Esta é uma pergunta que Ricardo Zózimo tem por hábito fazer aos líderes com quem trabalha. Estudioso da relação existente entre esperança, espiritualidade e ciência no trabalho, o professor da Nova School of Business and Economics afirma, em entrevista, que está cientificamente comprovado que “a Esperança influencia, sobretudo, a produtividade, o bem-estar, a retenção e a conexão com a organização”. O também investigador será um dos oradores no Congresso Nacional da ACEGE a ter lugar nos dias 28 e 29 de Março sob o tema “Construtores da Esperança”
POR HELENA OLIVEIRA
A seu ver, qual a relação entre a esperança e o trabalho?
A manifestação da Esperança no contexto do trabalho é um campo de estudo para várias ciências, como a psicologia, a sociologia e, claro, a espiritualidade. O que temos observado é que a Esperança é uma característica muito importante de locais de trabalho positivos, onde os trabalhadores se sentem apoiados e motivados. É neste contexto de trabalho que a Esperança se manifesta. É quase como se a Esperança fosse mais um verbo ou uma manifestação do que um conceito vago.
E como se manifesta?
Neste campo, a Esperança manifesta-se em três dimensões. A dimensão pessoal, a dimensão da equipa e a dimensão da empresa. Na dimensão pessoal é muito comum olhar para a Esperança, como uma combinação de dois factores, a agência e os caminhos colectivos: “eu tenho poder e controlo sobre o meu futuro” e a capacidade de construir caminhos colectivos, ou seja, “eu vejo o futuro nesses caminhos em conjunto com os outros”. Tal remete-nos para a segunda dimensão, a dimensão da equipa e da liderança. Muitas vezes pergunto aos líderes com quem trabalho se eles são injectores de Esperança ou se são sugadores de Esperança? Que tipo de Esperança é que eles partilham com as suas próprias equipas? Por último, os sistemas de Esperança que, nas organizações, valorizam tanto esta ideia de agência e de caminhos colectivos, como criam também sistemas de reconhecimento e de promoção que têm por base algumas das dimensões de Esperança. São estas três dimensões que, a meu ver, constituem a base da relação entre a Esperança e o trabalho.
São vários os estudos científicos que concluem que funcionários com níveis elevados de esperança tendem a ter mais resiliência e melhor desempenho no trabalho. Do ponto de vista da ciência, de que forma é que a esperança influencia a motivação e o desempenho profissional?
De vários estudos científicos que temos feito, observamos que a Esperança influencia, sobretudo, a produtividade, o bem-estar, a retenção e a conexão com a organização. Estes factos são baseados em estudos de grande dimensão realizados, por exemplo, pelo Gallup Group [v. artigo A Universalidade da Esperança”], ou feitos por um médico muito famoso da Harvard Business School, o Dr Groopman. Se eu tivesse de escolher, do ponto de vista científico, o número que mais me surpreende, optaria seguramente pela ideia da produtividade. A Esperança traz à organização uma produtividade acima da média, ou seja, trabalhadores esperançosos produzem mais do que trabalhadores sem Esperança. Parece uma coisa simples, mas os números dizem-nos que injectar Esperança numa organização pode trazer 14% mais de produtividade.
Está igualmente cientificamente comprovado que os líderes que transmitem esperança fazem a diferença no ambiente corporativo. De que forma(s)?
Já falei um pouco sobre a dimensão da liderança no desenvolvimento de equipas. Líderes que injectam Esperança nos sistemas das suas equipas, das suas organizações, são sobretudo líderes que sabem fazer três coisas: empoderar, ouvir e dar feedback construtivo. Estas três dimensões parecem simples, mas a verdade é que os líderes com Esperança são sobretudo aqueles que conferem a possibilidade às suas próprias equipas de descobrir novos caminhos e fazê-las correr para os atingir. E, por isso, esta personalização do caminho, este encontrar o caminho com cada um, é absolutamente crítico para que o sistema, como um todo, tenha Esperança.
A neurociência sugere que a esperança activa áreas do cérebro ligadas à motivação e à superação de desafios. O que nos pode dizer sobre esta “descoberta”?
O trabalho do cientista americano Doutor Groopman acerca deste tema mostrou-nos que uma atitude de Esperança transforma a química do cérebro, tornando os colaboradores mais adaptáveis, mais ágeis e, de certa forma, também mais resilientes à mudança. Esta investigação assenta na base da agilidade do conceito fundamental de Esperança. Algo que é especialmente importante tendo em conta o que se passa no pós-pandemia e na medida em que continuamos a tentar lidar com esta nova realidade.
Como podemos medir a esperança no ambiente corporativo e que indicadores poderão ser usados para avaliar a sua presença no interior de uma organização?
Eu costumo dizer que uma organização com Esperança, um local com Esperança, sente-se. E por isso, mais do que medir a Esperança, é preciso reconhecer a sua importância no contexto da organização e criar políticas remuneratórias que a valorizem. E isto passa sobretudo por actualizar as políticas da empresa em relação à Esperança, como um contexto central no seu propósito, ou seja, naquilo que a organização faz. Não podemos querer uma cultura de Esperança se, depois, não valorizarmos e não remunerarmos essa mesma cultura. E, por isso, mais do que medir, é preciso valorizar a Esperança mediante duas dimensões: que as pessoas consigam encontrar os seus próprios caminhos, a par da dependência colectiva que a permite ser encontrada em conjugação com os outros.
Enquanto professor e investigador, sei que tem estudado igualmente o papel da espiritualidade no local de trabalho. De uma forma geral, o que nos diz a ciência sobre este tema?
O que é interessante sobre o tema da Esperança é que tem sido visto e analisado sob a perspectiva de diversas ciências. O trabalho de R. Snyder, por exemplo, olha para a Esperança através de uma perspectiva psicológica, caracterizando-a através de uma matriz psicológica, mas que também tem impactos fisiológicos. Nesta linha também chamo para esta conversa o livro O Homem em Busca de Um Sentido, entre outros, de Viktor Frankl, que se foca muito na resiliência e na forma como a Esperança ajuda os seres humanos a aceitar situações inaceitáveis. A perspectiva da espiritualidade oferece a este debate visões diferentes. Neste caso é uma perspectiva que olha para a qualidade da relação com os outros e com o transcendente e como isso muda a forma de olhar desafios muitas vezes insuperáveis.
Existe um conflito entre espiritualidade e ciência na forma como ambas abordam a esperança no trabalho? Ou, pelo contrário, existe uma complementaridade entre ambas?
Claramente não existe conflito entre a espiritualidade e a ciência no que toca à Esperança. Existem, sim, visões complementares, visões que acentuam e iluminam diferentes partes do fenómeno. Acredito que uma perspectiva multidisciplinar da Esperança é mais rica e mais significativa do que uma perspectiva singular da Esperança. Chamo a atenção para a iniciativa “Creio na Universidade” organizada pela Pastoral Universitária do Patriarcado de Lisboa onde são convidadas 12 personalidades, figuras de relevo no contexto do Ensino Superior e da investigação científica em Portugal, para conversas abertas sobre a Esperança nas distintas áreas do saber académico. O que falta é uma maior complementaridade teórica do que é a esperança.
NOTA: A ACEGE irá realizar o seu Congresso Nacional nos dias 28 e 29 de Março sob o tema “Construtores da Esperança”. Caso esteja interessado em participar, consulte o programa aqui.
Editora Executiva