence actualmente à direcção da ACEGE NEXT no núcleo do Minho.
Carmo Teixeira Diniz: O tema de hoje, conciliação família e trabalho, é um dos maiores desafios para a geração NEXT, pois quem a ela pertence está numa fase de crescimento profissional e pessoal. É um tema muito premente nos nossos dias. Nota-se trabalho na área, mas ainda há um longo caminho a percorrer. De que forma é este tema abordado em Portugal?
Rui Manuel de Sá Morais: É importante perceber que, racionalmente, e conforme a questão da Comissão Europeia sobre os direitos sociais, o equilíbrio da vida profissional com a pessoal é um dos pilares fundamentais. É importante também não o dissociar da igualdade de acesso ao mercado de trabalho nem das condições justas. São temas intrínsecos. Apesar de eu já ter alguma experiência, o meu exemplo pode nem ser típico. Casei com 37 anos e tive os meus filhos aos 39, aos 42 e aos 45 anos. Faço esta confissão porque, quando iniciei a minha carreira profissional, era difícil conciliar o que desejamos para a nossa vida profissional com a familiar. É um pouco caricato o que sucede em Portugal, porque muito se discute este tema, mas as problemáticas que surgem ao nível da gestão absorvem-nos de uma tal forma que acabamos por deixar a vida familiar um pouco de parte: isso tem obrigatoriamente que mudar. As empresas têm de lidar com este assunto de uma forma diferente, sobretudo quando falamos de homens e mulheres. Procurei alguns números e as mulheres ainda trabalham muito em tempo parcial: 31.5% delas o fazem, quando o número nos homens é de 8.2%. Temos ainda que 20% das mulheres inactivas têm responsabilidades familiares, nos homens o número é de 2%. As responsabilidades familiares cabem aos dois, não apenas a um.
Acrescento um pouco mais da minha situação pessoal. A minha esposa é dentista, e, apesar de toda a minha actividade profissional, sou eu quem leva as crianças ao colégio; tento também ir buscá-las e fazer o jantar para todos em 4 dos 5 dias da semana. Já fui pai um pouco tardio e nada como ver crianças, alegria das crianças a desarrumarem a casa e a destruírem património quando chegamos (risos). Um abraço, um beijo ou um carinho valem tudo o resto.
É importante que as empresas criem as condições para esta possibilidade, sobretudo quando falamos da flexibilização do horário de trabalho. Efectivamente, os colégios, sobretudo os privados, funcionam quase como repositórios das crianças, mas este é um sinal de falhanço. Nem todos podemos escolher o sítio onde trabalhamos, mas esta responsabilidade cabe às empresas. Um trabalhador que vai mais feliz para as suas funções será certamente mais produtivo. Quando se discute a produtividade do país, não se pode ir apenas pelo caminho da troika. Não é a retirar feriados que aumentamos a competitividade. É com boas práticas por parte dos gestores que se aumenta a produtividade. E claro e inclusivamente, com benefícios financeiros.
Há ainda a questão da pessoa que não tem família; não tem de deixar de ter a sua vida pessoal por causa do trabalho. Há empresas com políticas descritas nos seus business plans e é fundamental pô-las em prática.
Pedro Amarante: Eu até acrescentaria, na óptica do colaborador ou do empreendedor, um desafio. As ambições serão condicionadas pelas imposições do mercado do trabalho. A falta de flexibilidade ainda se observa e terá obrigatoriamente de ser trabalhada. No meu caso, o meu grupo de trabalho é da minha faixa etária. Estamos à entrada do mercado de trabalho e percebemos que o tecido empresarial tem de ser funcional. A gestão de tarefas imprevistas ou de prazos encurtados é essencial. Tudo isto é absorvido pela estrutura, pela empresa, pelos trabalhadores. Verifico várias vezes que há horas de trabalho não remuneradas, mas que surgirão sempre. Tem de haver rigor nos processos, nas responsabilidades e nos timings. É preciso não ver tudo isto de uma perspectiva negativa. Na Iber Bússula lidamos com muitas empresas, não apenas com o consumidor final. Espero conseguir lidar bem com os imprevistos e flexibilidade. O contacto com os empresários passa muito por mim e bem vejo o desafio da estruturação e dos procedimentos.
Rui Manuel de Sá Morais: Estamos aqui nesta relação geracional. Falamos com um empresário que terá sucesso no futuro, se Deus quiser, mas aqui, na questão do que fazemos, nas nossas empresas, importa uma ressalva: uma coisa são as condicionantes no início de carreira. Temos na AGERE uma problemática muito analisada para além do que tem a ver com os descendentes, que é a questão dos ascendentes. Temos muitos colaboradores perto da idade da reforma, mas que têm a seu cargo os cuidados aos pais. No começo da carreira há os filhos, no final da carreira há os pais. A longevidade que, graças a Deus, está de boa saúde, traz novos desafios às empresas. A questão dos cuidadores informais é vital. Na AGERE, quando olhamos para os dependentes, não olhamos apenas para os «fiscais», olhamos para os ascendentes e procuramos, nas nossas políticas sociais, introduzir compromissos. Vejo realmente muitas empresas focadas em recrutar talento, mas mantê-lo exige que se pense a longo prazo na questão dos ascendentes.
Pedro Amarante: Realmente, os desafios não são apenas o «aqui e agora», estão também no longo prazo. Não é só o dia-a-dia, o fecho do trimestre, a questão dos objectivos, mas também a atenção à retenção do talento e aos desafios que os colaboradores irão enfrentar no decorrer das suas carreiras. Nós trabalhamos a parte de comunicação e marketing e conseguimos executar muitas tarefas em horário flexível. Há outras que têm evidentemente de ser tratadas em horário tradicional, independentemente da faixa etária dos nossos colaboradores. Esta flexibilidade será simples no nosso ramo e acabaremos por dela beneficiar.
Rui Manuel de Sá Morais: Sem, em empresas como a vossa, de um sector mais terciário que secundário, torna-se fundamental a flexibilidade. Eu acho que tem de haver teletrabalho com conta, peso e medida, porque implica-se envolver as pessoas na empresa e que estas se desloquem com alguma frequência ao local de trabalho, que contactem umas com as outras, que se cumprimentem e que se abracem. Se uma empresa não se tornar uma família, o sucesso será mais difícil. Eu sou presidente da AGERE e da BRAVAL, que trata da recolha de resíduos. Há ainda muitas tarefas impossíveis de tratar online. Temos turnos e exige-se uma disponibilidade rotativa. Nas duas empresas, há cerca de 700 trabalhadores. Se pensarmos em descendentes, ascendentes e cônjuges destes trabalhadores, temos um universo de cerca de 1800 pessoas. Temos flexibilidade de horário e o teletrabalho também tem lugar, de contrário não poderia haver cuidados aos familiares. Há cuidados de saúde dentro da empresa e tentamos estendê-los aos familiares, conjugando a prática do trabalho que tem de ser feito no local com as práticas online. Importa uma visão integrada do problema e o facto de resultar num sítio não significa que se adeque a outro.
Carmo Teixeira Diniz: O Rui entrou nas questões do quotidiano. Uma vez que ambos são líderes de empresas, gostava realmente de perceber o que já é praticado nas vossas empresas e nas equipas que gerem. Quantos colaboradores e o universo que implica. Gostava de saber do teu lado Pedro.
Pedro Amarante: Se existem bons exemplos, devem ser partilhados. É o que dá início à tomada de consciência das questões. Conforme vos disse, ainda não se põe muito a questão dos cuidados aos ascendentes e aos descendentes na Luso Bússola. Contudo, sempre que falamos em optimização, seja em criar mais com os meios que temos, há uma palavra importante, que é «sacrifício». Para criar mais condições, chega-se quase sempre à conclusão de «mais horas». O que agora se assume como fácil, uma vez que não há dependentes, deixará de ser. Assumimos a ignorância nesta questão.
No meu caso somos 4 irmãos, com diferenças de idades relevantes, mas do ponto de vista familiar e dos desafios que possam surgir, fomos sempre uma família unidade. Quando eu acordava, o meu pai não estava em casa; quando eu ia dormir, o meu pai não estava em casa. No meu caso, tudo correu bem, mas isto pode ter impacto em algumas crianças. Os laços familiares são fundamentais, seja no caso da liderança ou dos subordinados.
Carmo Teixeira Diniz: Surgiu uma pergunta no live, do Bernardo Vasconcelos. O que gostariam de implementar na vossa empresa e que ainda não tenham feito? O Rui dizia há pouco que uma boa prática num sítio pode não ser uma boa prática noutro. Gostava de vos ouvir a este respeito.
Rui Manuel de Sá Morais: Numa empresa pública, uma coisa é o que gostaríamos de fazer, outra coisa é o que a legislação permite fazer. Para vos dar uma ideia, quando cheguei à AGERE, em 2013, fiquei quase nove anos sem poder premiar os trabalhadores pelo seu bom trabalho. Ainda tinha os salários congelado e bem sabemos que é difícil não poder responder com um salário aumentado um bom contributo. Temos uma legislação que não nos permite o que queremos. Há 3 anos, consegui, com os sindicatos, um prémio com base na meritocracia de distribuição de lucros da própria empresa. Há ainda várias coisas que gostaria de fazer, por exemplo nos apoios extensíveis, como colocar os filhos nas creches – através de vagas em colégios privados, por exemplo. É essencial que os colaboradores saibam que os seus estão bem, seja onde for, como os ascendentes num lar ou as crianças devidamente na escola. Se pudermos ajudar, ajudamos, sempre dentro das possibilidades das empresas. Claro que depende das necessidades do universo de cada empresa. A AGERE e a BRAVAL têm uma média de idades de 55 anos. Há que captar e reter talentos e que mudar a narrativa nesse sentido. Temos uma prática interna de fazermos anualmente questionários de carácter mais pessoal. São questões simples sobre as pessoas e sobre a empresa e recolhemos o feedback. Mudámos de 40 horas semanais para 35, por exemplo, o que facilitou a recolha dos filhos nos colégios. Com tudo o que tem sucedido na educação, com greves sucessivas, creio que é fundamental conseguir ajudar as pessoas em relação aos filhos.
Pedro Amarante: Eu apenas complementava com um tema muito presente em nós, os mais jovens. Está relacionado com a pertença à organização. Há cada vez mais líderes que tentam esbater um pouco a hierarquia, mas sem desobedecer às boas normas organizacionais. O contacto é essencial, com a solução a ter de ser construída a partir da necessidade de cada um dos trabalhadores. Pode não ser muito complicada numa organização mais pequena; com uma escuta mais activa, tudo será mais fácil para todos com alguma abertura e flexibilidade. O próprio colaborador deverá ter hipótese de expor os seus anseios pessoais e profissionais sem medo de represálias. Há empresas que são mesmo famílias e conseguimos observá-lo em algumas. E funcionam lindamente. O sentimento de pertença é tremendo e faz milagres numa equipa coesa.
Rui Manuel de Sá Morais: Eu estive 13 anos no Grupo Têxtil Manuel Gonçalves. Foi o maior grupo têxtil do país. Verifico que também pode acontecer em grandes organizações. Qualquer organização onde se estabeleçam os direitos e as responsabilidades, sem perder a noção de que existe uma hierarquia. Não é vincá-la, é exercê-la no sentido de pertença. O sucesso desta prática reflecte-se no crescimento da empresa, com resolução mais fácil dos problemas do dia-a-dia. Vejo bons resultados também na AGERE – em oito anos, tornou-se na empresa pública mais eficiente do país. Braga é a capital de distrito com melhores tarifários de águas residuais. Os níveis de qualidade são dos melhores do país. Aumentou-se a qualidade da empresa, a qualidade dos serviços e o ambiente interno. De houver partilha, é a flexibilidade também possível nas grandes empresas e é um factor crítico de sucesso.
Carmo Teixeira Diniz: Estamos a chegar ao final. Agradeço-vos a agradável conversa e faço um repto final. Ao Rui, que sugestão faz aos NEXT relacionado com este tema? Pedro, que sugestões darias a um associado sénior?
Rui Manuel de Sá Morais: Em relação aos jovens, ter sempre esta noção de conciliação de vida familiar na questão de captação de talento, mas a retenção é tão fundamental como o recrutamento. Importa olhar para o indivíduo, perceber que ele está bem e perspectivar a continuação da carreira. Poder olhar para o futuro e ter uma visão estruturada daquilo que é ser empresário. As empresas serão viáveis durante mais tempo com as pessoas felizes, o que também é essencial para o país.
Pedro Amarante: Eu agradeço o que aprendi com o Rui. Tenho muito menos experiência e levo daqui conselhos preciosos. Talvez sugira, genericamente, mais formação em termos de competências humanas. Antecipar as questões da conciliação em vez de as tentar remediar.
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