No dia 29 de Novembro, depois de celebrarmos o nosso casamento, partimos para lua-de-mel, tendo pela frente um destino que era muito mais do que uma escolha casual. Goa é a terra de origem do Pedro, o meu marido, que, apesar de nascido em Portugal, recebeu dos seus avós a herança mais valiosa: a do apego à terra onde se escreve grande parte da história da sua família e onde radica tanto da sua maneira de ver o mundo. Era por isso um momento muito esperado por mim também. O que sabia deste pequeno Estado da Índia chegava-me através dos olhos do Pedro, que me falava de Goa com o calor de quem se sente filho da terra
POR LUÍSA GONÇALVES COLAÇO

Goa é «o bairro Latino do Sudeste Asiático: indulgente, tolerante, inconstante, imersa numa lassidão tropical e casada com o mar»* (1) 

A primeira paragem depois de chegados foi Velha Goa, muito bela na quantidade de igrejas que a pontuam a poucos metros de distância umas das outras. A maioria data de entre 1590 e 1640, onde se destacam a Sé catedral, dedicada a Santa Catarina de Alexandria (padroeira de Goa), a Basílica do Bom Jesus (onde repousam os restos mortais de São Francisco Xavier), a Igreja e Convento dos Agostinhos, o convento de Santa Mónica e a igreja de Nossa Senhora do Monte, que fica no topo de uma colina e alberga a melhor vista deste lugar.

Por entre as palmeiras e iluminados pelo Sol já enfraquecido do entardecer, tive o meu primeiro contacto com a beleza mística daquilo que tantas vezes ouvi chamar «cultura indo-portuguesa». Tivemos a graça de visitar este local num dia especial por ocasião dos festejos de São Francisco Xavier, Padroeiro do Oriente. Encontrámos por isso uma Velha Goa que habitualmente se vê calma e silenciosa, mas agora repleta de crentes que ali se deslocaram para as celebrações. E é entre estes crentes que conseguimos distinguir, sobretudo pelos trajes, que ali confluem vários credos, o que não impede a devoção a um santo católico. Goa tem isto de especial. Pela sua história, que se cruza com a portuguesa, coube-lhe uma herança marcadamente católica, mas que se adaptou ao meio e deu origem a este encontro orgânico de várias religiões que convivem entre si e partilham alguma da sua espiritualidade.

Velha Goa, em frente à Santa Sé, oposto ao local onde se davam as celebrações de São Francisco Xavier.

Ainda sobre as celebrações de São Francisco Xavier – denominado Goencho Saib, «guardador de Goa» em concani, língua goesa – quis Deus que naquele dia a missa estivesse a ser presidida por Dom Filipe Neri Ferrão, que a 29 de Maio de 2022 foi consagrado cardeal pelo Papa Francisco, tornando-se assim o primeiro cardeal goês. Um motivo de grande orgulho e esperança para a comunidade católica goesa, que, como pude presenciar em alguns momentos desta viagem, vive um enfraquecimento da prática religiosa.

Pangim é a capital de Goa. Com cerca de quarenta mil habitantes, podemos sentir aqui o carisma das cidades indianas, com o frenesi das motas, as ruas cheias de gente e os aromas das especiarias típicas do oriente.

Mas novamente chamam-me a atenção detalhes que aos portugueses parecerão familiares. O Bairro das Fontainhas, por exemplo, é uma espécie de Madragoa, mas em que as tonalidades pálidas dos azulejos são substituídas por vivas cores e luzinhas penduradas nas janelas. As ruas apertadas, de casas baixinhas com varandins e janelas que se abrem de par em par, muito fazem lembrar os mais típicos bairros lisboetas.

Bairro das Fontainhas, Goa

Ao continuarmos a andar pela cidade é divertido ver lojas que mantém nome portugueses, como a Braganza Stores, a loja Bata (típica loja portuguesa de calçado) ou a loja de ferragens Gonçalves

A terminar o roteiro por Panjim, no fim da avenida principal da cidade, ergue-se ao cimo de uma escadaria a Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição.

Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Pangim

Erguida na encosta poente do Monte da Conceição e de frente para o rio Mandovi, a sua escadaria é uma réplica da do Bom Jesus, em Braga. Sendo a Igreja matriz de Pangim, até há poucos meses celebrava-se, aos domingos, missa em língua portuguesa, o que entretanto deixou de suceder.

Mas para encurtar o relato, rumemos diretamente ao Sul de Goa. Emoldurado pelas mais belas praias, no Sul vive-se de uma forma especial o susegad («sossegado») – uma característica atribuída a Goa pelo resto da Índia.

Foi pelas estradas desta parte do estado que mais me maravilhei com fachadas de casas de origem indo-portuguesas adornadas pela natureza tropical ou, em muitos casos, erodidas pelo sal e calor desta terra quente.

O quilómetro final deste rumo a sul levou-nos à Figueiredo House, uma casa-museu erigida no século XVI, que nos seus detalhes conta a história de outros tempos e que procura manter vivo o que de bom a herança indo-portuguesa tem ainda hoje para oferecer. 

A casa está atualmente dividida entre o museu e a parte de alojamento, onde é possível experienciar ainda mais intensamente a cultura indo-portuguesa, entre o imaginário de como seriam as refeições no salão grande, as reuniões importantes que aqui efectuadas ou os passos que fomos sobrepondo a outros nos corredores desta história em forma de casa.

A oito mil e trezentos quilómetros do nosso país sentimos a distância encurtar-se, ao ponto de quase nos esquecermos que estávamos em tão distante longitude. Observando com pormenor a fachada, olhando o telhado, os varandins, a árvore de Natal iluminada montada à entrada, ou saboreando uma canja de galinha ou um simples bife servido na sala de jantar, damo-nos conta de como, ao fim de tanto tempo, se preservam orgulhosamente traços culturais portugueses, que na ligação secular se foram cruzando com a cultura oriental, surgindo daqui identidade única, a cultura indo-portuguesa. 

Havia muito mais para contar sobre esta viagem. Fica a faltar o fenómeno que está a trazer o fado de volta a Goa, dos restaurantes que servem caldo verde com chouriço picante ou de encontros inesperados com quem nos percebe em português.

Quis com este artigo aguçar-vos a urgência da visita, levantado a ponta do véu de tudo aquilo que nos une a este pequeno estado na Índia. Visitem Goa. Não deixa de ser estranho o facto de, nas rotas mais comuns de tantos portugueses, figurarem destinos distantes do Sudoeste Asiático, do Brasil ou de África: raramente Goa surge na lista.

Visitem este lugar que tem «tanta história para tão pouca geografia» (Miguel Cadilhe) e que muita se une com a nossa, fazendo de Goa uma terra-irmã de Portugal que merece ser visitada e celebrada.

Imagem do artigo: vista aérea da Velha Goa, a antiga Cidade de Goa, com o rio Mandovi ao fundo.© Tomas A Rodrigues

(*) 1 (Stanley Stewart, “Goa’s not gone – It’s just hiding”, The Sunday Times, 11 de setembro de 2005.)

Luísa Gonçalves Colaço

Tem 31 anos e é licenciada em gestão pelo ISCTE. Tem um mestrado em Business Intelligence pela NOVA IMS. É actualmente Marketing Manager no grupo Memmo Unforgettable Hotels. Faz parte do Movimento de Schönstatt e integra um grupo Cristo Na Empresa da ACEGE Next.