É o órgão mais incompreendido e simultaneamente o mais fascinante do corpo humano e dele depende tudo o que pensamos e fazemos. Com os avanços sem precedentes na área das neurociências, os quais se tornaram indissociáveis de muitos aspectos da vida, o conhecimento do nosso cérebro passou a ser imprescindível em muitos contextos, desde o educacional ao de negócios, entre vários outros. Na área da gestão, há vários anos que o conhecimento do cérebro e das suas funções é estudado para uma melhor auto-compreensão dos líderes e da forma como lideram os seus trabalhadores. Com a evolução da tecnologia, várias novas experiências estão a ser feitas em tempo real – enquanto se trabalha – e os resultados são curiosos (v.Caixa). Muito há ainda que se caminhar, mas o interesse na área está em profundo crescimento
POR HELENA OLIVEIRA

Imagine que é um gestor a discutir os resultados trimestrais numa reunião. “Fora da sua consciência”, o tronco cerebral assegura que o seu coração bate e que consegue respirar. O seu sistema límbico recebe toda a informação exterior sobre calor, luz, pessoas, sons, e canaliza-a através de uma rede complexa para o ajudar a interpretá-la e a reagir emocionalmente. O seu córtex permite-lhe falar de forma fluente e coerente, planear o que vai dizer a seguir, concentrar-se nos seus pensamentos, acalmar os seus nervos e responder a perguntas. E a maior parte de todas estas coisas está a acontecer sem que tenha consciência delas.

De repente, se ouvir um estrondo alto, o seu cérebro processa automaticamente o som, de onde veio e se é uma ameaça. O ritmo cardíaco pode aumentar. A respiração pode parar por um segundo. Olha para a fonte do som e uma fracção de segundo de medo ou choque pode ser a única coisa em que consegue pensar. Nos momentos seguintes, o seu córtex pode começar a assumir o controlo e pode perceber que se tratava de um empregado a bater com o punho na mesa. Terá então de processar a forma de reagir (nas emoções, no tom, na postura, nas palavras).

Tudo isto acontece em paralelo e não mais do que em dois ou três segundos. Se, dizem os especialistas na área, formos capazes de compreender o processo do nosso próprio cérebro e a forma como a informação sensorial, as emoções e os pensamentos nos afectam a nós e aos nossos comportamentos, podemos começar igualmente a perceber como isso poderá afectar os cérebros dos outros. Esta maior consciência do cérebro e do seu funcionamento pode transformar-se numa vantagem para se ser um melhor líder e criar um melhor local de trabalho. Ou, nomeadamente, pode ajudar sobremaneira no envolvimento positivo dos trabalhadores, o qual pode ser uma luta constante para muitos líderes. Pensar quase continuamente em novas formas de manter os empregados empenhados, de modo a aumentar a satisfação no trabalho, a produtividade e a retenção não é tarefa fácil. Mas o que tem o conhecimento do cérebro a ver com tudo isto?

Em primeiro lugar e como o cérebro é plástico, está sempre a ajustar-se e a adaptar-se com base no ambiente. Quando se criam ambientes de apoio e colaboração, o cérebro dos empregados pode processar a informação mais facilmente, conduzindo a uma mudança mais eficaz. No entanto, se os cérebros dos funcionários entenderem os locais onde trabalham como ameaças, o conforto, a motivação e a satisfação diminuem.

Entre vários modelos desenvolvidos para limitar as ameaças e aumentar as recompensas, existe o SCARF (cujas siglas em inglês significam Estatuto, Certeza, Autonomia Relacionamento e Justiça) criado pelo neurocientista David Rock que, há mais de 20 anos, cunhou o termo “neuroliderança” e começou a construir o NeuroLeadership Institute, uma consultora de ciências cognitivas que já aconselhou mais de 60% das empresas pertencentes ao ranking da Fortune 100. Para David Rock, as experiencias sociais seguem, tal como outras necessidades primárias, as mesmas vias de recompensa e ameaça do cérebro. Como exemplo, convida o leitor a imaginar um dos nossos antepassados a deparar-se com uma nova criatura, planta ou fonte de água. O seu cérebro interpretaria a coisa desconhecida como ameaçadora ou segura e reagiria em conformidade. O modelo SCARF utiliza um aspecto muito básico da existência humana, a ameaça e a segurança, na medida em que os nossos cérebros reagem mediante formas que se relacionam com os caminhos que foram criados no nosso passado ancestral. E David Rock utiliza o acrónimo SCARF para explicar estas forças sociais, tendo em conta a forma como o cérebro reage em ambientes laborais.

Estatuto

Quando as pessoas se sentem inseguras quanto à sua posição social ou sentem que estão a ser avaliadas, o cérebro interpreta esse ambiente como uma ameaça. Esta ameaça é tratada da mesma forma que uma ameaça física. Para estarmos seguros, o cérebro tem mecanismos que nos ajudam a lutar ou a fugir da ameaça. No caso das ameaças sociais, tal pode por vezes não ser uma opção, mas o nosso cérebro fica em alerta máximo, dificultando a concentração noutras coisas até que a ameaça desapareça. Assim e enquanto líder, é possível trabalhar no sentido de se criar um ambiente em que não seja visto como uma ameaça. Comece por permitir que os funcionários se avaliem a si próprios e obtenham informações sobre os seus comportamentos. Incentive a mudança a partir do empregado e não do líder. Desta forma, pode diminuir o nível de ameaça, mas também melhorar o empenho do empregado na empresa e o seu crescimento pessoal.

Certeza

O cérebro desenvolveu-se para estar atento às ameaças. Algumas pessoas são mais sensíveis às ameaças do que outras, mas toda a gente é capaz de as reconhecer até certo ponto. Não saber o que vai acontecer a seguir aumenta a consciência das ameaças e coloca o cérebro em alerta máximo, fazendo com que a pessoa se sinta menos segura e menos concentrada nas tarefas. Assim, ofereça mais certezas, trabalhando para aumentar a comunicação com as suas pessoas. Seja claro na sua comunicação e exponha expectativas, objectivos e outras informações que tornem evidente que está confiante e descontraído. Quando os funcionários se sentem seguros nas suas funções e acreditam na organização, estarão mais empenhados no seu trabalho.

Autonomia

Normalmente, com qualquer tipo de mudança vem uma escolha, a qual nos obriga a pensar quando e como reagir. Sem essa escolha, a mudança (ou ameaça) torna-se ainda mais poderosa e avassaladora. Pode impedir-nos de avançar e deixar-nos desmotivados e sem esperança. Assim, faça saber aos seus empregados que têm escolhas e que têm algum controlo sobre o seu trabalho. Enquanto gestor directo, tente limitar a sua interferência nas tarefas diárias de um trabalhador. Os membros da sua equipa devem ter confiança para fazer o seu trabalho sem que ninguém esteja constantemente a controlá-los. Este é um exemplo perfeito de como se pode melhorar o envolvimento dos empregados utilizando a neurociência.

Relacionamentos

As pessoas relacionam-se umas com as outras de formas diferentes, mas muitas vezes consideram os outros dignos de confiança e simpáticos se sentirem que a outra pessoa tem algumas semelhanças consigo próprias. Muitas vezes, as pessoas têm formas de se protegerem da ameaça de alguém novo ou diferente. Estas defesas podem bloquear as coisas que os outros dizem ou fazem quando não são vistos como um membro do grupo. A construção de relações é uma parte vital de uma equipa produtiva. Procure formas de se relacionar com os funcionários e de os funcionários se relacionarem uns com os outros. Quando todos num ambiente de trabalho são vistos como companheiros, o sistema de alerta de ameaças do cérebro fica mais silencioso, permitindo que as pessoas se sintam mais em sintonia com a equipa e com o seu trabalho.

Justiça

O nosso cérebro pode ser muito sensível à justiça e, normalmente, estamos conscientes e reagimos fortemente a situações que consideramos injustas. Estas ameaças e as reacções às mesmas podem muitas vezes ser emocionalmente fortes, podendo levar à raiva e ao ressentimento. Para melhorar o sentido de justiça, tente estar consciente da forma como interage com todos os empregados. Não mostre qualquer sinal de favoritismo ou tratamento especial. Seja transparente em todos os processos de tomada de decisão.


Medir as ondas cerebrais enquanto se trabalha

Como sabemos, não existe falta, antes pelo contrário, de material em vários formatos sobre como melhorar a cultura organizacional, tornar a gestão de equipas mais funcional, aumentar a concentração e a produtividade, entre vários outros temas conexos. Por outro lado, as organizações consultam os seus trabalhadores através de auto-avaliações ou entre pares para compreenderem melhor qual a sua motivação e nível de empenho e desempenho.

No entanto, e em muitos casos, este tipo de abordagens não devolve os resultados esperados e há sempre uma insatisfação seja por parte dos líderes como dos liderados. Para a Wharton Neuroscience Initiative (WNI), o problema reside no facto de as organizações não levarem em linha de conta a importância da neurociência, a qual deve ser “retirada do laboratório e medir a actividade neural em contextos reais”.

E foi exactamente isso que a WNI em conjunto com a Slalom, uma empresa de consultoria global, se propuseram fazer em 2022-2023, sendo pioneiros nesta abordagem. Com orientação e supervisão de especialistas em neurociência, os funcionários voluntários da Slalom concordaram em medir sua própria actividade cerebral enquanto realizavam o seu trabalho real. Os dados foram seguidamente analisados conjuntamente pela WiN e pela Slalom, tendo em linha de conta que esta colaboração única para levar a neurociência para fora do laboratório e “para a natureza” tem algumas implicações que ajudam a impulsionar o pensamento criativo, aumentar o envolvimento dos funcionários e promover uma melhor química de equipa.

Assim, e ao longo de 2022, um grupo de funcionários voluntários chamado “The Slalom 300” participou numa série de experiências, que incluíam um vídeo tutorial de uma hora e um auricular de detecção de ondas cerebrais produzido pela Emotiv para estudar a actividade cerebral durante o trabalho.

Seguem-se alguns resultados relacionados com a cultura organizacional e o trabalho de equipa.

Como se pode ler no artigo escrito por especialistas tanto da WNI como da Slalom, com as reuniões virtuais a tornarem-se o novo normal após a pandemia, tornou-se rotina as pessoas agendarem reuniões consecutivas, uma vez que já ninguém precisa de se deslocar fisicamente para que estas aconteçam. Como resultado, a Microsoft relata que “o utilizador médio do Microsoft Teams passa 252% mais tempo em reuniões semanais comparativamente a Fevereiro de 2020”. Mas será esta a melhor forma de reunir e trabalhar, questionam os especialistas?

Uma das experiências realizadas no âmbito desta parceria foi a de estudar os empregados enquanto estes tinham reuniões online com enfoque para os sinais cerebrais relacionados com o pensamento profundo e criativo. Num dia, um grupo de 30 voluntários assistiu com os auscultadores Emotiv a três reuniões consecutivas de pelo menos 30 minutos cada e, no dia seguinte, esteve presente também em três outras reuniões mas com pausas de 10 minutos entre elas. E uma das conclusões da experiência foi a de que as pausas tiveram um impacto significativo na actividade cerebral. Um intervalo de 10 minutos entre as reuniões levou a um aumento dos sinais cerebrais associados a um menor stress, a menos distracções, a um pensamento mais profundo e criativo, bem como a uma melhor performance, algo de que todas as empresas podem beneficiar.

Uma segunda parte da experiência exigia que os funcionários voluntários assistissem a vários vídeos enquanto usavam os auscultadores EEG, numa altura em que não estavam envolvidos noutras tarefas. Os vídeos consistiam numa palestra do director executivo da Slalom em conjunto com alguns clips da missão, valores e cultura da empresa, mas também de outros vídeos com conteúdos e estilos variados, desde documentários científicos a animais engraçados e comédia. Como explicam os neurocientistas envolvidos, esta é uma modificação de um estudo originalmente concebido e conduzido pelos neurocientistas Carolyn Parkinson, Adam Kleinbaum e Thalia Wheatley em Dartmouth, que exploraram a forma como a actividade cerebral associada pode prever amizades. Padrões de actividade cerebral semelhantes ou diferentes – a chamada “sincronia cerebral” – podem explicar porque é que, por vezes, parece que nos “encaixamos” facilmente com uma pessoa e não com outra.

Assim, as duas entidades parceiras quiseram explorar se as relações de trabalho são como as amizades e, em caso afirmativo, se seria possível prever a química da equipa com base na actividade cerebral. Especificamente, foi levantada a hipótese de que os funcionários que relatassem sentir-se mais próximos uns dos outros no trabalho mostrariam padrões mais semelhantes de actividade cerebral enquanto viam determinados vídeos. E descobriram que as relações de trabalho são como as amizades, na medida em que a qualidade da relação está correlacionada com os padrões de actividade cerebral.

Esta descoberta sugere que os funcionários que trabalham juntos pensam e sentem de forma semelhante em relação ao seu local de trabalho. O que ainda não se sabe é a causa e o efeito. Ou seja, se os empregados da Slalom desenvolvem relações de trabalho mais estreitas devido ao facto de pensarem e sentirem de forma mais semelhante desde o início, ou se o facto de trabalharem juntos na Slalom os leva a desenvolverem pensamentos e sentimentos mais semelhantes sobre o local de trabalho. Ambos os factores moldam a “sincronia cerebral” nas interacções no mundo real. Talvez o mais importante seja o facto de os resultados indicarem que os mesmos mecanismos cerebrais que apoiam as amizades no mundo real também parecem apoiar a química nas equipas virtuais.

Veja ainda de que forma a Slalom está a incorporar activamente os resultados das experiências no seu local de trabalho: What our brain activity revelas about improving workplace

Imagem: © Lisa Yount/Unsplash.com


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