Promover a inclusão social e profissional de trabalhadores com deficiência e combater o estigma de que estes têm menos capacidades que os demais são os principais objectivos dos projectos “O Talento não tem limites” e “Sintra inclui”. Duas iniciativas distintas, mas movidas pelo mesmo motivo: os elevados níveis de desemprego deste grupo populacional onde, afinal, se revelam tantos “talentos especiais”
POR
MÁRIA POMBO

Os dados já não são recentes mas – e infelizmente, neste tipo de situações – demoram vários anos a alterar-se. Em Março de 2012, a Associação Portuguesa de Deficientes (APD) actualizou um documento da sua autoria, O emprego e as pessoas com deficiência, produzido inicialmente em 2001, e no qual demonstra que, apesar de existir legislação que preveja a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência – neste caso específico, em termos de empregabilidade –, e de estarem a funcionar diversos apoios e incentivos estatais aos quais as empresas podem recorrer, Portugal ainda está longe de garantir esse pleno direito aos seus cidadãos.

Também em 2012, o Ministério da Solidariedade e da Segurança Social (MSSS) realizou um estudo denominado O Emprego das Pessoas com Deficiências ou Incapacidade – uma abordagem pela igualdade de oportunidades, no qual se propôs caracterizar as pessoas com incapacidade inseridas em PME, analisando as barreiras que enfrentam e aferindo os níveis de igualdade de oportunidades no que respeita à estabilidade no emprego, política remuneratória e progresso na carreira, procurando ainda soluções para os enormes desafios que este grupo, conhecido por ser a maior e mais heterogénea minoria do mundo, enfrenta diariamente. Também neste documento foi notório o desequilíbrio: um inquérito a 202 empresas revelou que dos quase 147 mil trabalhadores que estas empregavam, apenas 1720 (cerca de 1,2%) eram portadores de algum tipo de deficiência ou incapacidade.

Segundo este estudo, as pessoas com dificuldades de compreensão, memória, concentração e relação interpessoal, e que revelam problemas de autonomia e higiene pessoal, têm mais dificuldade em conseguir alcançar a inclusão profissional. Adicionalmente, os trabalhadores com deficiência ou incapacidade revelam tendencialmente habilitações e qualificações mais baixas que a média dos restantes funcionários, mas a maioria confessou celebrar um contrato de trabalho permanente, o que permite apurar a existência de alguma estabilidade no emprego (10% dos inquiridos com deficiência exercem cargos de chefia e 2% são dirigentes de topo).

São vários os documentos legislativos, nacionais e internacionais, que salvaguardam os plenos direitos das pessoas com deficiência, reconhecendo-lhes o direito ao trabalho e à realização pessoal e profissional como meio de inserção e integração social. Segundo o artigo 71º da Constituição da República Portuguesa, “os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição”, deixando claro que “o Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles, e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores”.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem refere que “toda a pessoa tem direito à livre escolha do seu trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego”; já a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência consagra que “os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a trabalhar, em condições de igualdade com as demais”, no seu artigo 27º. Para além destes documentos, existem ainda diversas directivas europeias (de que é exemplo a Directiva 2000/78/CE, de 27 de Novembro) a partir das quais o Conselho da União Europeia pretende terminar com a discriminação das pessoas com deficiência nos Estados-membros, aumentando o grau de escolaridade e conhecimentos deste grupo e sensibilizando as entidades empregadoras para as vantagens inerentes à sua contratação.

No entanto, e apesar de todos os esforços legislativos, esta minoria revela ainda taxas de desemprego bastante elevadas. Segundo o Centro Regional de Informação da ONU, em alguns países, o desemprego deste grupo chega a atingir os 80%, sendo que os motivos mais apontados pelos empregadores são, por um lado, a ideia de que as pessoas com deficiência não conseguem desempenhar bem uma função e, por outro, os elevados custos das adaptações que seria necessário fazer no local de trabalho.

Adicionalmente, um parecer do Conselho Económico Social, em 2008, deixa claro que a taxa de desemprego de pessoas com deficiência em Portugal é duas vezes e meia superior à média nacional. Para combater este flagelo, têm surgido diversas iniciativas que visam promover a empregabilidade de pessoas com deficiência, impulsionando a sua inclusão e integração social. Neste artigo, apresentamos dois projectos: um referente à empregabilidade de pessoas com deficiência motora, e outro, mais direcionado a jovens e ainda em fase piloto, dedicado à integração profissional de pessoas com incapacidades intelectuais. Por fim, damos a conhecer um projecto mais radical, mas ainda necessário para a promoção do emprego e para a despromoção do preconceito.

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Incluir e integrar: todos temos a ganhar

A Associação Salvador surgiu em 2003 e desde então tem vindo a promover a inclusão e a acessibilidade de pessoas com deficiência motora, procurando melhorar a sua qualidade de vida através da construção de uma sociedade mais inclusiva, onde as pessoas com deficiência possam exercer os seus direitos e concretizar os seus sonhos. O projecto “O Talento Não Tem Limites” surgiu em 2015, em parceria com a Deloitte e com a Randstad, como reforço da aposta desta associação na integração profissional. Sensibilizar a sociedade para o emprego de pessoas com deficiência e criar um match entre o perfil dos candidatos e o perfil pretendido pelas empresas são os grandes objectivos desta iniciativa.

A sensibilização da sociedade está já a ser feita, através de testemunhos reais, nas redes sociais e na imprensa. A ideia é apresentar casos reais de pessoas que têm sucesso profissional e por isso são um exemplo de coragem e determinação, constituindo uma mais-valia para a empresa, revelando também que a sua condição física não afecta em nada o desempenho nem as competências, a nível profissional. A par dos testemunhos, são explicados alguns dos principais incentivos de que as empresas podem beneficiar – como a redução da Taxa Social Única (TSU), a comparticipação de subsídio de alimentação ou transporte, ou ainda apoios que ajudem a pagar os custos de adaptação do local de trabalho – ao contratarem os chamados “talentos especiais”.

O match entre as empresas e os trabalhadores é conseguido através de entrevistas a desempregados nestas condições específicas, através das quais a associação apura as verdadeiras competências dos mesmos para exercer determinadas funções. Estas entrevistas permitem desmistificar alguns preconceitos relativamente à capacidade e competência dos trabalhadores, as quais não têm de ser reduzidas só por estes revelarem algum tipo de deficiência motora. As informações dos entrevistados ficam depois registadas numa base de dados à qual as entidades empregadoras podem recorrer, caso desejem contratar pessoal.

Complementarmente, a associação promove diversas sessões de formação e capacitação que preparam os candidatos para entrevistas de emprego, e ainda speed datings nos quais os desempregados revelam as capacidades e competências que têm, ao mesmo tempo que as empresas têm oportunidade de preencher algumas das suas vagas, contribuindo desta forma para o fim da exclusão social deste grupo.

Ainda em fase piloto, a Câmara Municipal de Sintra e a Associação Pais em Rede criaram o projecto “Sintra Inclui” para apoiar a transição dos jovens da vida escolar ou pós escolar para a vida activa, promovendo a sua integração social e profissional. A iniciativa é dirigida aos jovens com 17 ou mais anos que tenham incapacidade intelectual entre os 30% e os 70% e que estejam a terminar ou já tenham terminado a escolaridade obrigatória.

Criar uma rede comunitária que promove a autonomia deste grupo através da sua integração no mercado laboral é o principal objectivo desta iniciativa, a qual terá sempre em conta as características singulares dos seus participantes. Para isso, foram traçadas quatro fases, essenciais para o sucesso da acção: a primeira passa pelo despiste vocacional onde serão apuradas as potencialidades e os gostos dos jovens; a segunda e a terceira são de adaptação e caracterizam-se por dar aos jovens a possibilidade de desempenhar algumas tarefas em contexto de trabalho, de forma a poderem ser integrados na empresa; e na última são atribuídas bolsas de incentivo quer aos jovens quer às empresas, com o objectivo de assegurar a sua total integração profissional.

Actualmente o projecto conta com 12 jovens com idades entre os 17 e os 23 anos em processo de integração, em empresas que actuam em Sintra, como o Hotel Tivoli, o Grupo Metal, a Parques de Sintra, o Monte da Lua e a Resiquímica. O ideal será garantir a sua permanência nas empresas onde estão inseridos – sempre em contexto de proximidade entre o jovem, a empresa, a escola e a família, e procurando uma modalidade de contrato que seja adequada ao trabalhador e à entidade empregadora –, mas a mesma dependerá dos resultados desta adaptação. A fase piloto deste projecto irá prolongar-se até Dezembro deste ano.


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Down… And UP!

Apesar de podermos estar perante um caso de discriminação positiva – que não deixa de ser discriminação, é certo – a verdade é que o mundo (ainda) precisa destes exemplos mais extremos, que não só combatem o preconceito como facilitam a inserção profissional de grupos mais “desprotegidos”. Este é um hotel de três estrelas, chama-se Albergo Etico, está situado em Asti, no Norte de Itália, e todos os seus funcionários são portadores de Síndrome de Down.

Criada por uma ONG com o mesmo nome, esta unidade hoteleira que dispõe de 21 quartos e serviço de restaurante pretende promover a autonomia destes seus “empregados especiais”, dando-lhes formação na área do turismo e também a possibilidade de aprenderem a gerir o próprio dinheiro. Para além disso, sendo o resultado de um forte compromisso social, este projecto tem segunda finalidade servir todo o tipo de públicos, quer seja em contexto de trabalho, quer seja de âmbito familiar, procurando satisfazer as necessidades específicas dos seus clientes.


Jornalista