António Quadros e Costa é engenheiro agrónomo e atualmente trabalha na área da água e desenvolvimento rural numa empresa do Alqueva. Desde os 15 anos é portador de uma doença neuromuscular que veio estragar sonhos, mas também pôs a vida no seu devido caminho. Com a frase que o Papa nos deixou «substitui os medos pelos sonhos – não sejais administradores de medos, mas administradores de sonhos», dá início à sua apresentação
POR PEDRO COTRIM

O jovem agradece a todos os que organizaram o evento. Começa por dizer que faz por liderar a sua vida, por escutar o Papa Francisco: não ser administrador de medos, mas empreendedor de sonhos.

Prossegue: «Para este propósito, de passar da teoria à prática há que haver abertura espiritual. Tem de se fazer alguma coisa prática, concreta, real. O que sei fazer, e que me foi pedido que faça aqui hoje, é que dê o meu testemunho e o que a minha experiência me tem ensinado. Sinto-me modesto perante tantos gestores, empreendedores e líderes. Falei com um grande amigo meu sobre o tema e ele respondeu “se eles soubessem, não te convidavam”. A minha namorada, que é uma mulher sensata, disse-me que devia aprender a dizer que não. Como sou acriançado e imprudente, aqui estou para falar de liderança na minha vida».

António confessa que não teve qualquer cadeira de liderança. Andou dois meses na Universidade Nova em Gestão, indo seguidamente para Agronomia sem nunca se dedicar a estudar o que é ser um líder. «Mas um líder, na minha mente, é uma pessoa que inspira os outros e que os conduz. Uma pessoa que inspira confiança. Um líder tem portanto caraterísticas especiais para motivar e inspirar os outros. Do meu ponto de vista, um líder tem ainda capacidade de sonhar, ver o caminho, projetar e planear, capacidade de trabalho, uma certa capacidade de controlar o processo sem perder o foco, tem confiança em si e vontade de vencer. Com tudo, consegue motivar os outros para o seu propósito e torna-se reconhecido por isso.»

Para o jovem, estes líderes são absolutamente necessários, desejáveis a todos os tempos, mais ainda nestes tempos que são os nossos. Os líderes bons interessam muito, diz.

«Nós fomos chamados a liderar, seja o que for, uma empresa, um departamento, um projeto social, familiar, na igreja, na nossa paróquia, nos nossos movimentos, o condomínio do nosso prédio, devemos fazê-lo. Devemos estar disponíveis para desempenhar este papel e devemos fazê-lo sempre com dedicação, como se fez neste summit neste dia ou nos grupos Cristo na Empresa. Devemos fazê-lo bem. Devemos fazer o bem.»

Prossegue o jovem, salientando que estas skills de conseguir motivar os outros e de os conseguir inspirar podem ser atraídas. «Há cadeiras de liderança, há teambuilding, há formações de sustentabilidade empresarial que também abordam o tema da liderança. Nós, cristão, somos chamados a ser bons líderes. O nosso grande Chefe, e Amigo por excelência, assim nos disse: vocês são do mundo, vocês são o sal da terra. Sigam-me e farei de vós pescadores de homens. Vocês são líderes: sigam-me e farei de vós melhores».

O jovem engenheiro diz que somos chamados a ser peregrinos, conforme nos disse o Papa Francisco. «Somos chamados a ser mais ainda. É esta a diferença na organização de uma empresa e é esta a diferença na vida de um filho de Deus. Enquanto o primeiro depende da liderança, talentosa, esforçada e passível de ser ensinada, o sucesso do peregrino depende do encontro com o amor. O amor é uma palavra gasta, mas este amor de que falo aqui é o amor que nos interessa, o amor que nos move. O amor que nos cria, criaturas, e à nossa vida. O peregrino, que vive no encontro com Cristo e no encontro com o mundo, lidera a sua vida. Aquele que caminha para a felicidade de viver pura e a caminho Daquele que o criou. Qualquer um de nós tem esta experiência na sua vida. Vêem-me numa cadeira de rodas. Sofro de uma atrofia muscular espinhal. Foi descoberta quando eu tinha 15 anos. Na altura, como agora, não tinha qualquer ferramenta para me considerar líder da minha vida.»

Diz que o seu grande propósito era saber o que queria fazer da sua vida. Queria ser cavaleiro desportivo, mas profissional. Trabalhava imenso para isso. Montava a cavalo umas oito ou dez horas por dia e também estudava.

Era obstinado nesse propósito e era trabalhador. Não tinha medo e sonhava alto. Mas essas metas, pelos vistos, não eram as suas. O meu objetivo carecia de umas pernas fortes e atléticas, não de uma cadeira de rodas sofisticada.

A partir deste desgosto, de confronto com a vida real, vieram anos de tristeza, de medos, de escravidão, de asneiras, de incapacidade de sonhar ou de aprender fosse o que fosse. Sempre fui educado na igreja, ia à catequese e comungava semanalmente, a minha mãe era a minha catequista – era uma mulher muito santa. Eu ambicionava ser líder da minha vida segundo os meus acertados critérios, mas negava por completo a beleza desta peregrinação, a beleza do encontro com o Nosso Senhor e Nosso Pai. Nunca entenderei esta circunstância de estarmos no mundo mas não sermos deste mundo. Eu estava no mundo, e estou no mundo, e continuo a padecer deste mal, e quero ser conhecido pelo mundo. Se possível, quero ser um dos grandes do mundo. Se não for do mundo, pelo menos quero ser o grande lá de Beja. Isto é muito pobre, isto é muito poucochinho. Então a doença, este aparente sofrimento, este desabar de projectos muito grandes e muito ambiciosos, demoraram muito tempo a ser compreendidos. Mas tudo isto foi graças a Deus. Isto foi muito duro, mas também foi muito bom. É muito estranho eu estar a dizer isto. Como demorei muito tempo a compreender isto, até ponho em causa a minha legitimidade para estar aqui a dizer isto. Como é que falo do desabar dos sonhos como uma graça? Só há duas hipóteses: sou um mentiroso ou fui tocado por Jesus. Jesus disse a um paralítico que lhe trouxeram: levanta-te, pega na tua enxerga e vai para casa. Disse-o a este paralítico e também mo disse a mim; disse-o a todos nós. Isto é que foi o grande encontro da minha vida. Foi aqui, pela Sua graça, que entendi a alegria da peregrinação autêntica, muito melhor, mais feliz e mais livre do que o sucesso, que não depende das minhas capacidades e que a minha mente desordenada me propunha.

Um padre amigo meu dizia: eu não sou capaz, mas tenho um amigo, o meu Amigo por excelência, que é capaz e está disposto a fazê-lo por mim. Foi deste encontro, desta aprendizagem que tenho vindo a fazer – ainda tenho muito para caminhar – que é muito melhor ser peregrino do que ser líder. Ser líder é muito bom, mas ser peregrino é muito melhor.

Assim, liderar a minha vida não é mais do que deixar essa minha função Ao que me criou à sua imagem. Que Ele continue, para que a minha vida um dia possa ser à Sua semelhança. Ser empreendedor de sonhos não é mais que isto. Aceitar a realidade, com caridade e paciência, com a paz do céu, e deixar-me surpreender – gostar da supresa que Deus assenta na realidade da minha vida. Isto é muito importante, gostar desta aprendizagem. Jesus, quando diz a Pedro e a André, «sigam-me que eu farei de vós pescadores de homens». Não lhes diz «sigam-me que eu farei de vós carpinteiros de santos», que era o que ele era.

O gosto pela surpresa que Deus assenta na realidade das nossas vidas. Amar e aceitar com a Sua graça a surpresa construtora que o verdadeiro sonhador e o verdadeiro empreendedor me dá para o meu caminho peregrino»

O D. João Marques, bispo lá de Beja, num encontro parecido com este, havia um tema «dispõe-te a saborear». Foi a grande descoberta da vida dele. Este gosto da surpresa que assenta na nossa realidade é o grande passo para ser peregrino à séria pela vocação que Deus me dá. Provavelmente, pessoas muito santas, mais avançadas nesta peregrinação, já poucos medos terão, mas a mim estes medos fazem muita falta, pois não me deixam cair na tentação da autossuficiência. Sou peregrino com as minhas forças, à minha custa e pelas capacidades

Sonhar em ser possuído pela verdade é muito mais descansado do que procurá-la onde ela não existe. Aceitar com esperança é muito mais real do que sofrer revoltado, tal como fez Nossa Senhora quando foi visitada. É essencial não ter medo da entrega do Céu, da dádiva do céu. Em linguagem financeira, dá muito mais lucro que o egocentrismo de viver para mim mesmo. A gradnde descoberta da minha vida foi esta: confiar é muito melhor que controlar. Levar a vida a peregrinar é que é verdadeiramente liderá-la. É este tipo de liderança que nós devemos procurar e aceitar.

Afonso Borga é licenciado em Serviço Social e Mestre em Estudos de Desenvolvimento. Estreou projectos de voluntariado e empreendedorismo social em países como São Tomé, Brasil, Espanha e Grécia. Trabalha atualmente em Responsabilidade Social no Auchan Retail Group.

Agradece o convite. O que significa sermos empreendedores do outro?