Estamos a pouco mais de uma década do prazo limite para o alcance e cumprimento dos 17 ODS definidos, em 2015, pela ONU, com o objectivo de promover um mundo mais inclusivo, respeitando os limites do planeta. E ao longo deste ano será analisado o percurso feito até então e serão definidas novas estratégias que ajudem a Terra a ser mais sustentável. Foi com foco na comunidade empresarial que o WBCSD apresentou recentemente um documento onde dá conta dos principais motivos pelos quais o sector privado se deve envolver ainda mais nesta causa que é de todos
POR MÁRIA POMBO

Quatro anos após o lançamento, pela ONU, dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e praticamente uma década antes do tempo limite para o seu cumprimento, é tempo de analisar os passos que já foram dados e as medidas que ainda devem ser adoptadas em prol do planeta e de todos os que nele habitam. 2019 surge assim como um ano fundamental para o desenvolvimento de medidas e para a criação de estratégias que promovam a sustentabilidade, sendo também um ano em que será avaliado o progresso em matéria de ODS e em que serão traçados novos caminhos para o seu alcance.

Este é um tema recorrente no VER e a verdade é que, entre os inúmeros documentos que temos vindo a analisar, existe uma ideia comum à maioria: a de que há ainda um longo caminho a percorrer para que se cumpra o ideal de que ninguém, em nenhum país do mundo, seja deixado para trás.

Sendo uma das principais entidades promotoras dos ODS a nível mundial, o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) actua em seis grandes áreas: economia circular (evitando o desperdício e promovendo a reutilização de materiais); cidades e mobilidade (promovendo o bem-estar da população através da criação de centros urbanos mais resilientes, saudáveis e limpos); clima e energia (combatendo as alterações climáticas e estimulando o uso de energias renováveis); alimentação, agricultura e água (procurando formas de produzir alimentos mais saudáveis e nutritivos sem desrespeitar os limites do planeta); pessoas (apoiando as organizações na promoção do bem-estar da população e incentivando-as a preocuparem-se com as necessidades e os direitos dos trabalhadores); e redefinição de valor (ajudando as empresas a avaliar o risco, a serem mais competitivas e colaborativas, e a encontrarem novas oportunidades de negócio).

E com o intuito de promover o maior envolvimento das empresas, levando-as a aceitar o desafio de se comprometerem com esta transição para uma economia mais verde e inclusiva, o WBCSD apresentou recentemente um documento onde divulga os principais temas e/ou motivos que pelos quais o sector privado se deve preocupar – e ocupar – com os ODS, em 2019.


Empresas devem comprometer-se ainda mais

O primeiro aspecto referido no documento é o de que este é um ano de balanço e avaliação do progresso que já foi feito e de tudo o que já foi (ou não) alcançado. Em Julho, irá decorrer uma reunião do Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável, na sede das Nações Unidas, que contará com a presença de representantes de 51 países que irão dar o seu parecer sobre os progressos já alcançados. “Capacitar as pessoas e garantir a inclusão e a igualdade” será o tema do encontro. E não restam dúvidas: a inclusão e a igualdade só serão possíveis se o sector público e o privado trabalharem em conjunto, pelo que a intervenção dos líderes empresariais não só é útil como absolutamente necessária.

Complementarmente, e em linha com o evento anterior, em Setembro deste ano irá realizar-se a SDG Summit onde será apresentada uma edição do Relatório Global de Desenvolvimento Sustentável, que dará conta dos progressos alcançados nos últimos anos, sendo ainda uma excelente oportunidade para que se renove o compromisso da comunidade internacional e reforçar a importância da sustentabilidade para o bom funcionamento do planeta.

De acordo com o documento – e esta é a segunda ideia apresentada – 2019 também será o ano em que se irá fazer uma análise detalhada do envolvimento das empresas nos ODS, ou seja, do tipo de estratégias e medidas mais sustentáveis e inclusivas que estas estão a adoptar, e de que modo é que isso afecta os negócios, os colaboradores e as comunidades.

Num relatório publicado em Setembro do ano passado, a Oxfam adiantava que a informação disponível pelas empresas em matéria de ODS continuava a ser escassa ou quase inexistente, representando isso uma verdadeira ameaça para o cumprimento dos objectivos definidos pela ONU. Por esse motivo, estão a ser preparados diversos eventos e documentos onde se pretende contrariar esta tendência e compreender qual é, de facto, o papel das empresas na promoção de um planeta mais sustentável. Adicionalmente, e também este ano, irá ser lançada uma nova edição da Aliança Mundial de Benchmarking, onde, através de diversos indicadores, será analisado o contributo do sector privado para a concretização dos ODS.

Para ajudar as organizações a fazerem o melhor possível pelo planeta, o documento apresenta um conjunto de ferramentas e recursos disponíveis, permitindo assim que os ODS sejam mais facilmente integrados na cultura e na estratégia de cada empresa.

O SDG Index & Dashboards, o World Bank Atlas of SDGs e o portal SDG Tracker são ferramentas que fornecem insights úteis e acessíveis sobre os principais desafios dos ODS em diversos pontos do planeta. Mas não são as únicas disponíveis. Adicionalmente, a SDG Industry Matrix e a biblioteca SDG Sector Roadmaps, do WBCSD, são também recursos que ajudam as organizações a determinar e a estruturar diversas acções de sensibilização para os ODS. Por fim, não podemos esquecer os inúmeros estudos e relatórios que já foram feitos neste âmbito e que permitem que o sector privado possa traçar um caminho mais consciente, definindo metas mais realistas para a promoção da sustentabilidade.

Para além do sector privado, o documento revela que a ciência é um apoio indiscutível para o alcance dos ODS, estando na base de diversas das metas que se pretendem atingir. O Global Warming of 1.5°C, um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), sobre o qual o VER escreveu, é um dos documentos referidos pelo WBCSD e que revela a urgência de se tomarem medidas drásticas que ajudem a que o aquecimento global não ultrapasse os 1.5ºC. Este relatório foi produzido por 91 cientistas de 40 países e demonstra que a ciência tem um papel crucial e pode dar um contributo crucial para o alcance dos ODS.

Complementarmente, já no início deste ano foi publicado o relatório EAT-Lancet report que apresenta algumas soluções para que possamos transitar para um sistema de produção e consumo de alimentos que seja mais sustentável e saudável. De acordo com o documento, é possível e necessário fornecer comida saudável a 10 mil milhões de cidadãos, até 2050 e sem desrespeitar os limites do planeta, reforçando que a agricultura e o sector alimentar deverá sofrer transformações consideráveis (começando-se desde logo pela redução substancial do desperdício e pela promoção de dietas mais saudáveis).

Por fim, a Organização Internacional do Trabalho tem também dado um contributo relevante, nomeadamente através do seu relatório sobre o Futuro do Trabalho, apresentando os passos que devem ser dados para criar oportunidades de emprego digno para todos os cidadãos a nível mundial.

Direccionando, uma vez mais, o seu discurso para as empresas, o documento do WBCSD revela que estas devem interpretar as informações que têm vindo a ser recolhidas e adoptar as estratégias que mais se adaptam à sua cultura organizacional, devendo esta estar cada vez mais alinhada com as metas previstas nos ODS.


Foco e financiamento são fundamentais para o alcance dos ODS

Apesar de ser já um lugar-comum, nunca é demais relembrar que as empresas (e os cidadãos em geral) devem ter metas e objectivos nos quais faz sentido canalizarem a sua acção e atenção, para que não se dispersem os esforços. E é por isso que em cada ano tem sido dada uma especial atenção a alguns dos 17 ODS em particular. E embora esta ideia pareça contrariar a de que os ODS se inter-relacionam todos uns com os outros e devem ser vistos em conjunto e não individualmente, a verdade é que se, a cada ano, os empresários e governantes voltarem as suas atenções apenas para alguns, resolvendo-os e promovendo o alcance das metas estabelecidas, é muito mais fácil que, em 2030, o trabalho esteja mais perto do fim, já que não existe tanta dispersão no caminho.

Em 2019, o Objectivo 13 (referente à acção climática) é, sem surpresas, um dos mais relevantes, sendo um dos principais temas de debate e análise dos eventos acima anunciados. “Reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados com o clima e as catástrofes naturais em todos os países, integrar medidas relacionadas com alterações climáticas nas políticas, estratégias e planeamentos nacionais, e melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas” são algumas das principais metas deste Objectivo.

O Objectivo 10 (sobre a redução das desigualdades no interior dos países e entre nações) é outro ao qual deve ser dado destaque particular. Aumentar o rendimento das famílias mais desfavorecidas, promover a inclusão social, económica e política de todos, e garantir a igualdade de oportunidades, eliminando leis e políticas discriminatórias, são alguns dos planos previstos no âmbito deste Objectivo.

O terceiro ODS a merecer relevo este ano é o 14 (relacionado com a protecção da vida marinha). A redução da poluição marítima, a protecção dos ecossistemas e a minimização dos impactos da acidificação dos oceanos são algumas das suas metas.

O último aspecto referido no documento do WBCSD é o mais relevante e aquele do qual normalmente todos tentam fugir: financiamento. Definido como “o elefante na sala”, este é, e obviamente, crucial para que as metas definidas possam ser aplicadas e, em última instância, para que a sustentabilidade possa ser garantida. De acordo com as estimativas da ONU, estamos a falar de um investimento global na ordem dos cinco a sete biliões de dólares por ano, esperando-se que pelo menos um bilião seja “alavancado” pelo sector privado. A parte boa, neste caso, é que o investimento feito terá, a médio e longo prazo, um retorno bastante significativo, nomeadamente por via da criação de postos de trabalho e pelo crescimento económico que resultará de toda esta acção.

Através deste documento (que no fundo se traduz numa wake up call às empresas), espera-se que o sector privado reforce ainda mais o seu compromisso com o alcance dos ODS, desenvolvendo mecanismos e fazendo investimentos que possam, de facto, melhorar e prolongar a vida na Terra. A praticamente uma década do prazo limite definido pela ONU, o sector público e o privado devem unir-se, aproveitando todos os recursos que cada um tem disponíveis para que, em 2030, os ODS não fiquem na história como mais um documento meramente repleto de boas intenções.

Jornalista