Recentemente lançado, o livro “A Arte de Gerir Pessoas”,de Fernando Neves de Almeida, presidente em Portugal da Boyden-Global Executive Search, versa sobre o talvez mais popular tema da literatura de gestão: quanto melhor souber gerir pessoas, melhor líder será. O problema é saber qual a forma mais adequada de o fazer. Em entrevista, o autor discorre sobre alguns temas obrigatórios desta complexa forma de arte
POR HELENA OLIVEIRA

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Encarando a liderança como um processo contínuo de aprendizagem, sobre si mesmo [o líder] e sobre os que com ele trabalham, o presente livro pretende constituir, também ele, um guia prático de aprendizagem gradual – o autor aconselha a ler um só capítulo de cada vez, “treinando” e reflectindo sobre os seus ensinamentos – que conjuga as teorias do autoconhecimento, do comportamento e da motivação com questionários práticos e estudos de caso.

Explorando os conceitos mais amplos da liderança como chave para melhorar o desempenho das equipas, o autor apresenta ainda, no final do livro, um modelo operacional que permitirá ao leitor fazer o seu próprio diagnóstico enquanto líder e alterar ou aperfeiçoar os seus pontos menos fortes. O modelo, que o autor denominou de EDS – Energia, Desempenho, Satisfação – procura interligar o processo motivacional, permitindo o conhecimento mais aprofundado das variáveis controláveis, com vista a influenciar o resultado final. Chegar a bom porto nesta cruzada implica assim o Desempenho – enquanto variável que interessa às organizações – e a Satisfação – a variável que interessa às pessoas. Será o equilíbrio entre estes três elos da cadeia que farão do líder… um líder melhor.

No primeiro capítulo de “A Arte de Gerir Pessoas”, é colocada a “million dollar question” de qualquer estudo sobre liderança: se esta é inata ou se pode ser ensinada/aprendida. E refere que não existe o caso de “ou se é [bom líder] ou nunca se será”. Acredita mesmo que é possível transformar um mau líder num líder com as devidas qualidades?
A resposta a esta questão não é simples. Não pode ser respondida com um sim ou um não. A liderança, como refiro no meu livro, é um processo. Um processo que envolve três variáveis: o Líder, os liderados e a tarefa a desempenhar. Acredito que não é possível pôr qualquer pessoa a liderar qualquer grupo na realização de qualquer tarefa. Dito isto, é possível melhorar a capacidade de liderança de qualquer pessoa, dentro da restrição de liderados/tarefa com que a pessoa é confrontada.

Existe uma quantidade séria de mitos que induz, muita gente, a acreditar que os líderes famosos possuem características típicas dos “maus rapazes”. Os “grandes líderes” são manipuladores, autoritários e controladores. A seu ver, e ao longo das últimas décadas, até que ponto esta visão sofreu alterações?
Essa visão não sofreu alterações, nem, creio, alguma vez sofrerá. A história da humanidade está cheia de exemplos de diferentes tipos de líderes, com as mais variáveis características pessoais e morais. A sua questão prende-se mais com as pessoas estarem  mais ou menos atentas a essas características nos líderes, ou à questão da liderança moral. Creio que, actualmente, dado o maior mediatismo que a sociedade tem, a questão moral dos líderes parece ser mais relevante.

Refere também no seu livro a importância das diferentes inteligências com base nos estudos realizados essencialmente por Howard Gardner e Daniel Goleman e, sobretudo o sucesso deste último, com a introdução, em meado dos anos 90, do famoso quociente de inteligência emocional. A introdução do QE, até nos questionários de avaliação, constituiu uma enorme viragem na forma como se olhava para o sucesso mas, na altura, muito se falou também de líderes comprovadamente bem-sucedidos que tinham níveis baixos de QE. Quase duas décadas passadas, que relevância continuam a ter estas questões para as organizações?
A questão do QE, em meu entender, é central para a questão da liderança. A relevância deste tema é agora maior do que nunca, uma vez que a investigação tende a mostrar cada vez mais evidência dos aspectos relacionais e emocionais na tomada de decisão. Independentemente da qualidade moral do líder e da sua inteligência geral, quanto mais inteligente, emocionalmente falando (e sendo tudo o resto igual) maior a sua capacidade de liderança.

Em 2011, a HBR Press publicou e recomendou vivamente a obra do psiquiatra Edward Halloweel (SHINE: Using Brain Science to Get the Best from Your People, sobre o qual VER já escreveu), assente numa pesquisa iniciada pelo médico há 30 anos e que tenta responder a uma questão eterna da gestão de recursos humanos: como inspirar as pessoas a darem o melhor de si mesmas? Para o autor a resposta está no cérebro. Para si, onde melhor pode residir esta resposta?
Claramente dentro do cérebro. A neurociência tem dado passos imensos e que ajudam , sobremaneira, a compreender o comportamento das pessoas e o que o motiva. Liderança estratégica é exactamente  isso: conseguir utilizar todo esse conhecimento que a ciência nos proporciona para melhor liderar e gerir recursos humanos. E o tema é tão simples como saber o que fazer para tornar as pessoas mais felizes a fazerem aquilo que nós queremos que seja feito.

Dedica, no seu livro, um capítulo à motivação ou “a mola disparadora da acção”, como a denomina. Estamos cientes da sua importância mas e ao mesmo tempo, o ambiente de trabalho da actualidade está dominado por pressão, confusão e incerteza. E a questão central para os gestores continua a ser a forma de retirar o maior potencial possível dos seus colaboradores. Como é que se motivam colaboradores nesta era tão complexa?
Se quer uma resposta simples é dando-lhes um propósito; um propósito que vá para além da crise e da incerteza e que leve as pessoas a acreditar que vale a pena o esforço de ser bom.

Refere igualmente que situações de injustiça, falta de equidade e falha no desenvolvimento de uma cultura são os principais “sentimentos” negativos que uma pessoa pode desenvolver em relação à organização para a qual trabalha. Quando não se tem alternativa, o que fazer para (con)viver com este tipo de sentimentos?
Há sempre alternativa. Quanto mais não seja mudar de emprego. Quem quer verdadeiramente algo realista consegue. A acomodação nunca é uma boa estratégia; provoca neuroses e outras maleitas que trazem a infelicidade. Se não está bem, e não consegue mudar a situação, mude-se. É esta a minha mensagem.

Um dos temas que tem igualmente estado na moda, com inúmeros estudos e investigações científicas a ele associadas, prende-se com a questão de alguns dos melhores CEO do mundo (e líderes no geral) apresentarem alguns traços de psicopatia. No final do seu livro, opõe-se à famosa citação de Maquiavel “é melhor ser temido, do que amado”, invertendo-a. Na sua experiência enquanto consultor, e fazendo equivaler as características do líder ao sucesso da organização que lidera, quem mais ganha? O temido ou o amado?
É engraçado levantar esse tema. Já escrevi vários artigos sobre isso. Quanto à sua questão, a única coisa que lhe posso dizer é que depende. Depende da maturidade dos liderados e da situação. Se me perguntar se, como líder, se prefiro ser amado ou temido, respondo-lhe sem dúvidas que prefiro ser amado. No entanto, pode haver situações em que só se consegue liderar sendo temido.

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