POR MÁRIA POMBO
“O comportamento humano é o resultado de 70% de emoção e 30% de razão”.
Esta é uma ideia presente num estudo apresentado recentemente pela agência Gallup, que apurou (com inquéritos realizados em 2016) as experiências positivas e negativas em 142 países, a nível mundial. Se até há relativamente pouco tempo, o Produto Interno Bruto era a principal – ou única – forma de “medir” a qualidade de vida dos cidadãos, mais recentemente têm vindo a ser realizadas análises que auscultam o estado de espírito da população relativamente a temas como a economia, a política e a sociedade, indo um pouco para além dos rendimentos e dos números.
De acordo com Jon Clifton, managing Partner da Gallup, “este estudo dá aos líderes uma ideia do grau de felicidade e bem-estar da população e quantifica ‘aquilo que faz a vida valer a pena’”. Através de diversas questões colocadas aos participantes, este estudo procura conhecer e compreender especificamente quais são as emoções positivas e negativas mais comuns em cada país ou região e por que motivo elas existem.
Entre as experiências positivas, os autores desta análise tentaram saber, por exemplo, se, no dia anterior ao questionário, os seus participantes sorriram, aprenderam alguma coisa interessante, foram tratados com respeito ou sentiram alegria. No geral, mais de 70% revelaram que, no dia anterior, se divertiram, riram muito e descansaram, e também que se sentiram respeitados. Contudo, apenas metade dos inquiridos revelou ter aprendido alguma coisa interessante.
[quote_center]Com 84%, o Paraguai é o país que apresenta a maior percentagem de experiências positivas, e o Iémen (com 51%) é aquele onde esta percentagem é mais reduzida[/quote_center]
Com 84%, o Paraguai – que já na edição anterior liderou esta parte da análise – é o país que apresenta a maior percentagem de experiências positivas, e o Iémen (que só conseguiu obter 51%) é aquele onde esta percentagem revela ser mais reduzida. Importa referir que, no estudo apresentado há cerca de um ano, a Síria foi a nação que alcançou a menor percentagem de experiências positivas mas que, devido a problemas de segurança, este ano não fez parte da análise.
Os países da América Latina lideram o ranking das experiências positivas, o que reflecte, em parte, uma tendência cultural que tem como base “aproveitar as coisas boas da vida”. O Uzbequistão, as Filipinas e a Noruega são as únicas nações que estão fora desta região e que também se encontram entre as dez mais positivas. Um dado curioso está relacionado com o facto de as pessoas da classe média-baixa revelarem experiências mais positivas que aquelas cujo rendimento é superior à média, estando este facto relacionado com a liberdade individual e com a presença e participação em redes sociais.
E é a falta de liberdade que também explica que os países que se encontram na base deste ranking sejam a Ucrânia, Iraque, Iémen e Turquia, já que são nações dominadas por conflito e privação das liberdades individuais. Deste grupo fazem ainda parte países como a Bielorrússia, a Lituânia, o Haiti e a Ucrânia, sendo a pobreza e a dificuldade em avistar um futuro melhor os principais motivos apontados pelos respondentes para justificar baixas percentagens de “experiências positivas”.
E se o copo meio cheio deste ranking revela que a grande maioria de inquiridos considerou que, no dia anterior ao inquérito, experienciou algo de positivo, o copo meio vazio indica que apenas 50% revelaram ter aprendido alguma coisa interessante. E se é verdade que houve uma evolução, comparando com a edição de 2012 do mesmo relatório (no qual a maioria dos inquiridos revelou não ter aprendido nada com interesse no dia anterior), também é verdade que este resultado ainda fica aquém do esperado.
Instabilidade aumenta a percentagem de experiências negativas
A segunda parte do estudo da Gallup é referente às experiências negativas vivenciadas pelos inquiridos. Globalmente, mais de um em cada três inquiridos sentiu preocupação (36%) e stress (35%), e 30% sentiram dor física. Complementarmente, 22% sentiram tristeza e 20% sentiram ódio ou ira. Uma outra conclusão está relacionada com o facto de a média (28%) de pessoas que tiveram experiências negativas não se ter alterado desde a edição do ano passado – sendo, contudo, superior à de anos anteriores. Com apenas 12%, o Quirguizistão é o país onde a percentagem foi mais reduzida.
Tal como se tem verificado em edições anteriores, a população dos países que lideram esta parte da análise vive em clima de instabilidade (nomeadamente em termos económicos e políticos), sendo que quase todos são repetentes face ao estudo do ano passado.
[quote_center]Globalmente, mais de um em cada três inquiridos sentiu preocupação (36%) e stress (35%), e 30% sentiram dor física[/quote_center]
Curiosamente, os autores deste estudo revelam que os países que apresentam as mais baixas percentagens de experiências negativas não são obrigatoriamente aqueles que revelam ter as mais elevadas experiências positivas. Ou melhor, dos países que registam as menores percentagens de experiências negativas, apenas um – o Uzbequistão – está no top 10 das nações que revelaram mais experiências positivas.
Com 58%, e de forma pouco – ou nada – surpreendente, o Iraque lidera este ranking pela quarta vez consecutiva, tendo feito sempre parte do grupo que apresenta os mais elevados níveis de experiências negativas, desde 2008. Este resultado justifica-se com o clima de violência que predomina naquele país, bem como com os problemas de saúde e as más condições em que vive a maioria da sua população. A maioria dos iraquianos sentiu preocupação (63%), dor física (60%) e tristeza (57%), e 49% dos respondentes revelaram ter estado zangados no dia anterior ao inquérito.
Contudo, os habitantes do Iraque não foram os únicos a sentir-se desta forma: metade dos iranianos e 47% dos sudaneses do Sul sentiram ira; já a dor física foi revelada por 59% da população da República Centro-Africana, do Sul do Sudão e do Togo; por fim, 55% dos liberianos assumiram ter sentido tristeza no dia anterior ao inquérito. E embora os iraquianos tenham revelado preocupação e stress, o estudo indica que não são o povo mais preocupado e stressado do mundo. Togo (com 71%) e a República Centro-Africana (com 72%) são as nações mais preocupadas deste ranking. Já em termos de stress, o lugar cimeiro é ocupado pela Grécia (com 67%), e as perspectivas indicam que esta percentagem tem tendência para aumentar, já que a taxa de desemprego (que é um dos motivos de inquietação) está situada acima dos 20%.
Em termos gerais e com mais “sins”, quer relativamente a experiências negativas quer no que respeita a sentimentos negativos, o Equador, El Salvador e a Libéria lideram o ranking. Desta forma, e como vem explicado no documento, estes são os países “mais emocionais do mundo”. No pólo oposto, a Rússia e a antiga União Soviética são os países menos emotivos, com percentagens abaixo dos 40%, quer para as experiências positivas, quer para as negativas. Em média, seis em cada dez respondentes referiram que no dia anterior experienciaram tanto coisas boas como coisas más no dia anterior.
[quote_center]Em termos de stress, o lugar cimeiro é ocupado pela Grécia, já que a taxa de desemprego está situada acima dos 20%[/quote_center]
Em suma, cerca de 70% da população dos 142 países analisados revela ter tido, num passado recente, diversas experiências positivas (como felicidade, alegria e respeito) e – felizmente – apenas 28% dos inquiridos anunciaram ter tido experiências negativas (como tristeza, stress e ira) no dia anterior ao inquérito. O terrorismo é um dos principais potenciadores de sentimentos negativos, e são os países que vivem em clima de conflito aqueles que dominam a o ranking de más experiências.
Mas se uma primeira análise revela que estes resultados são positivos, um olhar mais profundo indica que cerca de 30% da população mundial vive, em pleno século XXI, sob ameaça de guerra, com fome, com sede e sem acesso a educação, saúde e uma alimentação equilibrada. E isso de positivo tem muito pouco.
Terrorismo e imigração são um grande problema para os europeus
O terrorismo foi o mote para a conclusão do artigo, e é também sobre ele que versa um outro estudo, apresentado também pela Gallup e que, em 2016, auscultou mais de 500 pessoas em 14 países. Neste seguimento, e dada a onda crescente de terror, um pouco por toda a parte, os autores deste documento revelam que, para 66% dos inquiridos, “os actos de terrorismo praticados por não-residentes são um problema sério em cada país” e que, para 64%, também graves são os “actos terroristas praticados por terroristas residentes” em cada nação. Mais de metade (55%) dos respondentes revela que o actual nível de imigração é um problema sério e grave no seu país.
Para a população em geral, as políticas de apoio público anti-imigração podem ser uma forma de lutar contra o terrorismo, diminuindo-o. De facto, a tendência de a imigração ser encarada como uma ameaça tem vindo a crescer à medida que os ataques terroristas se intensificam e são mais frequentes. Malta é, sem sombra de dúvida, a nação onde esta opinião é mais elevada, com 86% dos inquiridos a considerarem que a imigração é um grande problema para o país, sendo que a média dos países analisados é de 55% – a qual corresponde exactamente à percentagem de portugueses que consideram a imigração como um problema.
Uma outra conclusão do estudo é que, para os inquiridos dos 14 países analisados, a relação entre terrorismo e imigração é independente do seu sentimento perante as minorias étnicas e raciais das comunidades onde vivem. Ou seja, o facto de os participantes na análise revelarem apreensão face ao terrorismo e à imigração não revela intolerância perante as minorias que vivem na sua área de residência.
Contudo, os órgãos governativos da União Europeia apelam a que a maioria dos Estados-membros aceite mais refugiados, de modo a aliviar o peso sentido pelos países de primeira linha, como Malta, Grécia e Itália.
Os receios provocados pelo terrorismo têm vindo a aumentar o número de partidos nacionalistas reaccionários em toda a Europa nos últimos anos, representando uma ameaça para a integração europeia e, em muitos casos, levando ao aumento do sentimento “anti-muçulmano”. Para os decisores políticos da UE, o medo dos ataques terroristas origina uma maior divisão e instabilidade, numa altura em que a solidariedade é extremamente importante em todo o território europeu.
Jornalista