POR HELENA OLIVEIRA
A febre dos artigos, estudos, análises e relatórios sobre a denominada, entre outro nomes, geração Y ou millennial, a qual e segundo as estimativas ocupará 75% da força laboral mundial em 2025, acabou por abafar completamente a geração que a precede e à qual muitos de nós, “mais crescidos”, pertencemos. Sim, a geração X – ou os Xers – parecem ter desaparecido do radar dos analistas, como se, ensanduichados, entre os Boomers e os famosos nativos digitais, tivessem sido remetidos para um canto e completamente ignorados.
Apesar de representarem um quarto da população mundial, aqueles que têm agora – e dependendo dos autores – entre 30 e 49 anos, parecem não ser suficientemente “interessantes” para que sociólogos, empresas, consultoras e afins despendam o seu tempo a estudá-los e a interpretá-los. E foi para preencher esta lacuna que a Viacom International Media Networks (VIMN), uma divisão da Viacom Inc entrevistou 12 mil pessoas pertencentes a esta faixa etária, em 21 países, e organizou uma ampla série de debates e entrevistas etnográficas para tentar perceber “como vai” a geração X e como tem vindo a crescer, mesmo que remetida ao silêncio, nestes últimos anos em que a sua importância foi destronada pelos tão intensamente escrutinados Millennials.
Em termos muito gerais, uma das principais conclusões a que este estudo, parte integrante de um projecto mais vasto intitulado “Gen X Today” chegou – e para a surpresa de muitos – aponta para o facto de os Xers terem estado absolutamente ocupados – e mesmo que “pela calada” – a provocarem disrupções inéditas em muitas das normas que considerávamos “seguras” e “bem estabelecidas”. E, mesmo longe das luzes da ribalta, este segmento demográfico apresenta-se confortavelmente feliz, estabelecendo padrões de vida “à sua maneira”, sentindo-se confiante e confortável com o que é, sendo que nove em cada 10 dos entrevistados admite identificar-se desta forma.
Actualmente, e de acordo com o estudo, os tradicionais marcos do casamento, da vontade de serem proprietários de uma casa e de terem filhos deixaram de constar no topo das suas prioridades, com apenas 39% dos respondentes a afirmarem terem “alcançado” os três itens referidos. Ou e como escrevem os autores, apesar de estarem fora do radar global, os Xers “pegaram” nas expectativas que outrora definiam a idade adulta, dissolveram-nas e criaram outras para figurarem no seu lugar.
Os cerca de dois mil milhões de pessoas que integram esta geração e que nas décadas de 80 e 90 foram considerados como jovens rebeldes, cínicos e até preguiçosos, tendo entrado depois na força laboral e na constituição da família, são agora considerados como uma espécie de reinventores da idade adulta, destruindo estereótipos e redefinindo os tradicionais papéis de separação entre géneros, ao mesmo tempo que lideram muitos dos movimentos, a vários níveis, de inovação global.
[quote_center]Nove em cada 10 dos Xers inquiridos sentem-se confortavelmente felizes com a sua vida[/quote_center]
Na verdade, eles constituem a força principal por detrás de muitas transformações socioculturais, as quais são – erradamente – atribuídas aos Millennials, desde a participação nas redes sociais à luta pela flexibilização das normas laborais, passando pela aceitação e normalização de uma rede mais ampla de relacionamentos. Ou, e ao contrário do que é aceite pelo senso comum, a verdade é que foram os Xers que “o fizeram primeiro”.
Apesar de discretos – consequência do seu “desaparecimento” do debate público -, nunca deixaram de exercer a sua influência e, ao contrário dos representantes da geração Y, por muitos considerados como a geração narcisista, sem chamar a atenção para si mesmos, não podem, de todo, ser ignorados. Pioneiros em vários domínios da “modernidade”, lideram movimentos que buscam a igualdade entre raças, géneros e orientações sexuais, estão a alterar a composição dos governos e das empresas, a transformar os locais de trabalho e são consumidores com um interessante poder de compra. Ou, de forma “recatada” e sem espalhafato, estão silenciosamente a mudar o mundo.
Extenso e dividido por várias temáticas, o estudo realizado pela Viacom é bastante abrangente no retrato que faz desta geração. O VER seleccionou algumas das áreas que mais importantes considerou – em particular a forma como alteraram significativamente o local de trabalho exigindo maior flexibilidade e um equilíbrio saudável entre a vida pessoal e profissional – e tenta reproduzir de seguida os principais traços deste quadro, até agora abstracto, daqueles que, para os investigadores do estudo, são os responsáveis pela redefinição da idade adulta.
The Big Picture
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Uma das grandes pinceladas que marca esta geração é liderada pelas mulheres, em particular no que diz respeito ao mundo do trabalho, mas também à economia no geral. A “she-economy” é uma realidade e mesmo que subsistam ainda as inegáveis diferenças no que à igualdade de salários diz respeito – tal como o VER noticiou recentemente, a paridade na esfera económica só será atingida, e se não existirem retrocessos, daqui a 170 anos – a verdade é que 60% das mulheres entrevistadas para este projecto da Viacom são “cabeça de casal” no rendimento familiar (ou ganham o mesmo que os parceiros), sendo que uma em cada quatro é dona do seu próprio negócio.
A família, ou o seu “peso” na vida dos Xers, também sofreu alterações. Tal como as mulheres desta geração estão a ocupar um espaço mais abrangente no mundo do trabalho, o mesmo está a acontecer com os homens, mas no que respeita ao “lar”. Mais de 80% dos respondentes concordam que um homem pode criar uma criança tão bem quanto uma mãe e uma percentagem similar sente que os filhos são tão importantes quanto as suas aspirações pessoais. Uma percentagem ainda maior dos respondentes masculinos – superior a 90% – afirma que ter os filhos por perto melhora o seu humor, fazendo-os rir mais, sendo que e também cerca de metade dos entrevistados afirmou desejar ser possível passar mais tempo com os seus rebentos.
[quote_center]Os Xers “pegaram” nas expectativas que outrora definiam a idade adulta, dissolveram-nas e criaram outras para figurarem no seu lugar[/quote_center]
No que respeita às amizades, e ao contrário dos Millennials (uma parte do inquérito realizado para aferir estes dados foi igualmente feita com a participação de membros da geração Y, para melhor se aferir o que mais os une ou divide), os Xers têm um ciclo de amigos mais restrito, mas mais intimo. Em média, a geração mais velha tem cerca de 36 amigos, menos 10 do que a geração que a sucede. Também e comparativamente aos Millennials, a geração X sente-se menos sozinha em 20% face aos nativos digitais, apesar das hordas de amigos destes últimos – muitos deles virtuais. E a rebeldia de que gozavam na adolescência transformou-se, na idade adulta, numa confiança e independência dignas de nota. Globalmente, 85% dos respondentes sentem-se confortáveis com o que são e com o que “atingiram”.
Uma outra conclusão, a qual será explorada mais em pormenor de seguida, prende-se com o facto de os Xers prezarem mais o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho comparativamente a “carreiras de sucesso”. E a (melhor) boa nova é que, e dado que muitos deles estão prestes a atingir a outrora temida “meia-idade” (um marco tradicional que, face às alterações demográficas e a uma maior esperança de vida não tardará, decerto, a ser desconstruído), a habitual “crise” que a costumava caracterizar não entra nas suas vidas. Pelo contrário, aqueles que se estão a aproximar dos 50 anos afirmam manterem-se “jovens no coração e na mente”, dando preferência a vários tipos de hobbies e a interesses variados não relacionados com o trabalho e, por isso mesmo, “passando ao lado” da sombra que tradicionalmente caracterizava a meia-idade.
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Sucesso? Equilibrar flexibilidade laboral com gratificação pessoal
Nos inúmeros estudos e análises dedicados à geração Y, a conciliação entre vida pessoal e trabalho surge, geralmente, como um dos seus grandes desejos e conquistas. Mas e na verdade, os pioneiros desta “alteração comportamental” ou mudança de perspectiva são os Xers. A flexibilidade e a redução do stress surgem neste estudo como valores chave para esta geração, na qual oito em cada 10 entrevistados (82%) afirmam valorizar mais este equilíbrio entre vida profissional e pessoal do que o tradicional sucesso.
E, à medida que os Boomers começam a retirar-se do mercado de trabalho, ao mesmo tempo que os Xers ocupam um espaço mais alargado na economia global, o denominado “sucesso na carreira” veste-se também com roupagens diferentes. Para os nascidos nas décadas de 70 e meados da de 80, galgar os degraus da escada empresarial tem agora uma importância relativa, sendo que a ambição desmesurada por poder ou bons salários não entra nas suas equações preferenciais. O que prezam, sim, é atingir o tão falado equilíbrio ou conciliação entre o tempo e esforço que despendem a trabalhar com tempo de qualidade para a família e para os seus interesses pessoais.
[quote_center]Mais de 80% dos respondentes concordam que um pai pode criar uma criança tão bem quanto uma mãe[/quote_center]
O estudo em causa demonstra que os Xers não definem o seu sucesso a partir de objectivos externos, com 81% dos respondentes a concordar que o grau de importância que conferem à satisfação no trabalho é muito superior ao que caracterizava a geração que os precedeu. O que procuram é, sem dúvida e independentemente do que tal signifique, um “preenchimento” ou uma realização pessoal.
Absolutamente “conscientes” da realidade empresarial da actualidade e do que a mesma significa para as suas carreiras, os membros desta geração não esperam, tal como acontecia com os Boomers, ter “um trabalho para a vida”. Pelo contrário, 62% concordam que “para andarem para a frente” nos dias que correm, é necessário mudarem de emprego mais vezes.
E, acompanhando a flexibilidade que se vai instalando nos locais de trabalho, em conjunto com a evolução nos “papéis” de género, os pais e mães Xers aprenderam, e bem, a definir os seus próprios métodos de “malabarismo” que lhes permitem conciliar, de uma forma saudável, as suas responsabilidades laborais e ambições de carreira com o acompanhamento dos seus filhos e demais esferas da vida privada. Cerca de seis em cada 10 mulheres entrevistadas têm salários superiores ou iguais aos dos seus pares masculinos e entre os que consideram que um dos pais deverá ter o direito de ficar em casa a cuidar de um filho, 53% afirmam que esse “cuidador” poderá ser, sem qualquer problema, o pai.
Uma outra tendência revelada neste projecto alargado da Viacom está relacionada com o facto de existirem cada vez mais mulheres a trilharem o caminho do empreendedorismo, criando o seu próprio negócio, apesar de as diferenças percentuais não serem muito significativas (25% das mulheres versus 29% dos homens).
Em suma, na vida profissional, tal como em todos os restantes domínios da sua existência, os Xers não e preocupam minimamente com as normas estabelecidas no passado, optando por alinhar os seus objectivos de carreira com as suas metas pessoais. E, ao fazerem-no, foram transformando, sem grande alarido, o mundo do trabalho.
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A geração sem problemas “existenciais”
Sem se preocuparem com o que “supostamente” lhes deveria ser exigido, mas apenas e somente com o que funciona e faz sentido para si mesmos, os Xers não sofrem da tão temida crise de meia-idade que caracterizou a geração que os precedeu. Ao contrário dos Boomers que, frequentemente, se sentiam esmagados pelo peso da responsabilidade, lamentavam o que não tinham feito ou alcançado e sofriam, muitas vezes, de crises de identidade à medida que se aproximavam da “segunda metade” das suas vidas, os Xers estão a ser capazes de lidar, e muito bem, com o remédio que encontraram para evitar estados depressivos, outrora comuns, na entrada dos 40 ou 50 anos.
Para os autores do estudo, a rebeldia que definiu a sua juventude acabou por se transformar numa aceitação radical, e saudável, daquilo que “são hoje”. Ou, por outras palavras, não se sentem obrigados a seguir nenhum guião predefinido, não querem parecer algo que não são e limitam-se a viver a vida à sua maneira. E, longe da importância conferida tradicionalmente às aparências, não se sentem preocupados com o que os outros possam pensar deles.
[quote_center]Oito em cada 10 entrevistados afirmam valorizar mais o equilíbrio entre vida profissional e pessoal do que o tradicional conceito de “sucesso”[/quote_center]
E é por isso que 81% dos inquiridos se descrevem a si mesmos como “felizes” com as vidas que têm, sendo que a principal razão para este contentamento reside na sua busca activa pela já mencionada realização pessoal.
Ter “algo” – um ou mais interesses pelos quais se sentem realmente apaixonados – funciona como uma espécie de fita isoladora para a crise da meia-idade. E este “algo” não tem de ser forçosamente uma actividade fantástica, mas somente algo que os faz felizes. Seja a participação em mini-maratonas, numa escola de artes circenses ou em programas culturais, mais de metade dos Xers entrevistados afirma, de forma convicta, que a arte, a música ou o desporto fazem parte integrante da sua identidade.
De acordo com os autores do estudo, uma das grandes vitórias desta geração reside no facto de serem capazes de dominar a arte das prioridades, colocando no topo o que é mais importante para si mesmos. E, ao atingirem este feito, “ganham espaço” para as suas diferentes necessidades, concentrando os seus esforços no que mais importa para o seu equilíbrio e realização, e “afinando-os” continuamente até atingirem um elevado nível de satisfação.
Esta “vitória” é comum aos que têm de lidar com as responsabilidades inerentes a serem pais ou mães, não se afastando deste objectivo de realização interior, com 83% dos inquiridos a concordarem que as suas aspirações pessoais e os seus filhos são igualmente importantes.
[quote_center]Para os que estão já a experienciar a inevitabilidade do “envelhecimento”, este estádio da vida não os assusta, com 70% a afirmar que se sentem muito mais jovens do que a idade que consta nos seus bilhetes de identidade[/quote_center]
Para os que estão já a experienciar a inevitabilidade do “envelhecimento”, este estádio da vida não os assusta, nem os preocupa sobremaneira, com 70% a afirmar que se sentem muito mais jovens do que a idade que consta nos seus bilhetes de identidade (e ao contrário dos Millennials que, e por exemplo, são muito mais propensos a pensar em cirurgias plásticas e em outras formas de “rejuvenescimento”).
Em suma, e se para as gerações mais velhas, a meia-idade era tempo para um questionamento abrupto do que eram, do que desejavam realmente e de uma inevitável comparação entre os sonhos da juventude e a realidade da vida adulta, os Xers aprenderam a procurar, e a encontrar, o equilíbrio adequado entre o que têm de fazer e o que querem alcançar.
E porque aprenderam a gerir as suas responsabilidades e os seus objectivos pessoais, o optimismo desta geração face ao futuro apresenta-se como inabalável à medida que dão as boas-vindas à sua segunda metade da vida.
E, na verdade, três em cada quatro inquiridos acreditam que o melhor ainda está para vir.
Veja o documentário produzido pela Viacom sobre a geração X na actualidade
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