João Pedro Tavares, da Associação Cristã de Empresários e Gestores, considera que a recomendação da CIP de um 15.º mês livre de impostos e contribuições era “atrativa” e afirma que “este é o Orçamento dos remédios”
POR ANA CATARINA ANDRÉ

Um aumento de 5% nos salários dos trabalhadores portugueses, mesmo com a isenção fiscal proposta pelo Governo, é um “esforço absolutamente enorme”, alerta o presidente da ACEGE, João Pedro Tavares, em entrevista à Renascença [e que aqui republicamos]

A ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores pede que se repense a política fiscal para aliviar as famílias e as empresas, e alerta para a precariedade laboral “num país com pleno emprego”.

João Pedro Tavares, presidente da ACEGE, diz que “se continuarmos a fazer o que sempre fizemos, vamos continuar a empobrecer” e compara o Orçamento do Estado a “uma farmácia onde se entregam remédios conforme as necessidades”.

Que marcas deve ter o próximo Orçamento do Estado na perspetiva da ACEGE?

Gosto de olhar as coisas pela positiva, mas de forma realista. Este é um Orçamento do Estado para um ano. É imediatista. Não é um orçamento de longo prazo, que introduza transformações na sociedade. É como se fosse um jogo do qual já sabemos o resultado. Portugal está consistentemente a empobrecer. Estamos a perder competitividade e, portanto, se continuarmos a fazer o que sempre fizemos, vamos continuar neste sentido. Há um esforço do Governo no sentido de manter contas equilibradas.

Esse é um sinal positivo que já é histórico, apesar de ter sido feito à custa das cativações, que não são propriamente uma medida amigável do desenvolvimento, nem da confiança. Esperamos determinados valores e depois eles ficam cativados e, portanto, é uma forma encoberta de mentira.

A ACEGE gostaria que este país como um todo fosse mais convergente. Este é um Governo que, de alguma forma, matou as parcerias público-privadas, as parcerias para a saúde. Na área da educação também fez o mesmo. [É um Governo que] olha com alguma desconfiança para os empresários e para os gestores, que demoniza o lucro e, portanto, nesse sentido, não vou dizer que tenho uma expectativa muito elevada [sobre o orçamento].

Gosto que se fale da possibilidade de melhoria do salário mínimo, mas creio que ficamos muito aquém. Somos um país com falta de ambição. Os nossos governantes vão à Europa pedir dinheiro. Não podemos viver sempre a pedir. Falta-nos ambição, deveríamos querer mais. Devíamos debater os temas de fundo da nossa sociedade. Não o fazemos.

Atendendo ao atual contexto económico, a prioridade deste Orçamento deve ser aliviar as famílias ou as empresas?

Porque não as duas? Aliviar as famílias e aliviar as empresas. Sabemos que os recursos são limitados e não dão para tudo. Por isso mesmo, era necessário fazer uma reestruturação, repensar o papel do Estado e de toda a política fiscal para aliviar famílias e empresas.

Neste momento, temos famílias e empresas descapitalizadas, e este é um problema que não vai ter um alívio, porque este é o Orçamento dos remédios. É um remédio para aqui, um remédio para ali. Ao longo dos últimos anos, temos vindo a remediar as situações, mas não andamos a tratá-las de fundo. Esta coisa de darmos 500 euros ou pouco mais aos jovens para não emigrarem é uma brincadeira. Andamos a tentar parar o vento com as mãos e depois não conseguimos, de facto, mudar o jogo, ser ambiciosos.

O Governo já afastou a possibilidade de descida da Taxa Social Única (TSU). Como é que a ACEGE vê esta opção?

Somos um país com elevada carga fiscal, mas esse não é o problema, porque os países nórdicos têm uma carga fiscal provavelmente até superior à nossa, mas têm acesso a tudo de uma forma absolutamente gratuita e uma qualidade de vida e um rendimento absolutamente diferentes.

Portanto, quando comparamos, temos de comparar o todo e não as partes. Somos dos países da Europa com maior esforço fiscal para as empresas e para as famílias e esta é uma situação que tem de ser revertida. [Se assim não for], os jovens vão continuar a emigrar, as famílias não vão conseguir constituir-se e o problema da demografia vai subsistir. Somos uma sociedade cada vez mais envelhecida. Precisamos de imigrantes para a rejuvenescer. O próprio sistema de Segurança Social não é sustentável perante este estado de situação. Estes são temas de fundo que deviam ser debatidos e não vejo ninguém a fazê-lo.

Com o aumento do custo da habitação e a diminuição do poder de compra das famílias, considera que as medidas que o Governo tem proposto neste âmbito são suficientes?

É uma situação muito difícil de resolver. Perante desafios muito grandes, temos que, de facto, pensar grande. As medidas não são boas. São suficientes, mas não para resolver, para amenizar uma série de situações. Vão provocar alguns alívios, mas não um alívio significativo. As dificuldades vão continuar a existir. Remedeia aqui, remedeia-se ali, vai-se criar uma taxa para aquilo, depois alivia-se do outro lado e andamos permanentemente neste estado de coisas. É um gerir com remédios. Parecemos uma farmácia onde se entregam remédios conforme as necessidades. Não podemos prosseguir desta forma.

O Governo aponta para um aumento do salário mínimo para 820 euros. Nos últimos anos, o salário médio não tem acompanhado esta subida e, portanto, estamos a assistir a um empobrecimento da classe média. Como é que olha para esta realidade?

Nós ficamos muito satisfeitos, porque o nosso país é muito atrativo em termos de turismo, mas de cada vez que o turismo cresce, o salário médio diminui. Porquê? Porque são pessoas de mais baixos salários que são introduzidas no mercado de trabalho. Estamos todos satisfeitos porque estamos com emprego pleno, mas temos uma precariedade muito significativa e basta andar nas ruas para perceber isso.

Portanto, de cada vez que crescemos no turismo, o salário médio diminui. Precisamos de nos reestruturar enquanto economia e isso não cabe ao Governo. Cabe a todos, à sociedade civil, às empresas, à academia para, em convergência, termos a disponibilidade de lutar por um país absolutamente diferente. Temos de subir na cadeia de valor. Exportamos os nossos produtos para o estrangeiro e a marca é colocada lá fora, ou seja, perante a marca, o bem duplica e triplica de valor. Temos que produzir esse valor na origem, porque é na origem que ele é produzido. Temos que crescer na cadeia de valor. Temos que ser mais competitivos enquanto economia, temos que contribuir para um maior crescimento económico. Não podemos ficar satisfeitos com aqueles crescimentos económicos que temos tido. Como alguém dizia, é poucochinho, é mesmo muito poucochinho.

Falando justamente nos trabalhadores pobres e na precariedade laboral, o que é que as empresas podem fazer nesta matéria, por um lado, e por outro, que medidas pode o Governo adotar no próximo orçamento sobre esta matéria?

Os aumentos salariais no passado recente foram inferiores à inflação. Significa que as famílias perderam o poder de compra. Estes valores devem ser de alguma forma equiparados, não vou dizer na sua totalidade, mas parcialmente. Há aqui um efeito de controlo de inflação e, portanto, percebo que não possam ser equiparados na sua totalidade, mas se tivermos maior crescimento económico, se tivermos maior desenvolvimento económico na cadeia de valor, vamos conseguir aumentar os salários. É isso que temos que fazer, que temos que propor.

A CIP [Confederação Empresarial de Portugal] fez uma proposta que me parece fora da caixa, atrativa, mas o Governo veio fazer uma contraproposta que agrava a proposta da CIP e que torna mais difícil a sua concretização – as empresas que aumentem 5% os salários, então sim, vão dar o 15º mês isento de TSU e isento de IRS. É um esforço absolutamente enorme para as empresas. [Temos de questionar se] isto vai conduzir a uma maior competitividade ou não. Temos que pensar como um todo e não às partes.

Temos um desafio nos salários. O aumento do salário mínimo é bom, mas mais de 25% dos portugueses recebem salário mínimo. Aquilo que conhecemos como classe média, é uma classe rica no nosso país, que não se pode queixar, mas de facto tem toda a razão para se queixar. Somos muito taxados. Temos um desafio no salário médio que só se consegue reformulando, repensando a prazo a nossa economia, o nosso tecido empresarial e isso não cabe ao Governo. Cabe a todos. O Governo tem que contribuir como facilitador de todo este processo, e não pode demonizar os outros e achar que não existem relações de confiança.

A atual situação da saúde em Portugal, que entre outros aspetos tem levado ao encerramento de diversos serviços de urgência, é uma questão de melhor gestão ou de mais dinheiro?

Não lhe vou dizer mais dinheiro, porque o Governo tem dito à boca cheia de que tem o feito aumentos significativos ao nível da saúde. Se os aumentos são significativos em termos de dotação, porque é que os resultados são piores? Isto indicia mau uso dos recursos. É culpa dos médicos? Não creio. É uma culpa do sistema como um todo? Provavelmente.

Há pouco dizia que tem que haver uma convergência entre todos… No passado recente, o Hospital de Braga, que foi classificado como um dos melhores em termos de atendimento, tem neste momento as urgências fechadas. Alguém consegue explicar como é que se chegou a esta situação? Ao quebrarmos as parcerias público-privadas que se criaram para a saúde e que se demonstraram como positivas, o problema agravou-se significativamente. Os privados obviamente têm que ter resultados, mas os resultados não são algo que tenhamos que olhar como negativo. O que temos que avaliar é se o custo e se a prestação de serviço estão dentro do que foi contratualizado. Depois, que se faça uma gestão da maneira que for mais eficiente.

O problema da saúde é um problema de má gestão de recursos. Não é um problema de mais dinheiro. Muito dinheiro tem o Serviço Nacional de Saúde. Agora, temos que olhar para o Serviço Nacional de Saúde completo, com público, com privado, com social, com todas as entidades envolvidas e este é o nosso sistema.

Os seguros privados de saúde estão a crescer significativamente, mas nada vale os privados estarem a construir novos hospitais e a desenvolverem-se se não tivermos uma visão absolutamente integrada entre todas as entidades. Tem de haver uma visão completamente integrada do que é que a oferta e essa oferta tem que ser compatível. É muito preocupante um hospital distrital, um hospital central fechar as urgências, como aconteceu com Santa Maria. Significa que não há retaguarda. É um problema muito grave, mas não estou a ver este problema a ser discutido como algo de fundo. Estou a ver outra vez aqui mais uns remédios: paga-se um pouco melhor as horas extraordinárias, mas de facto os médicos não se sentem suficientemente compensados.

Se estivesse nas suas mãos fazer o Orçamento do Estado, que medidas aplicaria?

Primeiro que tudo, tinha de ter mais coragem do que os atuais políticos, que têm uma falta de coragem impressionante e uma falta de ambição. É um jogo que sabemos como é que vai terminar: maior empobrecimento no final e dependência do Estado.

Aquilo que iria promover era, precisamente, que as famílias e as empresas dependessem menos do Estado. Ia promover um maior desenvolvimento económico e social, um país economicamente mais competitivo, socialmente mais justo, iria combater a pobreza. Na ACEGE, estamos a promover programas de combate à pobreza a partir das empresas. O tema da pobreza não é um tema exclusivo do Governo. É um tema também dos empresários e dos gestores.

Nota: Entrevista originalmente publicada na RR. Republicada com permissão.

Foto: © RR

ANA CATARINA ANDRÉ

Jornalista na Renascença