Convicta de que uma vítima procura ajuda junto de pessoas semelhantes e que é na adolescência que os ataques são mais frequentes, a Beat Bullying aposta na formação de jovens para que sejam estes a ajudar, em primeiro lugar, os seus pares que sofrem com este fenómeno. A versão portuguesa desta plataforma internacional foi oficialmente lançada a 6 de Maio e pretende sensibilizar, apoiar e combater o bullying, uma realidade que conta com um número crescente de vítimas
POR MÁRIA POMBO

Longe vão os tempos em que a maioria dos ataques de bullying terminava à porta das escolas e em que as vítimas se sentiam seguras nas suas casas. Actualmente e com a popularidade crescente dos telemóveis, dos tablets e das redes sociais, não existem nem locais, nem horários “à prova” deste tipo de violência.

Definido como um “comportamento consciente, intencional, deliberado, hostil e repetido, de uma ou mais pessoas, cuja intenção é ferir outros”, o fenómeno designado por bullying continua a crescer e a tomar proporções cada vez mais preocupantes. Em termos gerais, é caracterizado por uma necessidade de afirmação de poder através da agressão, podendo assumir várias formas, como a violência física ou verbal, insultos, ameaças e intimidações, roubo de dinheiro ou pertences, ou ainda a exclusão do grupo de colegas/amigos.

Oficialmente lançada a 6 de Maio, a versão portuguesa da plataforma “BeatBullying” conta com a parceria da Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO). Este projecto visa proporcionar uma ajuda imediata aos jovens portugueses que sofrem de bullying, à semelhança do que tem sido feito desde 2009, ano em que o projecto foi lançado online no Reino Unido, pelo BB Group, uma organização sem fins lucrativos que se dedica à criação de comunidades através de um apoio online socialmente “intermediado”.

Premiada várias vezes, a plataforma é financiada através do programa Daphne, da Comissão Europeia ,e tem contribuído significativamente não só para a sensibilização deste fenómeno – através de várias campanhas – como ajudado, activamente, milhares de jovens a lidarem com este tipo de comportamento. Em Portugal, será a primeira plataforma de combate efectivo ao bullying, na medida em que, até agora, existiam apenas programas de prevenção e divulgação destas práticas já consideradas como criminosas.

Apesar de as estatísticas nacionais não estarem devidamente actualizadas, de acordo com os dados do 4º Barómetro da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) – e através de uma sondagem feita pela Intercampus sobre stalking, cyberstalking, bullying e cyberbullying, apresentada em Julho do ano passado – mais de um quarto dos inquiridos afirma conhecer alguém que já foi vítima de algum destes fenómenos e 5% assumem-se, eles próprios, como vítimas. Todavia e tal como acontece com outros fenómenos similares, estima-se que o número de vítimas seja substancialmente superior.

Numa entrevista ao VER, em Março passado, o assessor técnico da Direcção da APAV, Daniel Cotrim, explicou que o bullying e o cyberbullying consistem em comportamentos agressivos (quer seja física ou verbalmente), sendo o primeiro feito de forma pessoal, e o segundo através das redes sociais, e-mail ou por telefone. O mesmo é válido para o stalking [perseguição]e para o cyberstalking.

As conclusões do Barómetro anteriormente referido indicam que os comportamentos de bullying mais frequentes são os insultos, as ameaças ou a intimidação através de palavras, levando, em alguns casos mais extremos, à própria agressão. No que respeita aos comportamentos de cyberbullying, injurias e importunação, praticados através de meios electrónicos, são os mais nomeados pelos inquiridos.

No stalking, é a violência psicológica (ameaças, por exemplo) a mais referida, e no cyberstalking os comentários indesejados e a publicação de acusações em redes sociais são os actos mais mencionados pelos inquiridos que foram vítimas (ou conhecem quem tenha sido) deste tipo de violência.

O bullying é o comportamento mais referenciado pelos entrevistados, sendo o sexo feminino aquele que apresenta maior número de vítimas. Mais de metade dos inquiridos referiu que os ataques eram perpetrados por colegas de escola, com 53% dos mesmos a durarem pelo menos um ano, sendo que 41% das situações ocorrem diariamente. Na maioria dos casos, a vítima procurou ajuda, recorrendo principalmente a familiares e amigos.

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A importância da “identificação com” nos fenómenos de violência
Para Emma-Jane Cross, fundadora do BeatBullying, “o bullying é um problema que afecta muitos jovens em Portugal e, por isso, estamos satisfeitos por poder oferecer este apoio fundamental. Durante anos, temos apoiado jovens de todo o mundo, em vários lugares, desde o Uruguai às Filipinas, mas sabemos que, infelizmente, muitas crianças não têm sido capazes de aceder ao nosso site, porque até agora estava apenas disponível em Inglês. Estamos desejosos de acolher os novos jovens mentores de Portugal para o nosso site”.

O Beat Bullying (Vencer o Bullying) assume-se assim como uma organização de solidariedade social que pretende combater este tipo de violência, não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo, acreditando que “ninguém deverá sofrer, ter medo ou isolar-se por ser vítima de bullying, e que toda a gente tem o direito de estar resguardado de violência e perseguição”.

A 14 de Fevereiro último e a propósito da celebração do Dia Europeu da Internet Segura, a organização Beat Bullying anunciou a “replicação” do seu site em sete línguas – grego, português, espanhol, italiano, checo e romeno – sublinhando o potencial desta oferta a cerca de 15,7 milhões de jovens que têm agora a possibilidade de aceder ao apoio e ao aconselhamento que esta plataforma oferece nas suas línguas nativas.

Na medida em que cerca de 81% dos jovens residentes na União Europeia têm acesso à internet e, em particular às redes sociais, ainda de acordo com Emma-Jane Cross, “nunca foi tão importante que os governos, a comunidade escolar e as organizações sem fins lucrativos se unam para proteger as crianças e jovens no mundo online”. A fundadora do projecto sublinhou ainda que, desde 2009, ano em que o apoio online foi oficialmente lançado, uma em cada cinco visitas ao site (15,6%) é proveniente do continente europeu.

Em Portugal e como já foi anteriormente referido, o Beat Bullying foi lançado em parceria com a Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO) e, numa primeira fase, foram cerca de 200 jovens a terem formação para serem os “mentores BeatBullying”. É que uma das principais diferenças desta plataforma, relativamente a outras que versam sobre a mesma temática, reside no facto de serem jovens que apoiam outros jovens. Aqui, os jovens (ou mentores) são o primeiro contacto, a primeira ajuda, das vítimas (também chamadas bullied), sendo que a formação que recebem, especializada, é exclusivamente pensada para que estes jovens mentores possam ajudar e apoiar os seus pares, tanto na escola, como na comunidade e, é claro, através do site BeatBullying.

A ideia subjacente a esta “dinâmica entre pares” assenta no pressuposto de que uma pessoa que sofre de violência, insultos ou de qualquer outro tipo de abusos recorre mais facilmente a alguém com quem se identifique (da mesma idade, com o mesmo estilo de vida, etc.) do que a uma pessoa estranha e “distante”.

Assim, os jovens mentores, com idades compreendidas entre os 11 e os 17 anos recebem formação e ferramentas por parte da equipa da própria organização (constituída essencialmente por profissionais da área da psicologia, moderadores e técnicos habituados a oferecer apoio especializado), a qual lhes permite prevenir e lidar com situações de bullying. Os jovens trabalham em regime de voluntariado e usam algumas horas do seu dia para estar online e disponíveis para apoiar os seus pares.

Adicionalmente, o projecto conta ainda com os denominados Mentores de Vida (jovens com mais de 18 anos) que são treinados para orientar e apoiar os mentores mais jovens nas suas funções. Estes contam ainda com o apoio de conselheiros (psicólogos), os quais oferecem uma ajuda mais técnica e especializada (quando assim é necessário) e de toda a equipa do site a quem reportam os casos mais graves. A linguagem é acessível e dirigida ao próprio jovem, para que este “reconheça” o seu próprio ambiente e se identifique com os seus pares.

Como se pode ler no site da ANESPO e de acordo com as palavras do seu presidente, José Luís Presa, “nos últimos meses, técnicos da ANESPO e do BB Group trabalharam no sentido de adaptar a plataforma à nossa realidade, foram recrutadas as equipas de suporte especializadas, feita a formação de toda a equipa de gestão e de resposta online”. O presidente da ANESPO sublinhou também que o grupo de colaboradores foi alargado, que para além dos jovens que já receberam formação, a mesma será estendida a outros mentores voluntários, em conjunto com um “ grupo de moderadores que, a todo o tempo, garantem a segurança e o cumprimento das regras de funcionamento da plataforma”, sem esquecer um “ grupo de conselheiros habilitado a dar apoio especializado”.

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Todos podem fazer a diferença
Para quem pretende ser ajudado através da plataforma, o processo é relativamente simples. Depois de se registar, a criança ou jovem em causa fica imediatamente “habilitada” a falar com um mentor que o ajudará a resolver o problema. Se o problema não puder ser resolvido com uma simples conversa, o mentor encaminha este jovem para um conselheiro (um profissional) que dará toda a ajuda necessária. Todas as conversas são privadas e a segurança de todos está assegurada.

Só os jovens com menos de 18 anos podem fazer o registo, apesar de o site ter uma área para adultos, na qual também é obrigatória a subscrição. Com um acesso guiado à plataforma, pais ou educadores têm ainda à sua disposição vários recursos e materiais de apoio que poderão consultar e/ou ser úteis na resolução de algum conflito entre jovens ou na criação de estratégias para lidar com esta problemática, por exemplo, numa escola ou mesmo em casa.

Na medida em que seria impossível – para os jovens mentores – estarem permanentemente disponíveis (a ajuda imediata funciona entre as 16H e as 22H), o site disponibiliza uma panóplia de informações, simples mas úteis, que poderão servir de ajuda inicial às vítimas que pretendem obter ajuda. Uma outra vantagem reside no facto de que se o jovem, vítima de bullying, e o mentor, frequentarem a mesma escola, o apoio poderá, igualmente, ser dado offline. O jovem bullied poderá também ser acompanhado pessoalmente por um conselheiro, se este for professor ou psicólogo na sua escola. Os casos de violência considerada criminosa serão reportados, pelos conselheiros, à polícia e tratados judicialmente.

Independentemente do tipo e da gravidade do problema, a equipa aconselha qualquer jovem a fazer o registo e a expor a sua situação. Independentemente de ser, aos olhos do jovem, uma mera ameaça ou um mero insulto, a equipa aconselha a que o problema seja partilhado, para que este aprenda a defender-se e a evitar novas, e mais graves, situações de violência.

As regras de funcionamento evitam os abusos e a quebra da confidencialidade, aplicando-se a qualquer pessoa que frequente o site, desde jovens, passando pelos conselheiros ou meros “curiosos”. São essencialmente regras de boa educação (em que, por exemplo, são proibidos palavrões ou calão) e outras complementares, que “obrigam”,por exemplo, o jovem a fazer pausas regulares (se um jovem estiver online durante mais de duas horas, a conta será suspensa durante 15 minutos), de forma a se evitar contas duplicadas ou fornecimento de informação pessoal.

A plataforma conta ainda com uma secção dedicada a “Recursos”, a qual que oferece uma série de materiais e dicas de segurança. “Estar Seguro”, “Sensibilização”, “Pais e Encarregados de Educação”, e “Professores e Profissionais” são outras áreas que fazem parte desta secção. Cada uma delas contém diversos materiais de apoio, como manuais ou links de referência, que ajudam jovens, pais, profissionais, e todas as pessoas que pretendam envolver-se nesta temática, mostrando-lhes a melhor forma de agir ou de abordar os jovens, para que seja possível implementar políticas e estimular (por parte de alunos, colegas, amigos e funcionários) comportamentos anti-bullying.

A equipa acredita que “todos têm o poder de fazer a mudança acontecer, seja essa mudança pequena, específica, local ou até mesmo dentro da pessoa que pratica a acção”. Este é o lema subjacente a todo o apoio que é prestado, sublinhando-se ainda que todos os materiais estão disponíveis, de forma gratuita e sem limite de utilizações.

Os visitantes poderão ainda encontrar dicas que os ajudam a protegerem-se e que explicam de que forma é que, no interior da plataforma, a segurança, a privacidade e a confidencialidade são asseguradas. Estas dicas passam por explicar ao jovem que tipo de informação é recolhida, a que tipo de perguntas este deve responder, como irá a sua informação pessoal ser utilizada e como poderá o jovem obter cópias da informação que partilha.

Tomar uma posição é fundamental. Esta pode ser online – a partir da partilha de experiências e opiniões – ou offline, na escola, em casa ou no grupo de amigos. Evitar situações de bullying, independentemente da via e do número de pessoas a quem chega a mensagem, é uma forma, segundo a equipa, de transformar o mundo “num sítio melhor”.

Jornalista