O mais recente estudo sobre o contributo das organizações da sociedade civil para a qualidade da Cooperação e do Desenvolvimento revela, num inquérito realizado a mais de 40 entidades que integram a Plataforma Portuguesa das ONGD, que temas como equidade, avaliação de resultados e impactos, responsabilidade mútua, parcerias eficazes ou códigos de conduta “devem merecer maior atenção no futuro”. Para a directora da ACEP, autora do Estudo “As ONGD e a qualidade, em todos os campos e latitudes”, a década de 2000 trouxe o reconhecimento pleno do debate da sociedade sobre a agenda da Eficácia do Desenvolvimento, que alarga o circuito fechado (entre instituições e países financiadores) da APD
Recentemente lançado, o Estudo “As ONGD e a qualidade, em todos os campos e latitudes” percorre uma década de debate ao nível da sociedade civil, a respeito da qualidade da Cooperação, tendo por base o conceito de eficácia da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Da autoria de Fátima Proença, directora da ACEP – Associação para a Cooperação Entre os Povos e membro do Grupo de Trabalho AidWatch Portugal, da Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento, este estudo dá conta do contributo das organizações do Terceiro Sector através de um processo organizado em redes e iniciativas internacionais que procuram encontrar padrões comuns de qualidade. Como sublinha no Sumário Executivo a autora, esta discussão, “entendida, num primeiro momento, como um exercício de advocacia e de monitoria de políticas públicas, tem evoluído para uma reflexão sobre os processos internos das Organizações da Sociedade Civil (OSC), as suas relações e as suas intervenções de desenvolvimento”. O relatório integra ainda uma análise aos resultados a um inquérito exaustivo, dedicado à eficácia do desenvolvimento das OSC portuguesas, realizado às ONGD membros da Plataforma Portuguesa das ONGD, responsável pela iniciativa que conta ainda com o apoio do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. O inquérito, que decorreu ao longo de 2011, estrutura-se em 33 perguntas, às quais deram resposta 44 organizações, dos então 69 membros desta Plataforma. Como se lê no relatório, os resultados apurados “espelham uma realidade muito diversificada, em termos de referentes, de conhecimento e de práticas, tornando evidente que as mudanças pretendidas terão obrigatoriamente um horizonte de longo prazo, sem que isso sirva de pretexto para a ausência de passos imediatos”. Impõem-se, assim, que se encontrem caminhos para inúmeras questões, para as quais este trabalho aponta já algumas “pistas de análise” (Ver caixa). Situado neste contexto de procura de caminhos, metodologias e ferramentas de trabalho, o documento inclui, metodologicamente, três componentes principais: uma apresentação em tópicos do processo internacional de debate, a divulgação de um conjunto de boas práticas “em diversos temas e latitudes” e uma apresentação dos resultados do inquérito nacional, bem como o conjunto de questões que o mesmo suscita. A Plataforma Portuguesa das ONGD faz também uma declaração de interesses, e deixa uma nota final: “como declaração de interesses importa clarificar que este não é um trabalho realizado externamente às organizações da sociedade civil, com o que tal tem de positivo, mas também de risco de “demasiada proximidade”. Fica assim a nota final “de expectativa de que este possa ser um trabalho útil, que suscite o interesse e contribua para o aprofundamento do debate futuro. Reconhecendo a importância de promover um maior debate sobre as questões da Eficácia da Ajuda e do Desenvolvimento, “envolvendo as ONGD portuguesas, que, enquanto organizações da sociedade civil, desempenham um importante papel no desenvolvimento e na vida democrática dos Estados”, a associação privada sem fins lucrativos que representa um grupo de setenta ONGD registadas no Ministério dos Negócios Estrangeiros, visa partir do Estudo “As ONGD e a qualidade, em todos os campos e latitudes”, para um debate alargado, “numa altura em que se questiona o impacto da Cooperação para o Desenvolvimento”.
Partilhar responsabilidades Por outro lado, as ONG realçam, como temas que devem merecer maior atenção no futuro, a questão da equidade, a avaliação de resultados e impactos, a responsabilidade mútua, as parcerias eficazes e justas, as competências profissionais e os códigos de conduta rigorosos. Também de acordo com a leitura de Fátima Proença às principais conclusões deste inquérito realizado pela Plataforma Portuguesa das ONGD, uma das áreas entendida como menos importantes para o futuro é a do apoio à criação de um ambiente favorável às OSC em Estados que se encontram em situação de fragilidade, em contradição com o facto de muitas ONGD portuguesas terem uma parte substancial do seu trabalho em países assim classificados. Quanto aos principais entraves no que toca à coordenação, evidenciam-se problemas internos às organizações, caso do tempo e recursos humanos necessários para a mesma, mas igualmente problemas nas relações inter-organizações (competição por fundos ou por protagonismo, falta de conhecimento mútuo, diferentes princípios de intervenção ou questões derivadas do contexto de intervenção). A directora da ACEP sublinha ainda, no documento, que se denota “um peso considerável de ONGD que assumem uma natureza de tipo humanitário ou agências executantes de projectos”. Isto, em detrimento de assumirem a sua natureza de organizações da sociedade civil, “com participação pró-activa na definição e monitoria das políticas, e assumindo-se como elementos chave da governação democrática”. Finalmente, do conjunto de orientações sobre esta matéria dirigidas aos governos que o estudo identifica, destaca-se a necessidade de promover um ambiente mais favorável às organizações, o que passa “pelo envolvimento das OSC no diálogo político e pelo apoio ao seu trabalho de monitoria”. Em suma, os resultados a esta avaliação da eficácia das ONGD portuguesas convergem com aquela que é uma das grandes constatações do Estudo “As ONGD e a qualidade, em todos os campos e latitudes”, no percurso que traça sobre a qualidade da Cooperação e do Desenvolvimento na primeira década do século XXI: é que se “a década de 2000 viu emergir o debate sobre a qualidade da Cooperação sustentado num conceito de Eficácia da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, realizado em circuito fechado, entre instituições e países financiadores da APD”, as OSC, “paralelamente à agenda ‘oficial’, contrapuseram um processo de debate centrado na agenda da Eficácia do Desenvolvimento”. Debate esse que alcançou o seu reconhecimento pleno nos últimos dois Fóruns de Alto Nível, em Acra (2008) e Busan (2011), e que encontra nos Princípios de Istambul, aprovados em 2010, “um marco a nível internacional neste processo das OSC olharem de forma coerente sobre si próprias”. Contudo, e se os Princípios de Istambul “espelham o ponto de chegada no processo de construção de referenciais comuns e o ponto de partida para processos de mudança interna às organizações, nas relações com os outros e nas práticas quotidianas”, a participação das OSC portuguesas nestes processos tem sido muito limitada a um conjunto pequeno de organizações – em particular àquelas já envolvidas em processos de monitoria da APD, conclui o estudo.
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Jornalista