POR MÁRIA POMBO
As cidades podem ser vistas como autênticos laboratórios de oportunidades de crescimento e enriquecimento, atraindo e formando os trabalhadores com os mais elevados níveis de educação e dando abrigo às empresas mais inovadoras. Contudo, os centros urbanos – principalmente os maiores e mais desenvolvidos – são também palco de inúmeras desigualdades, nomeadamente em termos de rendimento, acesso a serviços e outros aspectos relacionado com o bem-estar social.
A segregação espacial – caracterizada pela concentração, num local, de pessoas com características semelhantes – pode ter efeitos bastante positivos, se decorrer de uma escolha livre dos cidadãos, resultando em boas relações de vizinhança e baixos índices de criminalidade. Todavia, esta transforma-se num problema a partir do momento em que são os rendimentos que definem o local onde os cidadãos podem viver. Assim – e ao contrário do que acontece nos meios rurais, em que tendencialmente todas as famílias têm direito a uma porção de terreno – as populações mais carenciadas são obrigadas a viver nos subúrbios mais perigosos e desorganizados das grandes cidades, enquanto as classes mais endinheiradas podem optar pelos centros urbanos ou outros locais, que, para além de serem mais seguros, são onde se concentra a maioria dos serviços e as melhores oportunidades.
Foi com o objectivo de tornar mais inclusivas as cidades, permitindo que estas sejam acessíveis a todos, independentemente do estatuto ou dos rendimentos, que a OCDE apresentou o livro Making Cities Work for All. Este documento foi apresentado no World Summit of Local and Regional Leaders, um evento organizado pelos United Cities and Local Governments (UCLG) que promoveu a partilha de ideias e projectos com vista a estimular o desenvolvimento saudável e inclusivo das cidades, a nível mundial, e que decorreu na Colômbia entre os dias 12 e 15 deste mês.
O documento compara o crescimento económico, as desigualdades e o bem-estar de diversas cidades dos países da OCDE, tendo como base, não só o PIB, como também diversas questões relacionadas com a educação, a saúde, o acesso a serviços e a facilidade (ou dificuldade) de se poder pagar uma casa. Complementarmente, o documento apresenta um conjunto de acções, políticas e parcerias que podem ser feitas para melhorar a inclusão social nos centros urbanos, garantindo que nenhum cidadão é deixado para trás, sugerindo desde logo uma melhor cooperação entre os governos locais e centrais.
“As cidades são inclusivas quando todos os grupos contribuem e beneficiam”
O facto de nove em cada 10 cidades estudadas apresentarem níveis de desigualdade mais elevados em termos de rendimento familiar do que a média nacional é uma das principais conclusões deste documento, verificando-se as diferenças mais acentuadas nas cidades mais populosas e desenvolvidas. Uma das preocupações deste indicador reside no facto de, e crescentemente, os centros urbanos albergarem a maioria da população de cada país, esperando-se que, em 2050, cerca de 70% da humanidade viva em cidades. Ora, se são precisamente estes os sítios onde as diferenças são mais visíveis e que albergam a maior fatia da população mundial, parece urgente a criação de políticas que invertam esta tendência de exclusão social e que, ao invés, proporcionem a possibilidade, a todos os residentes, de viverem e conviverem em harmonia, escolhendo o local onde habitam, livremente e sem imposições relacionadas com o rendimento familiar ou o grau académico (o qual é encarado igualmente como um grande factor de diferenciação e discriminação).
Cidades como Copenhaga, Bruxelas, Paris e Santiago (no Chile) são algumas das que revelam as maiores diferenças entre os mais ricos e os mais pobres, nos respectivos países. As economias de aglomeração (caracterizadas pela concentração de empresas “semelhantes”, normalmente pertencentes ao segundo sector, num mesmo local), por exemplo, têm um papel bastante importante e podem ser vistas, por um lado como estímulos ao desenvolvimento social e, por outro, como um dos factores que mais contribuem para esta diferença.
[quote_center]“Não podemos abordar a habitação, os transportes e o desenvolvimento urbano de forma isolada”, afirma Angel Gurria, secretário-geral da OCDE[/quote_center]
É que, ao mesmo tempo que muitas das organizações – que normalmente têm as suas sedes e fábricas nas periferias – contribuem para o aumento da produtividade do país, empregam um grande número de trabalhadores e permitem o crescimento e alargamento das cidades, também colaboram com o aumento as desigualdades sociais, sendo claras as diferenças, em termos de rendimentos e também no que respeita ao nível de escolaridade, entre os seus trabalhadores e aqueles que, tendo um grau académico mais elevado, conseguem viver em locais mais atractivos e dispendiosos.
Contudo, é nas economias emergentes que os desafios se afiguram mais difíceis de ultrapassar, tendo em conta que se trata de países que registam níveis de desenvolvimento nunca antes vistos, mas cujas taxas de pobreza continuam incrivelmente elevadas. A América Latina, por exemplo, é uma das regiões mais urbanizadas do mundo, com 80% da sua população a viver nas cidades; contudo, a maioria da sua população (principalmente os jovens) continua a viver em condições de grande fragilidade económica. Também em África o número de pessoas a viver nas cidades tem aumentado a um nível sem precedentes; esta realidade obriga a que sejam feitos investimentos nestes centros urbanos em crescimento, preparando-os para albergarem os seus novos residentes, e pode ser encarada, por um lado, como uma oportunidade para promover a sustentabilidade e o crescimento do continente ou, por outro, como mais uma tentativa falhada (se os esforços não forem feitos).
Independentemente de estarmos perante as mais desenvolvidas cidades ou as mais ineficientes economias, a OCDE adianta que melhorar as condições de alojamento, garantir educação, promover o emprego e criar uma boa rede de transportes são os principais factores a ter em conta quando se pretende promover a igualdade social nas cidades. E, de acordo com o estudo apresentado, “as cidades são inclusivas quando todos os grupos da sociedade contribuem para criação de prosperidade e, ao mesmo tempo, partilham os benefícios desse esforço conjunto”.
Neste sentido, promover a educação, principalmente dos grupos mais carenciados, investindo no ensino pré-escolar e no ensino vocacional (com o principal objectivo de colmatar as necessidades locais), e investir na formação de adultos, incentivando-os a ter ideias de negócio que sejam localmente relevantes, são também algumas das recomendações sugeridas pela OCDE.
Complementarmente, estimular a existência de bairros “mistos”, no que aos rendimentos diz respeito, diminuindo as barreiras entre os mais ricos e os mais pobres e complementando este investimento com uma rede de transportes que permita que qualquer pessoa se movimente facilmente, entre os centros urbanos e as periferias, são outras sugestões da OCDE. Por fim, esta organização incentiva a criação e promoção de diversos serviços públicos, nomeadamente em termos de saúde, os quais são essenciais ao bem-estar de todas as pessoas.
Habitação, transportes e serviços devem andar sempre de mãos dadas
De acordo com o secretário-geral da OCDE, “não podemos abordar a habitação, os transportes e o desenvolvimento urbano de forma isolada”, ou seja, considerando uns e não os outros. “Dos Estados Unidos a França, do Chile à África do Sul, todos nós já testemunhámos a concentração de populações de baixos rendimentos em bairros que estão pobremente ligados às cidades principais e aos centros de emprego”, acrescenta. Por outras palavras, são visíveis as consequências negativas resultantes da concentração de cidadãos em bairros segregados e isolados, perpetuando as condições de precariedade em que vivem e impedindo o desenvolvimento de zonas que, por estarem afastadas do centro, acabam por ser “esquecidas”.
Por este motivo, Angel Gurría reforça que é necessário “identificar os ‘win-wins’ que consigam, em simultâneo, promover a inclusão e valorizar as pessoas, os lugares e os países, de modo a alcançar todo o potencial de produtividade” – e isto significa, em particular para as cidades, que se deve abordar adequadamente a segregação residencial e as fracas redes de transportes públicos, as quais em muito contribuem para “fechar” as pessoas, e também as empresas, em “armadilhas de baixa produtividade”, exacerbando as desigualdades. Para isso, o responsável pela OCDE defende que é preciso “alinhar as políticas nacionais, regionais e locais para garantir que todas as forças trabalham em conjunto e não de forma descoordenada”, sendo também importante estabelecer parcerias sólidas entre os governos e todos os stakeholders (incluindo empresas, organizações do terceiro sector, hospitais, universidades e os restantes elementos da sociedade civil), as quais são fundamentais para a promoção da inclusão e para o aumento dos níveis de bem-estar social.
[quote_center]Garantir educação, promover o emprego e criar uma boa rede de transportes são os principais factores a ter em conta quando se pretende promover a igualdade social[/quote_center]
De acordo com o documento apresentado, estas políticas devem ter em consideração as características específicas dos diversos bairros existentes nas cidades – incluindo o tipo de habitações e zona envolvente, e também a carência (ou abundância) de estabelecimentos comerciais, transportes e outros serviços – para que a intervenção possa melhorar toda a região urbana, sem a descaracterizar, e resultar numa verdadeira melhoria para o maior número possível de residentes.
Encontrar estratégias que promovam a participação pública, dando voz à população e estimulando o interesse dos cidadãos pelos locais onde vivem, é cada vez mais urgente. Para além de promover o interesse cívico, estas acções são importantes para o desenvolvimento económico e revelam ser uma chave importante para garantir a democratização e justiça social. Contudo, para alguns autores citados no livro, é necessário avaliar e controlar os parâmetros de envolvimento social, considerando que – contrariamente ao que se espera – o estímulo à participação cívica pode resultar no crescimento abrupto de diversos grupos economicamente mais fortes, tirando voz à população mais fragilizada e aumentando ainda mais as desigualdades.
Por fim, mas não menos importante, o documento sugere que seja feita uma procura massiva e constante de novas formas de financiamento – as quais são fundamentais para a concretização de muitos projectos, nomeadamente ao nível da habitação e dos transportes, que requerem um grande investimento. Entre outros meios, a OCDE sugere a criação de parcerias com vista ao co-financiamento, e também o recurso a filantropos locais e privados, a empréstimos bancários e a campanhas de crowdfunding. Complementarmente, o uso de tecnologias de informação e comunicação pode ser um forte – e económico – aliado à expansão de diversas oportunidades, à maior eficácia e eficiência de serviços (como a marcação de consultas sem os cidadãos necessitarem de se deslocar aos centros de saúde ou hospitais), e também à replicação de variados modelos e iniciativas, desde que com bons resultados, é claro, a centros urbanos que deles necessitem.
A promoção de emprego, educação, a criação de uma boa rede de transportes e a protecção do ambiente são os grandes eixos nos quais os governos devem actuar, independentemente da dimensão das cidades e das suas características mais específicas. Garantir que estas dimensões funcionam e são acessíveis à população, tanto para os mais ricos como para os mais pobres e tanto para os que vivem nos centros como para os que escolhem as periferias, é sinónimo de promover a inclusão social das cidades e, consequentemente, da maioria da população, a nível mundial.
No World Summit of Local and Regional Leaders, o secretário-geral da OCDE assumiu publicamente o compromisso de “continuar a ajudar as cidades a trabalharem em conjunto para superarem desafios comuns em matéria de crescimento inclusivo”, revelando-se empenhado em contribuir para uma sociedade e uma economia que dê a todos a oportunidade de alcançar o sucesso e sublinhando que “as cidades devem estar no centro desta luta [pela inclusão]”.
Jornalista