O Centro de Recursos (CR) para Pessoa em Situação de Sem-Abrigo da Adroana disponibiliza aos utentes acolhidos um conjunto de respostas integradas com vista à elaboração de projetos de vida de acordo com o perfil de cada pessoa, que conduzirão à saída do CR para autonomia plena ou integração em diferentes respostas, adequadas a cada situação
POR ANA RITA CARVALHO

O Centro de Recursos (CR) para Pessoa em Situação de Sem-Abrigo da Adroana é o 1º Centro de Acolhimento inaugurado no Concelho de Cascais. A inauguração deste centro, em novembro de 2020, surge da necessidade de proteger e garantir as condições básicas de vida a uma população vulnerável, como a população sem-abrigo, durante a pandemia COVID-19. É um projeto financiado a 100% pela Câmara Municipal deCascais e resulta de uma parceria com a Cruz Vermelha Portuguesa – Delegação da Costa do Estoril.

O Centro de Recursos da Adroana, pelo seu carácter temporário, tem capacidade para acolher 27 utentes, distribuídos por 3 camaratas destinadas a utentes do sexo masculino e por 2 quartos partilhados, destinados a utentes do sexo feminino. Dispõe de uma sala de convívio e refeitório onde os utentes, para além de puderem realizar as suas refeições diárias fornecidas pelo Centro, poderão também assistir a televisão, jogar e realizar atividades. Para além dos serviços que permitem satisfazer as necessidades básicas, como o alojamento, a alimentação, lavandaria e cuidados de higiene, os utentes têm acesso a cuidados de saúde, nomeadamente enfermagem, psicologia e psiquiatria, ao acompanhamento psicossocial decorrente de todo o seu processo de acolhimento, à participação em atividades lúdicas e de promoção de competências sócio emocionais. Adicionalmente, dispomos de balneários exteriores que facilitam às pessoas em situação de sem-abrigo não acolhidas no Centro de Recursos, o acesso a cuidados de higiene. 

Ao longo dos dois anos de intervenção desde a inauguração do Centro de Recursos da Adroana, acolhemos 56 utentes, representando assim a disponibilização de 29 novas vagas face aos utentes acolhidos inicialmente. A disponibilização destas vagas diz respeito à concretização com sucesso do Plano Individual de Inserção dos utentes, seja pela autonomização plena ou pela integração numa resposta social mais adequada às suas necessidades (tais como, comunidades terapêuticas, Rede de Cuidados Integrados Continuados e/ou respostas de alojamento permanente). Neste sentido, até à data de hoje, o Centro de Recursos apresenta uma taxa de 52% de sucesso de concretização dos Planos Individuais de Inserção dos utentes acolhidos. 

Ressalvamos que pela novidade do Centro de Acolhimento e da adaptação dos utentes a uma estrutura social, o primeiro ano de existência do Centro de Recursos foi pautado pela gestão e desafios constantes na implementação das regras e rotinas, da estabilização do grupo inicialmente acolhido, bem como da gestão de conflitos existentes. Já no segundo ano de intervenção destacamos a maior envolvência dos utentes nos seus Planos Individuais de Inserção e da concretização dos mesmos, do empenho dos utentes na participação ativa das atividades diárias do Centro, bem como das atividades disponibilizadas pela Equipa Técnica. Esperamos assim, ao longo dos próximos anos, poder continuar este processo de evolução não só enquanto equipa mas também com todos os utentes acolhidos, para que a cada ano que passe a taxa de sucesso e o nº de autonomizações superem as do ano anterior. 

A intervenção com a população em situação de sem-abrigo pressupõe perceber que o seu problema não é apenas a ausência de habitação, pois estar em situação de sem abrigo é mais do que isso. Neste sentido, importa perceber a complexidade do problema, a heterogeneidade dos indivíduos, a existência de várias problemáticas associadas, assim como a multicausalidade e multidimensionalidade do problema. No entanto, atualmente ainda assistimos na nossa sociedade à existência de inúmeros preconceitos e estereótipos relacionados com o que significa ser/estar na condição de sem-abrigo.

Do meu ponto de vista técnico e pessoal, importa adotar políticas de educação da população para esta temática, educação esta que deverá assentar na compreensão do problema ao invés do julgamento e crítica constante. Existe uma predominância significativa de problemas de saúde mental nesta população pelo que o investimento nesta área é também fundamental para a diminuição destas situações. Infelizmente o acesso a cuidados de saúde mental (e.g. psiquiatria, acompanhamento psicológico) e as respostas/estruturas sociais que intervenham na saúde mental é ainda difícil e demorado junto das populações economicamente vulneráveis.

Ana Rita Carvalho

Psicóloga, formada em Psicologia Clínica Sistémica pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Atualmente exerce funções de Coordenadora Técnica no Centro de Recursos da Adroana (Cruz Vermelha Portuguesa). Acredita no valor da intervenção na promoção, prevenção e modificação de comportamentos junto das populações mais vulneráveis.