Está a decorrer o GOS 2016, formação da AESE dedicada à gestão e capacidade de liderança das organizações sociais. Em entrevista, a directora do Programa em Lisboa defende que, face à actual mudança de paradigma na gestão, “a estratégia das organizações tem de estar alinhada” com uma visão “do que muda por se ter agido, por se ter investido”, e “centrada no impacto que realmente se quer gerar”
POR
GABRIELA COSTA

A AESE Business School está a realizar as edições de 2016 do GOS – Gestão das Organizações Sociais, programa de aperfeiçoamento da capacidade de gestão dos líderes de instituições da economia social e solidária.

“Participantes do 11.º Gos em Lisboa” - © AESE
“Participantes do 11.º Gos em Lisboa” – © AESE

Resultando de um protocolo com a ENTRAJUDA, o CNIS e a Fundação Millennium bcp, o programa, no âmbito do qual a AESE realiza anualmente duas edições (uma em Lisboa e outra no Porto), tem por objectivo dar resposta às necessidades de formação mais prementes em várias áreas, neste sector, com vista a melhorar a estratégia organizacional e potenciar a capacidade de liderança não só sobre os recursos, mas também face ao desempenho de colaboradores e voluntários das organizações sociais.

Já a cumprir as suas 11ª e 12ª edições, o GOS vem acompanhando as tendências da gestão e actualizou em 2016 os seus conteúdos programáticos, introduzindo no curriculum matérias como “avaliação de impacto social”, “planeamento estratégico em organizações de economia social” e “desafios da gestão de voluntários”, como explica, em entrevista, Cátia Sá Guerreiro.

Para a directora do GOS – Gestão das Organizações Sociais em Lisboa, a grande mais-valia deste programa, que recorre ao Método do Caso criado e utilizado na Harvard Business School – estratégia pedagógica que “permite a reflexão e a troca de experiências, em que a aplicação prática dos conceitos mobilizados se impõe naturalmente” – está “na contribuição para a mudança”, a qual “parte do carácter participativo” desta aprendizagem.

Na edição GOS 2016 o destaque vai para a avaliação de impacto social, temática que estará na base do debate que será dinamizado no seminário que a AESE promove em Lisboa, no próximo dia 16 de Maio.

Em matéria de gestão, quais são hoje as necessidades de formação mais prementes sentidas no sector da economia social, e que o Programa GOS procura colmatar?

Cátia Sá Guerreiro, Directora do Programa GOS – Gestão das Organizações Sociais em Lisboa - © AESE
Cátia Sá Guerreiro, Directora do Programa GOS – Gestão das Organizações Sociais em Lisboa – © AESE

Penso que as necessidades que sinto serem espelhadas por aqueles que actualmente frequentam o GOS, da AESE, ilustram a vivência do sector, uma vez que provêm de instituições muito diversas. Em primeira instância a matéria de contabilidade e finanças é vivida com grande expectativa. As organizações do sector de economia social debatem-se muitas vezes com desafios de gestão financeira que implicam a mobilização de conhecimentos que nem sempre são o forte daqueles que lideram estas instituições.

Por outro lado, a gestão de pessoas, com todos os desafios que daí advêm, é sem dúvida uma das áreas onde as necessidades são mais sentidas. Ao falar de gestão de pessoas refiro-me aos colaboradores das instituições, aos funcionários e também aos voluntários.

Finalmente, no que diz respeito a inovação, há a consciência de que é preciso inovar processos, estratégias de intervenção, de captação de financiamento, de aproximação ao público-alvo.

De que modo contribui este programa para que os dirigentes reajustem a estratégia organizacional e potenciem a sua capacidade de liderança de uma forma efectiva, através dos temas abordados?

Os temas são abordados com a actualidade que merecem, em constante adequação à realidade que vivemos no sector, e concretamente no nosso país. A grande contribuição vem do método pedagógico utilizado na AESE e integralmente vivido no GOS – o Método do Caso. Esta estratégia pedagógica permite a reflexão e a troca de experiências, fazendo da aprendizagem um processo participativo, em que a aplicação prática dos conceitos mobilizados se impõe naturalmente.

[pull_quote_left]Mais do que avaliar o resultado é importante avaliar o impacto desse resultado[/pull_quote_left]

Assim, os participantes não encontram no GOS “receitas” para reajustar a estratégia organizacional ou potenciar a sua capacidade de liderança – são confrontados com ferramentas e com experiências de outras organizações e pessoas, as quais podem ser indutores de mudança. Quer isto dizer que a contribuição para o reajuste ou para a mudança parte do carácter participativo que marca este programa, dependendo portanto do grau de envolvimento do próprio participante.

Por outro lado, há a salientar que na nossa óptica, há princípios base nas mais variadas áreas da gestão que são imutáveis e que geram as boas práticas. Os tempos mudam, e com eles a forma como os aplicamos, mas estes princípios são pilares conceptuais que permitem não perder o rumo. Esses pilares são trabalhados no GOS, indo ao âmago dos desafios da gestão, e incutindo depois a abordagem contextual adequada aos tempos que correm.

No final das edições do GOS 2015 defendeu que a oferta de serviços das organizações sociais “está condicionada pela actual contingência” e que “vive melhor quem gere melhor”. Neste contexto, que vantagens trazem as alterações implementadas no curriculum do GOS, com vista à adequação à realidade actual?

Actualmente, não basta dizer que se fez, é necessário esclarecer o que mudou por se ter feito. Se em tempos idos, bastava dizer que se assistiu um número X de beneficiários e se realizaram Y acções, hoje esses dados são insuficientes para demonstrar a eficácia e eficiência das organizações. Hoje é necessário deixar claro o que mudou na vida dos tais X beneficiários por terem sido alvo de Y acções – ou seja, mais do que avaliar o resultado é importante avaliar o impacto desse resultado, o que muda por se ter agido, por se ter investido. Esta necessidade é sentida não apenas para captar investimentos que garantam a sustentabilidade das organizações e seus projectos, mas sobretudo para que se faça cada vez melhor o que já se faz bem feito.

[pull_quote_left]Os desafios de gestão financeira implicam a mobilização de conhecimentos que nem sempre são o forte dos que lideram as organizações sociais[/pull_quote_left]

Esta visão demonstra que o paradigma está a mudar e temos de acompanhar a mudança, se queremos que as organizações não apenas prestem excelentes serviços como respondam de forma realmente eficaz às necessidades sentidas por aqueles que são alvo das nossas acções.

A estratégia das organizações tem de estar alinhada com esta visão da actualidade e centrada no impacto que realmente se quer gerar. O GOS procura, abordando as matérias que são clássicas em gestão e que por serem clássicas são pilares, dar-lhes a tónica da adequação aos tempos que correm e à geografia onde ocorrem. Por isto se introduziu no curriculum do Programa matérias como “avaliação de impacto social”, “planeamento estratégico em organizações de economia social” e “desafios da gestão de voluntários”, por exemplo.

Em 2014/2015 o GOS explorou em maior profundidade temas como a sustentabilidade financeira, a responsabilidade social das instituições e o papel da inovação na sua actividade. E nas edições de 2016, quais estão a ser as problemáticas e desafios mais debatidos?

A avaliação de impacto social tem na edição GOS 2016 um destaque maior do que em edições anteriores, salientando-se que será o tema base do seminário do próximo dia 16 de Maio em Lisboa.

[pull_quote_left]Há a consciência de que é preciso inovar processos, estratégias de intervenção e de captação de financiamento e de público-alvo[/pull_quote_left]

Por outro lado, este ano, ao procurar tratar a grande matéria da sustentabilidade financeira, não se optou por abordar directamente estratégias de angariação de fundos, uma vez que estas temáticas são apresentadas com qualidade em várias opções formativas já existentes no mercado. Optámos por centrar-nos na abordagem do investimento público e privado que é feito no sector e por aprofundar o acesso a esse investimento.

Paralelamente, investimos cada vez mais na relação entre as instituições presentes no programa, na firme convicção de que o trabalho em rede e em parceria gera opções de qualidade. Temos em sala cerca de 40 instituições com experiências diversas e com excelentes exemplos que podem ser úteis aos demais participantes. Há pontes que se podem estabelecer, recursos que se podem rentabilizar – digamos que em 2016 estamos a fazer uma forte aposta no networking e nas suas potencialidades.

Como caracteriza a dinâmica dos participantes nesta formação, cujo programa assenta no Método de Caso, o qual permite a reflexão e a troca de experiências através de um processo participativo, em que a aprendizagem interactiva e a aplicação prática dos conceitos analíticos se impõem?

Como referi, o sucesso da participação no Programa depende directamente do grau de envolvimento dos participantes. Cada GOS é único justamente por depender daqueles que o frequentam. Este ano temos cinco grupos de trabalho, estando representadas as diversas configurações jurídicas possíveis para o sector. Trata-se de um grupo grande, alegre, que se sente na escola, que trabalha, investe, questiona, exige de nós uma oferta formativa de qualidade. Caracterizo esta dinâmica como essencial ao sucesso da formação.

Para pessoas que ocupam cargos de direcção em organizações com mais ou menos história, que têm por lucro o bem daqueles para quem trabalham, é fundamental o carácter participativo da formação, em detrimento de uma abordagem expositiva. E porquê? Porque a riqueza da experiência que cada um traz consigo, associada a conceitos teóricos que são basais na concepção da gestão e que permitem que as boas práticas se enraízem, mesmo que os tempos mudem, pode ser realmente motor de mudança e inovação. Uma mudança que parte da reflexão, seguida de discussão, passando pela necessidade de abrir horizontes, de se questionar, de ouvir, de apreender ideias e conceitos.

Face à sua experiência no sector da Economia Social, na sua opinião quais são os grandes desafios que as organizações sociais enfrentam para encontrarem “a simbiose entre os princípios da gestão e as razões filantrópicas da origem do sector”, mantendo o objectivo que está na sua génese – “o lucro está no serviço prestado”?

Em primeira instância parece-me que o desafio inicial é justamente esta relação com o conceito de lucro. Estamos a falar de instituições que actuam sem fins lucrativos, o que não é sinónimo de não ter lucro. O lucro deverá existir para ser aplicado em prol daqueles que são a verdadeira razão de existir das organizações – os seus beneficiários. Esta visão, que para uns é uma evidência, para outros é ainda um caminho a percorrer.

[pull_quote_left]Porque não estreitar pontes, sem que percamos nunca a noção das verdadeiras razões de existência deste sector?[/pull_quote_left]

Trata-se de uma verdadeira alteração de paradigma que tem de ser feita e que é um desafio que não podemos deixar de enfrentar – as organizações precisam de gerar lucro para garantir a prestação dos serviços a que se propõem. Desta forma obterão o lucro por que verdadeiramente anseiam – um serviço prestado com qualidade, respondendo a necessidades concretas das populações a que servem.

Por outro lado, e em paralelo, urge gerir bem. Não basta querer fazer o bem, é preciso fazê-lo realmente bem. Se assim não for as organizações não conseguem subsistir e os beneficiários não são alvo de serviços de excelência. Aos princípios da gestão temos de ir buscar os conceitos e as boas práticas, mantendo sempre presente que a noção do lucro final se traduz em serviço prestado/a prestar, e não em rendimento para distribuir por accionistas ou colaboradores.

O carisma das organizações deve ser mantido e o desejo de bem fazer potenciado – as razões de existir não se podem desvanecer num desejo de gerir as instituições de economia social como se gerem empresas com fins lucrativos. Porém, destas temos muito a aprender! Se as empresas conseguem existir com sucesso no mercado em que se inserem, porque não havemos de aprender com a sua experiência e adaptar essa aprendizagem à especificidade deste sector? E já agora, porque não estreitar pontes entre sectores, entre organizações com fins diferentes mas que podem ser úteis entre si? Redes, parcerias, colaboração, num mundo onde as ligações são cada vez mais uma palavra-chave. Ouso porém desafiar a que não percamos nunca a noção das verdadeiras razões de existência deste importante sector – assim poderemos inovar sem desvirtualizar.


Avaliação de impacto: para além das fronteiras da organização

As edições de 2015 do GOS – Gestão das Organizações Sociais incluíram sessões de avaliação do impacto social, no âmbito da integração da AESE no GRAIS – Grupo de Reflexão para a Avaliação do Impacto Social, iniciativa de que o VER deu conta aquando do seu lançamento, em Janeiro do ano passado.

Este ano, e no âmbito das 11ª e 2ª edições do Programa, esta temática estará em destaque a 10 de Maio, no Porto, e a 16 de Maio, em Lisboa, contando com a colaboração de diversas entidades que a irão debater com os participantes GOS, incluindo os das edições passadas.

Considerando que, a par das temáticas da sustentabilidade financeira e do acesso a financiamentos, a avaliação de impacto social surge como um tema em crescente preponderância na agenda das direcções destas organizações, constituindo uma prioridade por parte dos líderes das organizações de economia social, a AESE defende que “importa hoje conhecer e medir o que realmente muda com as intervenções que caracterizam este sector”. Por um lado, sem esta avaliação, “a mudança que as organizações e os seus projectos operam nos seus beneficiários não é demonstrável”. Por outro, a mesma “permite, internamente, fazer cada vez melhor o que provavelmente já se faz bem”.

E, em última instância, para além das fronteiras da organização, a avaliação do impacto permite atrair e cativar o olhar dos investidores sociais privados, pelo que se torna “imprescindível medir a mudança e demonstrar o impacto, para sustentavelmente captar e reter investimentos”.

Conheça aqui a agenda do Seminário “Impacto social – Avaliação e investimento” que a AESE irá realizar sobre a 16 de Maio, em Lisboa.


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Jornalista