A intensidade da vida de Enrique Ernesto Shaw como homem e como empresário e a firmeza na aplicação prática da doutrina cristã e da sua própria Fé são uma profunda inspiração para qualquer leigo
POR JOÃO RODRIGUES PENA
Enrique Ernesto Shaw (1921 – 1962) nasce em Paris como um dos dois filhos de pais argentinos abastados, Alejandro Shaw e Sara Tornquist Altgelt. Em 1923 os Shaw voltam para a Argentina e dois anos depois a sua mãe Sara adoece gravemente. Antes de morrer, faz o marido prometer que a educação religiosa de Enrique seria confiada a um padre sacramentino. O pai de Enrique cumpre a promessa e matricula-o no Colégio de La Salle, em Buenos Aires, onde se destaca como um aluno excecional e muito religioso, nunca faltando à missa diária e recebendo sempre a Sagrada Comunhão.
No início da adolescência Enrique sonha com aventura e propõe-se ingressar na Escola Militar Naval. O pai opôs-se mas Enrique persiste e, aos 14 anos, começa a sua formação como cadete naval. Termina o curso como um dos três melhores da sua classe e o mais jovem Tenente a ser formado na escola desde sempre.
Ávido leitor, absorve desde muito jovem livro após livro sobre todos os assuntos mas nunca nenhum o arrebata até que, aos 16 anos, pega num livro sobre a Doutrina Social da Igreja. Sabia que tinha encontrado o tema que procurara. Chama a esse o momento da sua “conversão”.
Em 1943 apaixona-se e casa com Cecília Bunge. O casal tem nove filhos que o pai leva à igreja todas as semanas e ensina a importância do terço e de como o usar. A sua família seria sempre um refúgio “O meu pai estava sempre alegre em casa, dançava muito com a minha mãe e todos os dias o ouvíamos assobiar quando chegava” diz uma das filhas.
Dois anos depois, aos 24 anos, viaja aos Estados Unidos numa missão da Marinha argentina para estudar meteorologia. Ao chegar a Nova York, Shaw muda de ideias: durante a viagem de Buenos Aires aos Estados Unidos, tem várias conversas com o monsenhor Reynold Hillenbrand, de Chicago, que o faz ver que Shaw não de deveria ver como ” mais um trabalhador” podendo fazer uma diferença bem maior como um homem de negócios.
Junto com sua esposa, Sara Bunge, Shaw segue para Corning e passa um ano na indústria vidreira Corning Glass. No regresso, torna-se CEO da empresa familiar da sua mulher, a Rigolleau Glassworks.
Desde o início que Shaw estabelece na empresa um modelo de suporte inédito para os seus 3,400 colaboradores: um fundo de pensões, um sistema de saúde com serviços médicos e apoio financeiro em caso de doença e empréstimos para eventos importantes da vida, como casamento, nascimento e morte. E aplica na empresa a doutrina social católica no local de trabalho. E um modelo de relação inédito: “A minha relação com os trabalhadores é de grande intimidade – conheço cada um pelo nome e preocupo-me com o bem-estar das suas famílias”. Tinha sempre um caderno na mão para anotar pedidos específicos que um funcionário pudesse ter.
“Uma empresa é como uma comunidade de vida, uma realidade humana de trabalho que deve contribuir para unir e desenvolver as pessoas e contribuir para o bem comum da sociedade em que está inserida”. Hoje, não obstante a curta liderança de Shaw, ficaram as fundações e a empresa respira saúde: é considerada o centro da Capital Argentina do Vidro. e o seu valor triplicou nos últimos cinco anos.
Ao mesmo tempo, funda a Associação Cristã de Executivos de Negócios, torna-se um escritor prolífico, um dos fundadores do Movimento Família Cristã e serve como Presidente da Ação Católica Argentina
Em 1955 é preso como resultado da perseguição anticatólica do governo de Juan Perón. Mas até na prisão Shaw se destaca pelo seu altruísmo, oferecendo aos colegas de prisão comida e colchões que os seus parentes traziam para ele.
Em 1957, com apenas 36 anos, adoece com cancro e já com a doença avançada em meados de 1962 recebe uma transfusão de sangue doado por uma fila enorme de 260 trabalhadores da empresa. Já próximo da sua morte, despede-se dos trabalhadores agradecendo-lhes as dádivas de sangue: “Posso dizer-vos que agora quase todo o sangue que corre nas minhas veias é sangue de trabalhadores. Estou, portanto, mais do que nunca identificado convosco, a quem sempre amei e considerei, não como meros executores, mas também como executivos.”
Em 2021, quase sessenta anos após a sua morte, a Igreja Católica, com a luz verde do Papa Francisco, declara Shaw venerável, o que significa que ele está a dois milagres de ser declarado santo. Em 2015, numa entrevista à Televisa mexicana, Francisco falou sobre Shaw, dizendo: “Estou a levar por diante a causa da beatificação de um rico empresário argentino, Enrique Shaw – que era rico, mas que era um santo”.
“Pensamos mais nas pessoas do que na empresa?”, escreveu Shaw no quinto dos seus cadernos. “Ao lidar com os nossos colaboradores, somos, por exemplo, mais solidários? Deixamos de lado o ódio, mesmo por atos ou pessoas que, sem motivo, nos prejudicaram?” refletiu “Jesus, que tinha tanto para nos ensinar, disse-nos de Si mesmo: Aprendei de Mim, pois sou manso e humilde de coração”
Ernesto Shaw teve uma vida curta mas inspiradora e destaco três princípios do seu legado para ilustrar o título da nossa coluna, o impacto da fé cristã na criação e gestão empresarial:
- uma empresa é uma comunidade que devemos tratar com os princípios da doutrina social cristã e com o carinho com que tratamos a nossa família
- se o caminho da vida for de coragem e ambição seguindo a vocação que nos dita a Fé seremos sempre um farol de alegria e felicidade para nós e para todos
- Tanto quanto os seus conhecimentos, a felicidade espiritual na família e na religião cristã são os pilares do sucesso de um homem enquanto empresário
Outras figuras empresariais da História tiveram vidas exemplares que podem de igual forma reivindicar a para si um ou outro destes princípios. Mas é a intensidade da vida de Ernesto Shaw como homem e como empresário e a firmeza com que nunca vacilou na aplicação prática da doutrina cristã e da sua própria Fé, até na prisão, que o torna ainda hoje um caso à parte e a um pequeno passo de ser o primeiro empresário rico beatificado.
Engenheiro Civil com MBA por Wharton/NOVA e pós-graduação pela Harvard Business School. Depois de uma longa carreira em Consultoria de Estratégia concluida com o lugar de Presidente da AT Kearney Iberia, passa a focar-se no Desenvolvimento de Empresas Familiares, área onde tem sido cronista regular em vários jornais, conferencista e autor do livro “44250 passo até ao Cume”. É Cavaleiro da Ordem de Malta CGM e associado da CCIP e da ACEGE