POR MÁRIA POMBO
Quando questionados acerca daquilo que desejamos e com que mais sonhamos, quantos não respondem automaticamente que procuramos ser felizes? Quantos não olham para a felicidade como o grande objectivo de vida? Quantos não a procuram nos pequenos detalhes e nos grandes acontecimentos? Diríamos, sem estatísticas que o comprovem, que uma esmagadora maioria.
E a verdade é que, nos últimos anos, o PIB tem vindo a deixar de ser a principal forma de medir a qualidade de vida da população, dando lugar a mecanismos que analisam os níveis de felicidade e a satisfação com a vida que os cidadãos revelam, em conjunto com a análise dos níveis de educação, desenvolvimento profissional, saúde e tempo de descanso.
Mas afinal o que é mesmo a felicidade? De acordo com a mais recente edição do “Global Happiness and Wellbeing Report”, apresentada recentemente pelo Global Happiness Council (GHC), este conceito é utilizado para “indicar várias experiências, estando muitas vezes associado a experiências emocionais como a alegria”. O documento explica ainda que esta é uma questão muito cultural e que “os cidadãos de diferentes culturas dão importância a diferentes elementos e têm noções distintas sobre a felicidade e o bem-estar”, dando o exemplo dos norte-americanos que associam a felicidade a entusiasmo e agitação ao passo que, para os japoneses, este conceito está muito mais associado a paz e tranquilidade.
Para além das questões culturais, os autores do estudo entendem que “a felicidade pode ser apenas utilizada para fazer uma avaliação mental da vida em geral”, explicando que “podemos descrever uma pessoa como ‘satisfeita’ com a sua vida e que isso, mais do que um sentimento momentâneo, reflecte um conjunto de avaliações sobre a sua existência, incluindo relacionamentos, trabalho e saúde”. E é a felicidade vista como um todo que é abordada no documento, existindo uma clara diferença entre a chamada “felicidade sustentável” (que é duradoura e abrangente e está relacionada com o “envolvimento em actividades e com a relação com familiares e amigos”) e a “felicidade momentânea” (que é feita de pequenos “momentos de diversão”).
É por esse motivo que a avaliação da felicidade está muitas vezes – e neste caso em particular – de mãos dadas com a análise do bem-estar, e inclui questões relacionadas com a alegria, o optimismo e a satisfação geral com a vida.
Promover a felicidade é muito mais do que promover a riqueza
Numa análise profunda e extensiva, o “Global Happiness and Wellbeing Report” deixa claro que a riqueza já não é suficiente para medir a qualidade de vida da população, sublinhando que alguns dos países mais desenvolvidos do mundo – como os Estados Unidos – têm-se tornado ainda mais ricos nos últimos anos, mas que isso não traduz os níveis de felicidade dos seus habitantes (já que estes são semelhantes ou até menores do que aqueles que se verificam em nações mais desfavorecidas), e que “as teorias de que se deve promover o crescimento económico para maximizar a felicidade já estão longe de serem as mais adequadas”.
De acordo com o estudo, promover a felicidade é muito mais do que promover a riqueza, estando a primeira intimamente ligada ao desenvolvimento de condições que estimulem a educação, a saúde (física e mental), o fortalecimento de laços entre as pessoas e o seu “apego” à comunidade onde vivem, a liberdade e a capacidade de seguir os sonhos, mas também com a honestidade e transparência das empresas e dos governos.
[quote_center]Os cidadãos de diferentes culturas dão importância a diferentes elementos e têm noções distintas sobre a felicidade e o bem-estar[/quote_center]
E os autores do estudo vão ainda mais longe, afirmando que “o modo como perseguimos a riqueza, actualmente, fomenta a destruição do planeta através do aquecimento global, do uso irresponsável da água e da poluição que retira a vida a milhões de seres vivos, todos os anos”, concluindo que “a actual abordagem ao crescimento económico ameaça a nossa própria sobrevivência”. Complementarmente, escreve-se que “a economia de mercado global é boa para produzir riqueza, mas não em distribui-la de forma justa ou como forma de proteger o meio ambiente” e que “a globalização acelerou o crescimento económico, mas também estimulou a destruição ambiental e as desigualdades”.
Mas então como é que se consegue alcançar a tão almejada felicidade? Fazendo uma síntese do que é abordado de uma forma mais profunda ao longo de todo o estudo, o capítulo dois explica de que modo é possível “abrir as portas à felicidade”, dando algumas lições sobre como ser feliz em diversas situações e ambientes, nomeadamente na saúde, educação, trabalho, a nível pessoal e nas cidades, apresentando ainda algumas políticas que devem ser postas em prática para que os cidadãos vivam melhor.
A primeira lição debruça-se sobre aquilo que deve ser feito para alcançar uma maior felicidade na saúde. A este respeito, o relatório explica que uma avaliação formal dos cuidados de saúde deve orientar a tomada de decisões e que, para além dos doentes, esta análise deve conter as necessidades e dificuldades dos cuidadores e familiares (que são, aliás, muitas vezes excluídos, apesar de nela desempenharem um papel fundamental). Para além disso, e já que a felicidade é, antes de mais, um estado mental, os autores do relatório sublinham que deve ser dada uma maior importância – que é o mesmo que dizer que deve existir um maior investimento por parte dos governos – precisamente à saúde mental e que devem ser melhorados os cuidados prestados a pessoas em fim de vida, com vista a diminuir, o mais possível, a dor e o sofrimento de quem se encontra nesta situação (e dos seus entes queridos).
Complementarmente, os autores do documento consideram que a saúde não deve ser vista de forma isolada, mas sim como uma questão abrangente, já que as medidas que se tomam em outras áreas de intervenção – como a educação, o saneamento e os serviços sociais – têm impacto, mais ou menos directo, na saúde e no bem-estar físico e psicológico das populações.
[quote_center]As teorias de que se deve promover o crescimento económico para maximizar a felicidade já estão longe de serem as mais adequadas[/quote_center]
Dedicada à educação, a segunda lição baseia-se num conjunto de casos de estudo feitos em diversas escolas e universidades de várias partes do mundo (como a Austrália, o México, o Peru e o Butão). Em termos muito simplificados, as conclusões das experiências revelam que uma ‘educação para a felicidade’ é aquela que permite que “cada pessoa cultive o melhor de si, prosperando e descobrindo o seu propósito de vida e o modo como consegue ser útil à sociedade”. Neste sentido, espera-se que as escolas e universidades consigam dotar os alunos de capacidades físicas e intelectuais para desempenharem bem a sua profissão, mas também se espera que estes sejam incentivados a dar o melhor de si e a descobrirem qual é o papel que pretendem desempenhar nas comunidades onde vivem. Para os autores do estudo, os alunos que usufruírem de uma educação positiva serão – desejavelmente – melhores gestores e irão desempenhar uma liderança positiva.
A importância de ser feliz no trabalho e na vida pessoal
E é sobre liderança – ou melhor, sobre trabalho – que se escreve na terceira lição deste estudo. Apesar do número crescente de relatórios que se dedicam a analisar a satisfação dos funcionários com a empresa, a sua produtividade, o número de unidades que vendem e a retenção de talento – que servem essencialmente para medir o desempenho da empresa –, os autores do documento afirmam que existe pouco material que se dedique especificamente a analisar a felicidade dos trabalhadores e a sua satisfação com a vida. Neste sentido, escreve-se que as empresas devem investir mais no bem-estar dos funcionários, estimulando a comunicação e a boa relação entre colegas e tornando mais atractivos e humanos os locais de trabalho. Uma outra estratégia que deve ser adoptada está relacionada com um maior equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, para que o trabalho seja encarado como algo positivo e não como uma mera forma de obter um salário ao fim do mês.
A felicidade pessoal é o tema da quarta lição apresentada neste segundo capítulo e foca-se essencialmente nas estratégias que podem melhorar o bem-estar da população, nomeadamente no que respeita a pensamentos felizes, interacções sociais, dieta e exercício físico, e por fim a catalogação e realização de listas de “coisas felizes” que acontecem na vida. O principal estudo de caso apresentado no documento é o programa “Enhance”, um curso que pode ser presencial ou online e que, em dez módulos, estimula a procura e a partilha de experiências positivas, como dar elogios, sentir e expressar gratidão, partilhar boas notícias ou aprender a ouvir os outros. Embora estes sejam exercícios aparentemente simples, os resultados traduzem-se em melhorias a nível físico e psicológico e a um claro aumento da felicidade geral dos seus participantes.
[quote_center]Para o futuro, espera-se que seja criada uma estratégia, a nível mundial e adequada a cada comunidade e segmento populacional, de promoção da felicidade[/quote_center]
O segundo estudo de caso apresentado diz respeito à introdução de medidas que promovem a inclusão de pessoas que falam línguas diferentes e que chegam de várias partes do mundo, numa clara tentativa de as integrar nas comunidades que as acolhem, estimulando a interacção entre todos e a partilha de experiências e culturas. No fundo, o estudo sugere que os decisores políticos adeqúem as suas estratégias às características específicas de cada comunidade, de modo a maximizar o bem-estar dos cidadãos que fazem parte delas.
Dedicado às cidades, e contendo aspectos como o contacto com a natureza, a mobilidade, a sustentabilidade, a cultura e a qualidade dos serviços, a quinta lição aborda questões como a confiança, a segurança, o custo de vida, a tolerância, a inclusão, a saúde e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, a economia e as competências, e a sociabilidade. Neste sentido, e com foco na criação de felicidade nos centros urbanos, os autores do documento não têm dúvidas de que é importante incentivar as pessoas a assumirem responsabilidades, referindo que esta é a única forma de construir comunidades bem-sucedidas.
A título de exemplo, foram reveladas algumas iniciativas que promovem o bem-estar das cidades e que podem ser replicadas em outras partes do mundo: na Dinamarca, por exemplo, tem sido dada uma grande importância às famílias; na Flórida, tem-se promovido a interacção entre vizinhos; e em Bogotá, a construção de uma ciclovia tem tido um grande impacto a nível social e tem apresentado benefícios para a saúde tendo em conta que estimula a actividade física. E estes são apenas três exemplos de cidades socialmente inteligentes e que utilizam métodos inovadores – e alguns deles bastante simples – para atender às necessidades das populações que vivem nos centros urbanos, melhorando assim os níveis de felicidade de uma grande percentagem da população.
Para o futuro, espera-se que seja criada uma estratégia, a nível mundial e adequada a cada comunidade e segmento populacional, de promoção da felicidade. Tendo em conta que, para os autores do estudo, a felicidade é muito mais do que um momento fugaz de alegria, as medidas devem ser adoptadas por todos os sectores e devem chegar a todas as pessoas de uma forma sustentável, contínua e consistente. Complementarmente, existe a ideia clara de que se devem replicar as boas iniciativas e de que devem ser criadas parcerias entre o Estado, as empresas e as organizações da sociedade civil, porque só um trabalho conjunto e estruturado se pode traduzir na verdadeira melhoria da qualidade de vida da população e no consequente aumento da felicidade e do bem-estar de todos os cidadãos, independentemente do país onde vivem.
Jornalista