O crescimento económico inclusivo e sustentável consiste num objectivo político fundamental tanto nas economias avançadas como nas emergentes, particularmente após o choque da pandemia de COVID-19 e em resposta à crescente crise climática. Os empregos que apoiam uma maior inclusão social e uma maior sustentabilidade ambiental serão fundamentais para a realização de uma visão de crescimento e desenvolvimento económico, bem como para atrair e reter talento para a concretizar. Todavia, a UNESCO projectou um défice de 20 milhões de professores para atingir o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável nº 4 – Educação de Qualidade – e a Organização Mundial de Saúde prevê um défice global de 15 milhões de profissionais de saúde até 2030
POR HELENA OLIVEIRA

No auge da pandemia, o valor dos empregos do sector social – aqueles que apoiam uma economia socialmente inclusiva – tais como professores, prestadores de cuidados e trabalhadores do sector da saúde, recebeu uma nova e merecida atenção. E é evidente que estas funções são cruciais para aumentar a inclusão, o funcionamento eficiente das nossas sociedades e a incorporação necessária da mobilidade social e da resiliência. No futuro próximo, é igualmente claro que a importância dos empregos do sector social será ainda maior à medida que as economias desenvolvidas e em desenvolvimento tiverem de enfrentar populações em crescimento e envelhecidas e os decisores políticos procurarem reforçar as infra-estruturas sociais.

Paralelamente, existe uma pressão crescente no sentido de uma mudança para economias mais “verdes” devido à crise climática e tendo em conta que as tensões geopolíticas crescentes incentivam os países a procurar uma maior independência energética a médio e longo prazo. Os empregos “verdes” – funções que apoiam economias mais ecológicas, tais como engenheiros ambientais e urbanistas – estão, portanto, também a aumentar em termos de importância e procura.

O Fórum Económico Mundial (FEM) em colaboração com a Accenture publicou recentemente um white paper intitulado Jobs of Tomorrow: Social and Green Jobs for Building Inclusive and Sustainable Economies, o qual dá continuidade à série Jobs of Tomorrow do FEM e que procura quantificar a necessidade de empregos sociais e verdes em 10 países até 2030, a fim de cumprir os objectivos de inclusão e climáticos. Trata-se de um apelo à acção para que os governos e as empresas dêem prioridade ao investimento nestes empregos, aos sistemas que garantem que os trabalhadores recebem salários justos e às competências necessárias para prosperar nestas funções.

Saber identificar as necessidades não satisfeitas de empregos sociais e verdes até 2030 ajudará a enfrentar os desafios sociais e ambientais

Como já referido anteriormente, a pandemia que assolou o mundo em 2020 e 2021 aumentou substancialmente o valor das pessoas em empregos sociais, como professores, cuidadores e profissionais de saúde. Os empregos sociais são cruciais para garantir o capital humano, permitindo a mobilidade social e reforçando a resiliência da sociedade, e a sua importância irá aumentar com o crescimento e envelhecimento da população mundial. Paralelamente, a crise climática está a tornar cada vez mais urgente a transição para uma economia verde, a par de tensões geopolíticas que reforçam a necessidade de avançar para fontes de energia mais sustentáveis.

Os empregos sociais e verdes poderão ajudar os países a melhorar a resiliência da sociedade e a cumprir os objectivos de redução das emissões. No entanto, existe actualmente um fosso entre os empregos sociais e verdes existentes na maioria das economias e o número de empregos sociais e verdes que poderiam ajudar os países a atingir as aspirações de inclusão e de redução de emissões em 2030. Esta diferença é designada no presente estudo por “necessidades não satisfeitas”.

Este relatório tem assim como objectivo identificar esta necessidade não satisfeita de empregos sociais e verdes em 2030 em 10 países. Ao calcular a necessidade, espera-se que as empresas e os governos recebam o apoio necessário para tomar decisões de investimento que garantam que a mão-de-obra esteja preparada para alcançar os resultados sociais e ambientais desejados. O documento estende ainda a sua análise calculando as necessidades não satisfeitas de empregos sociais e verdes, expandindo-a geograficamente para 10 grandes economias: Austrália, Brasil, China, Alemanha, Índia, Japão, África do Sul, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos.

Os empregos sociais são cruciais para garantir o capital humano e permitir um crescimento económico inclusivo

Três instituições sociais fundamentais – a educação, os cuidados de saúde e de assistência – constituem os principais elementos que permitem às pessoas criar capital humano, participar na sociedade e gerar progresso económico. Estas, por sua vez, geram mobilidade socioeconómica, permitindo que as pessoas melhorem os seus rendimentos ao longo da vida e entre gerações, tal como referido no Índice de Mobilidade Social Global do Fórum Económico Mundial.

Com as transformações demográficas a nível global, ou seja, com a população mundial a envelhecer e a crescer – é preciso não esquecer que somos já mais de 8 mil milhões de seres humanos – garantir uma infra-estrutura social adequada exigirá a expansão dos sistemas de educação, da saúde e dos cuidados prestados em particular aos mais velhos. Os empregos sociais são, assim, definidos como as profissões-chave no âmbito destes três sectores sociais fundamentais.

Os empregos sociais analisados e cuja necessidade crescente é analisada neste relatório incluem as seguintes profissões:

Trabalhadores de cuidados pessoais em serviços de saúde; Profissionais e Colaboradores de Enfermagem e Obstetrícia; Médicos, outros profissionais de saúde e associados; Técnicos de medicina e farmácia; Educadores de infância, Auxiliares de Educação, Professores do ensino básico e secundário, do ensino superior e do ensino profissional; outros profissionais de ensino; Gestores de serviços profissionais e Profissionais e Associados do sector da assistência social e do aconselhamento.

Nos 10 países estudados, estas funções empregam actualmente 11% da força de trabalho. No entanto, estão bem documentados os défices de talentos necessários nos sectores da educação, da saúde e dos cuidados sociais. Por exemplo, a UNESCO projectou um défice de 20 milhões de professores para atingir o Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 4 – Educação de Qualidade – e a Organização Mundial de Saúde prevê um défice global de 15 milhões de profissionais de saúde até 2030.

Para atingir os objectivos de inclusão e mobilidade social e a mobilidade social e de acordo com o FEM, estes países precisarão de mais de 64 milhões de empregos sociais – um aumento de 37%. No que respeita às principais conclusões, por sector, profissão e país, as necessidades não satisfeitas são maiores no sector da saúde, o qual requer 33 milhões de postos de trabalho adicionais. No entanto, os sectores da educação (21 milhões) e da assistência (10 milhões) também apresentam necessidades significativas não satisfeitas.

As profissões com as maiores necessidades não satisfeitas são as dos trabalhadores de cuidados pessoais nos serviços de saúde (18 milhões), as dos trabalhadores de cuidados infantis, auxiliares de professores e professores da primeira infância (12 milhões) e professores do ensino primário e secundário (9 milhões).

No que respeita aos 10 países analisados, as necessidades não satisfeitas da África do Sul estão no pódio, exigindo várias vezes mais o número de empregos face aos que tem actualmente. O Brasil e a Espanha são os segundos países com maiores necessidades não satisfeitas, com aumentos necessários na ordem dos 80%-90%.

Além disso, apesar das ligações bem estabelecidas entre o investimento em cuidados de saúde e melhores resultados sociais, económicos e no mercado de trabalho, estes têm sido negligenciados há já muito tempo. Paralelamente, as funções nestes sectores tendem a ser subvalorizadas e mal pagas, em muitos casos carecem de certificações profissionais e, em alguns casos, de formalização, reduzindo as oportunidades para os trabalhadores nestas funções e diminuindo a sua atractividade, apesar do seu valor para a sociedade.

Para quantificar as necessidades não satisfeitas, o presente relatório teve como objectivo determinar o número de empregos sociais que ajudariam os países a melhorar os seus níveis de mobilidade social até 2030, de modo a atingirem o mesmo grau de desempenho em termos de mobilidade social presentes num conjunto de países de referência que se destacam dos demais com instituições de ensino, cuidados de saúde e assistência de elevado desempenho.

Para esta análise, os países de referência considerados incluíram a Dinamarca, a Noruega, a Finlândia e a Suécia ou as quatro economias mais bem classificadas no Índice de Mobilidade Social Global do Fórum Económico Mundial. A densidade de empregos sociais foi calculada em relação à população relevante, por exemplo, x professores por cada 1.000 crianças ou x enfermeiros por cada 1.000 pessoas. Além disso, o crescimento total necessário no número de empregos sociais foi limitado de modo a reconhecer as restrições dos países em causa, tendo em conta tanto o emprego projectado como a população em idade activa em 2030.

Os empregos verdes são cruciais para uma transição económica que permita a sustentabilidade ambiental

Para cumprir os objectivos do Acordo de Paris – o compromisso de manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2ºC e prosseguir os esforços para o limitar a 1,5ºC – será essencial uma força de trabalho com competências verdes. Este relatório aplica uma definição de empregos verdes baseada em competências variadas. Alguns exemplos incluem competências relacionadas com o ambiente e a gestão de recursos, a ecologia e as energias limpas. A lista de empregos verdes que se segue representa as profissões com a maior proporção de posições que exigem competências verdes específicas:

Trabalhadores e operários agrícolas, florestais e da pesca; Profissionais da protecção do ambiente; Profissionais e consultores florestais e agrícolas;  Técnicos das ciências da vida; Planeadores urbanos e de tráfego; Gestores de produção nos sectores da agricultura, da silvicultura e das pescas; Profissionais associados à regulamentação da administração ambiental; Trabalhadores dos resíduos mineiros, pedreiros e gestores de minas; Trabalhadores do sector da construção civil e afins; Profissionais das ciências físicas e da terra; Engenheiros do ambiente, civis e químicos e Arquitectos paisagistas.

A força de trabalho verde é muito mais pequena face à dos empregos sociais, representando apenas 1% do emprego total nos 10 países. Para atingir os principais objectivos ambientais, estes países necessitam de mais 12 milhões, ou 66%, de empregos verdes. 

No que respeita às conclusões, por sector, profissão e país, destacam-se as seguintes:

O sector agrícola e florestal é o que tem o número mais elevado de necessidades significativas não satisfeitas (11 milhões), enquanto o sector das infra-estruturas (480.000), governo (160.000) e energia (50.000) também contribuem para as respostas em falta;

Apesar de o maior número de necessidades não satisfeitas terem lugar nos sectores da agricultura, florestas e pescas, as funções da construção ambiental (80.000) e os engenheiros ambientais, civis e químicos (70.000) também têm necessidades significativas por satisfazer;

A África do Sul, a China, o Reino Unido e o Brasil ocupam os lugares cimeiros do “ranking” das necessidades não satisfeitas de empregos verdes.

No entanto, todos os países terão de aumentar substancialmente a sua forças laboral verde para cumprir os objectivos ambientais.

Responder à necessidade de empregos sociais e verdes

Como visto acima, cada um dos 10 países abrangidos pelo presente relatório necessita de um aumento significativo do número de empregos sociais e verdes.

Se esse aumento for alcançado, estaremos efectivamente a contribuir para uma mudança no sentido de uma maior mobilidade social e a permitir uma adequada transição energética. A desigualdade e a sustentabilidade são questões importantes para os decisores políticos, para os líderes empresariais e para as populações a nível mundial, dando um impulso a investimentos adequados e direccionados para expandir os sectores social e verde, ao nível dos empregos associados, apoiados por políticas públicas e privadas de reemprego e de apoio à transição profissional.

Além disso, estas políticas terão de ser acompanhadas por iniciativas de formação, requalificação e reconversão profissional, bem como de medidas inovadoras de protecção social para garantir os meios de subsistência. Ao quantificar as necessidades não satisfeitas, este relatório pretende servir de apelo à acção para que as empresas e os governos invistam na criação de emprego e formação no sector social, a par da “ecologização” de todos os sectores, investindo no desenvolvimento de competências ecológicas e ajudando a preparar as indústrias e a força de trabalho para as exigências e os empregos de amanhã.

Em suma, para criar sociedades socialmente inclusivas e ambientalmente sustentáveis, os governos e os líderes empresariais precisam de facilitar maiores investimentos na criação de empregos que preencham as necessidades não satisfeitas em termos sociais e ecológicos. Tal requer uma abordagem multistakeholder em que as empresas, governos e sindicatos estejam alinhados numa nova visão para um futuro melhor do trabalho, centrado na criação de bons empregos e que apoie salários justos e transições dinâmicas de emprego.

Fonte: Fórum Económico Mundial

Editora Executiva