A Cáritas Europa apresentou recentemente o seu segundo relatório de acompanhamento da crise na Europa. Com a tónica no fracasso da austeridade, o documento alerta para a urgência de se encontrarem estratégias alternativas de combate à adversidade que continua a grassar no Velho Continente. Portugal foi um dos países periféricos em destaque, e as conclusões não deixam dúvidas: somos uma nação cada vez mais pobre e desigual e cada vez menos optimista Intitulado “A crise europeia e o seu custo humano”, o relatório apresentado pela Cáritas Europa, no final de Março, em Atenas, pretende identificar as causas da crise, conferindo especial destaque aos países periféricos, nomeadamente a Espanha, Grécia, Itália e Portugal, mas também ao Chipre e à Roménia. É claro, no documento, que a austeridade não deve ser a única solução para a crise. Conferindo um contributo para uma reflexão económica, financeira e política, o relatório faz igualmente um apelo para que se revejam as medidas para a chamada Estratégia 2020 para a Europa.
Tal como no primeiro relatório apresentado, conclui-se que são, injustamente, os contribuintes (muitas vezes em situação de fragilidade económica) que pagam a crise do sector financeiro: e estes – os que pagam o preço mais elevado – são precisamente aqueles que não tomaram as decisões que levaram à hecatombe que assolou a Europa. Desde o início da crise, em 2008, o crescimento (económico e não só) foi nulo ou muito reduzido, havendo um constante e assustador aumento do desemprego e do número de pessoas a viver na pobreza. Ao mesmo tempo, os sistemas de protecção social estão sob grande tensão, o que deixa as populações desfavorecidas numa situação ainda mais delicada, enquanto os cortes nos serviços públicos afectam fortemente os grupos com rendimentos mais baixos, e os problemas de acesso aos serviços de saúde têm um impacto cada vez mais negativo na vida das pessoas. Na base da elaboração deste relatório estiveram documentos oficiais, estatísticas europeias, assim como o contributo dado pelas delegações da Cáritas dos diversos países. Os dados apresentados são referentes essencialmente a 2012 e 2013. No entanto, em alguns casos, os signatários do relatório recorreram a dados anteriores a este período, para estabelecerem uma relação entre a forma como as populações viviam antes e a forma como viviam em tempos de plena crise (2012 e 2013), fazendo também algumas previsões para 2014. A estratégia da austeridade está a falhar O documento alerta para a necessidade de uma alternativa a esta questão central. Manter a austeridade continua a ser uma prioridade dos líderes europeus, mesmo com o descrédito da economia e apesar dos problemas enormes causados pela era de adversidade em que continuamos a viver. O sector da saúde, por exemplo, apresenta problemas muito graves, posicionando-se como um dos sectores mais “martirizados” desde o início da crise, com uma quebra de confiança por parte dos cidadãos nas instituições nacionais e europeias. É importante que os líderes europeus reconheçam que esta estratégia está a falhar, quer em termos económicos, quer em termos sociais, e que é crucial encontrar um plano que seja adequado à realidade das populações e que coloque novamente a Europa no bom caminho, como sublinha a Cáritas. O relatório sugere ainda que se adapte o crédito de forma a ficar disponível aos pequenos empresários, para que estes não se vejam forçados a abandonar os seus negócios. Esta medida pode ser parte da solução para as agruras que caracterizam o mercado de trabalho, pois impede o aumento do número de desempregados, diminuindo igualmente o número de pessoas em fragilidade económica.
É insustentável, segundo este documento, que sejam os contribuintes os responsáveis por pagarem as dívidas dos bancos. O sistema financeiro não pode estar isolado de risco, com consequentes incentivos ao comportamento imprudente. Tem, por isso, que ser implementada uma nova estratégia que garanta que os detentores das obrigações serão responsáveis e responsabilizados pelos riscos. Se esta medida não for tomada, a Europa poderá repetir erros outrora cometidos, alerta o mesmo documento. Também nos sistemas de protecção social de muitos países europeus existem lacunas graves. Alguns grupos da sociedade, como os jovens, sentem-se duplamente desprotegidos: por um lado têm menos oportunidades de emprego e, por outro, têm menos apoios sociais. O relatório indica que é necessária uma liderança que se responsabilize pelo bem-estar dos seus cidadãos, principalmente dos mais pobres e vulneráveis: por esse motivo, é preciso trabalhar para adequar as necessidades das pessoas, com foco em questões sociais como a pobreza, na Estratégia 2020 para a Europa. As decisões políticas têm que ser tomadas com base em boa informação e com vista a soluções de longo prazo que olhem para os cidadãos e para as organizações. Este revela-se um exercício difícil, pois obriga os líderes europeus a aceitarem e reconhecerem o falhanço da integração das políticas sociais e económicas, quer ao nível europeu, quer aos diversos “níveis nacionais”, estabelecendo um compromisso de longo prazo com uma sociedade inclusiva, na qual é necessário construir uma economia verdadeiramente sustentável, dita ainda a análise feita às causas da crise nos países periféricos. Portugal virtuoso: onde andas tu? Em 2012, a actividade económica teve piores resultados relativamente ao que era esperado, com uma fraca procura de produtos portugueses por parte de outros países da zona Euro, levando a uma diminuição das exportações. Na educação, foram feitos cortes na ordem dos 20%, entre 2010 e 2012. Estas medidas são preocupantes, tendo em conta que Portugal foi um dos países do topo da tabela referente ao abandono escolar, em 2012, com 20% contra a média da Europa a 27, que foi de 12,7%. No primeiro trimestre de 2013, a queda de 4% do PIB foi uma das piores da Europa. O ano de 2013 foi o terceiro de recessão, e o FMI considerou “ilusória” a reconstrução da nossa economia. Em 2009, tinham sido introduzidas medidas com vista à melhoria da situação económica e financeira do País, tais como a redução da assistência ao desemprego, cortes no sector público, reduções no número de trabalhadores nos serviços públicos e aumento do IVA. Em 2012, estas medidas foram ainda mais drásticas: cortes nas despesas, nos diversos sectores, e aumentos dos impostos foram as principais. No entanto, e como sabemos, em Abril de 2013, algumas destas medidas foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, por violarem os princípios da equidade e da proporcionalidade, consagrados na Constituição. Em resposta, o Governo português tomou um conjunto de decisões com vista à diminuição das despesas e ao aumento de receita até 2,8% do PIB, como por exemplo a redução da massa salarial no sector público, “apertando” os pagamentos das horas extraordinárias, aumentando os impostos indirectos, nomeadamente em produtos não essenciais como o tabaco ou o álcool, ou “obrigando” a poupanças no Serviço Nacional de Saúde. Portugal é um dos países, desde o início da crise, onde o número de desempregados registou aumentos mais significativos. Entre 2008 e 2013, a taxa de emprego, entre os 20 e os 64 anos, caiu quase 7%, passando dos 73% para os 66,5%; a queda mais acentuada registou-se entre 2011 e 1012. Em 2013, fomos um dos países da Europa a 27 onde o emprego caiu mais abruptamente.
Para 2014, prevê-se que o desemprego chegue aos 18,5%. O desemprego de longa duração representa a maior fatia, atingindo quase 50% do total, o que significa que metade dos desempregados se encontram nesta situação há, pelo menos, um ano. Portugal é um dos quatro países da OCDE nos quais o desemprego de longa duração registou aumentos mais significativos, entre 2008 e 2012, prevendo-se que sofra um agravamento ainda mais substancial em 2014. Preocupante, mas não nova, é a constatação de que somos um dos países onde o desemprego jovem regista aumentos mais significativos, de ano para ano, tendo chegado, em 2012, aos 37,7% (enquanto a média na Europa a 27 foi de 23%). Desigualdade e optimismo não podem andar de mãos dadas
A taxa de pobreza infantil regista percentagens semelhantes às da média europeia. Ainda assim, em 2012, estavam em risco de pobreza 21,7% de crianças com menos de 18 anos (a média europeia, nesse ano, foi de 21,4%), um valor superior ao que foi registado em 2007, antes do início da crise. Já a taxa de pobreza das pessoas com mais de 65 anos, embora fosse, em 2012, 3,1% superior à média europeia, registou apenas 17,4% do total, em resultado de alguns cuidados específicos que foram tidos nas últimas décadas. No entanto, Portugal continua a ser um país onde as desigualdades entre ricos e pobres são mais evidentes. Em 2011, os rendimentos dos 20% mais ricos eram 5,7 vezes superiores aos rendimentos dos 20% mais pobres, um valor que subiu ligeiramente desde o ano anterior. O relatório revela que esta desigualdade tem vindo a crescer e, para 2014, não se espera uma tendência inversa. Finalmente, em 2012, Portugal registou uma das mais baixas percentagens de população que se sente optimista: menos de 30% dos portugueses revelaram-se confiantes no futuro. Estes valores são assustadores, principalmente quando comparados com os de países como a Dinamarca ou a Suécia, que registam valores na ordem dos 85%. No relatório “A crise europeia e o seu custo humano”, o grau de optimismo está intimamente ligado à confiança que as populações depositam nos seus governantes e à situação económica em que se encontra o país em questão.
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Jornalista