POR MÁRIA POMBO
Índices de má conduta em mínimos históricos e denúncia de irregularidades em máximos igualmente históricos. Estão são os melhores resultados do mais recente estudo sobre “O estado da Ética & Compliance no Trabalho”, divulgado em Março último, pela Ethics & Compliance Initiative (ECI), que desde 1994 se dedica a esta auscultação.
Depois de quase 25 anos a analisar as perspectivas e percepções dos empregados sobre a ética vivida no ambiente laboral, a mensagem não mudou significativamente: se as empresas não promoverem a adoptarem uma boa cultura organizacional, o ambiente no local de trabalho tenderá a piorar, nomeadamente por via do aumento da pressão exercida sobre os trabalhadores para “cortar caminho” e da retaliação praticada junto dos mesmos. Na verdade, estes foram os dois indicadores que apresentaram resultados mais preocupantes na análise em causa. O documento foca-se essencialmente nos Estados Unidos, mas também apresenta alguns resultados a nível mundial e elege como “o pior do pior” os ínfimos progressos realizados pelas empresas para implementar uma estratégia adequada para reduzir as transgressões. Ou, e por outras palavras, se está comprovado que as más condutas diminuem significativamente quando a cultura da organização é forte, o número de empresas com este tipo de característica mantém-se inalterado.
Mas passemos às boas notícias. Os inquéritos realizados em 2017 e apresentados no documento revelam que as más condutas relacionadas com a violação de normas organizacionais ou legais diminuíram de 51% (apurados em 2013) para 47%, sendo que, desde o ano 2000, esta é a segunda percentagem mais baixa (em 2003 e 2011, a mesma foi de 45%). As acções negativas mais observadas – que quase não sofreram alterações entre um ano e o outro – incluem os comportamentos impróprios, o abuso da internet, os conflitos de interesse, violações ao nível da saúde e mentiras relatadas a empregados e stakeholders externos.
Segundo 67% dos inquiridos, as infracções no geral não consistiram em actos isolados, tendo seguido, ao invés, um padrão contínuo de “múltiplos incidentes”. Complementarmente, entre aqueles que denunciaram algum tipo de comportamento abusivo, 63% revelaram que o mesmo foi executado por parte das chefias ou de supervisores directos.
O facto de mais trabalhadores terem a coragem de denunciar uma conduta dolosa nas empresas onde exercem funções é outra boa notícia. Deste modo, em 2017 registaram-se 69% de queixas (mais 5% que em 2013), sendo este o valor mais alto desde 2000. A utilização indevida de informação confidencial (79%), os subornos (76%), os roubos (74%)e o assédio sexual (70%) foram os comportamentos mais denunciados.
Por seu turno, 16% dos trabalhadores (mais 3% que em 2013) sofreram uma maior pressão para violar as regras, uma tendência crescente desde 2009. Destes, 84% observaram uma conduta negativa “geral” na sua empresa, a qual é apontada apenas por 39% dos que não foram pressionados para contornar o sistema. Esta pressão cria um ambiente no qual as práticas duvidosas nas empresas tendem a ser mais bem aceites: 63% dos inquiridos assumem que essas más práticas são recompensadas, o que estimula o surgimento de mais infracções, sendo esta uma bola de neve que aumenta fortemente a corrupção praticada nas (e pelas) organizações.
Casos de retaliação contra trabalhadores duplicam
Em termos geográficos, foi na Indonésia (48%) e na Rússia (45%) que se observaram mais comportamentos impróprios, e foi no Japão e em Espanha que essa percentagem foi mais reduzida (apenas 15% e 20%, respectivamente). No que respeita à denúncia de más condutas, foi na Índia (com 82%) que se registou a maioria e na Rússia (com 37%) que a percentagem foi menor. Também a Índia (74%) foi o país onde se registou a maior percentagem de represálias relativamente a quem fez denúncias, sendo a China (com 29%) a nação onde as mesmas foram menos frequentes.
Entre aqueles que observaram más condutas mas não tiveram coragem de as denunciar, os principais motivos referidos foram o medo de que não fosse assegurada a confidencialidade da queixa (74%), a não-existência de uma medida correctiva (69%), o facto de a denúncia não poder ser feita anonimamente (64%) ou de os delatores poderem ser rotulados de “queixinhas” (63%). Em 12 países (de 18 observados), um em cada três trabalhadores assume não confiar na palavra do seu supervisor e, em metade das nações, um em cada quatro colaboradores revela que não ouve os gestores da sua empresa a falarem de integridade no local de trabalho.
[quote_center]As empresas podem reduzir o impacto negativo de forças externas, como a economia, tomando medidas que fortaleçam as suas culturas[/quote_center]
Uma outra má notícia diz respeito ao facto de a retaliação contra trabalhadores que reportaram transgressões ter duplicado face a 2013. E, contrariamente ao que a ECI vinha a observar em estudos semelhantes realizados anteriormente, em que o número de queixas e as retaliações aumentavam ou diminuíam conjuntamente, os dados para 2017 revelam que o nível de retaliação aumentou significativamente comparativamente ao número de queixas formuladas.
Igualmente grave e preocupante é o facto de a retaliação surgir, na maioria das vezes, poucos dias após a acusação em causa: a maioria (72%) dos trabalhadores revela que sofreu represálias três semanas após ter feito a primeira denúncia.
Quanto ao tipo de más condutas que níveis mais elevados de represálias geram, incluem-se a aceitação de presentes ou o suborno de funcionários públicos (83%) e as “contribuições” políticas inadequadas (62%).
O mais preocupante, e como a própria ECI sublinhou, é que se tem verificado um progresso muito pouco significativo no que à adopção de uma cultura ética diz respeito. Apenas um em cada cinco trabalhadores afirma que a sua empresa tem uma cultura em que as infracções éticas são reduzidas, e 40% acreditam que, na organização onde trabalham, a cultura ética é fraca ou muito fraca.
De acordo com o documento, “cultura é um termo que se define como um entendimento partilhado daquilo que realmente importa numa organização e de como se realizam as tarefas”, sublinhando que “em culturas fortes, as infracções são bastante reduzidas”. Deste modo, e comparando com os trabalhadores que se inserem em culturas fortes, o triplo daqueles que trabalham em organizações onde estas são mais fracas afirmam que já sentiram pressão para violar as regras e que já observaram condutas impróprias. Complementarmente, têm uma menor tendência para reportar condutas ilícitas e uma maior probabilidade de sofrerem represálias após comunicarem uma má conduta.
O estudo revela ainda que o bom ou mau “comportamento” no local de trabalho varia consoante as condições do mercado. Ou seja, em períodos em que o mercado está em queda, os trabalhadores sentem, geralmente, uma menor pressão para comprometer as normas, sendo esta muito maior à medida que a economia melhora. Segundo a ECI, “as empresas podem reduzir o impacto negativo de forças externas, como a economia, tomando medidas que fortaleçam as suas culturas”.
O passo-a-passo para uma cultura mais ética
Para além dos dados estatísticos, o documento “O estado da Ética & Compliance no trabalho” apresenta algumas recomendações para que as empresas possam implementar ou fortalecer uma cultura mais ética e que mitigue os comportamentos indevidos.
Às empresas que já têm implementados programas de promoção de boas práticas, a ECI sugere que “não dêem por garantidos os esforços já realizados”. Qualquer organização pode passar por épocas mais críticas e difíceis, e é precisamente em momentos de transição ou quando, por algum motivo, as circunstâncias em que a organização opera se alteram, que a má conduta tende a aumentar e a cultura estabelecida tende a deteriorar-se. A adaptação a novas realidades e a novos métodos de trabalho é lenta, e os gestores devem reforçar, continuamente, que a falta de integridade não é aceite na sua organização.
[quote_center]Está na hora de fazer da ética uma prioridade[/quote_center]
Uma outra ideia presente nas recomendações para os gestores que têm uma forte cultura ética está relacionada com o facto de estes deverem avaliar constantemente a qualidade e a eficácia dos seus programas de Ética e Compliance, integrando-os em todos os aspectos do negócio. Por fim, os líderes devem analisar e trabalhar, de forma contínua, a sua própria conduta, reforçando-a junto dos trabalhadores.
Para as empresas que ainda não implementaram um programa de ética ou nas quais o mesmo é débil, a ECI não tem dúvidas: “está na hora de fazer da ética uma prioridade”. Neste sentido, os autores do documento incentivam as organizações a elaborarem uma declaração de valores, definindo os padrões e as linhas de orientação das acções dos trabalhadores, em todos os departamentos da empresa. Complementarmente, devem ser definidas metas de desempenho para líderes seniores e gestores, as quais serão úteis para que estes possam promover e difundir os valores da organização, e reforçar a importância da opinião dos colaboradores.
Para além destas dicas mais simples, os autores do documento apresentam um “tool kit” elaborado pela ECI que pretende ajudar as empresas a dar os primeiros passos em termos de implementação e formalização do seu programa de ética e compliance. Trata-se de um guia muito completo que começa por compilar alguns dos termos relacionados com o tema da ética, com o intuito de retirar todas as dúvidas semânticas que possam existir nas empresas.
Nos restantes capítulos, os gestores aprendem a construir, passo-a-passo, um código de conduta. Para tal, são convidados a definir os valores com que mais se identificam e com que pretendem reger a sua empresa, e dispõem de variadas perguntas que devem fazer a si próprios (como aquilo que correu mal no passado e que pode ser melhorado, e os temas ou valores que ainda não são claros junto dos trabalhadores, por exemplo). Têm ainda acesso a um conjunto de passos que devem ser dados para criar um modelo que ajude todos os envolvidos – líderes e trabalhadores – a tomarem decisões mais éticas.
Por fim é apresentada uma cronologia que explica como é que aquilo que se entende por ética, e os seus principais desafios, tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo. Deste modo, e em jeito de curiosidade, a década em que nos encontramos é marcada pelo aumento da desconfiança nos Estados Unidos, mas também pelo aumento, sem precedentes, da diversidade no local de trabalho. Esta é também uma década marcada pela chegada dos millennials ao mercado de trabalho, o que originou inevitáveis mudanças, já que se trata de uma geração altamente movida pela tecnologia e ligada às redes sociais, que não tem o objectivo de se vincular a empresas nem de construir carreiras de sucesso, sentindo-se também bastante confortável com a diversidade e com ambiguidades éticas.
Neste sentido, as organizações devem, entre outras coisas, procurar a utilização adequada de “big data”, utilizar as redes sociais como ferramentas úteis à mudança positiva (promovendo o seu uso responsável no local de trabalho), identificar padrões e valores comuns em locais de trabalho cada vez mais diversificados, melhorar as suas estratégias de captação e retenção de talento e promover a sustentabilidade ambiental do seu negócio.
Não dispondo de conclusões propriamente animadoras, o estudo elaborado pela Ethics & Compliance Initiative demonstra que, embora exista um ligeiro declínio de transgressões no local de trabalho, ainda existe um longo caminho pela frente no que respeita à implementação de códigos de conduta e de programas de ética nas empresas, um pouco por todo o mundo. Numa época em que, aparentemente, a economia a nível mundial está a recuperar da sua mais recente crise, é importante continuar a promover a ética, evitando os elevados níveis de pressão que são exercidos, junto de muitos trabalhadores, para que estes violem as regras.
Jornalista