POR GABRIELA COSTA
A Católica Lisbon School of Business & Economics (CATÓLICA-LISBON) tem um novo Observatório, cujo principal objectivo é promover um maior conhecimento da sociedade portuguesa e dos fenómenos que a caracterizam. Lançado há dias, o Observatório da Sociedade Portuguesa (OSP) está integrado no Centro de Estudos Aplicados (CEA), unidade de consultoria nos domínios da Economia e Gestão da instituição e, através da colaboração e expertise de um conjunto de investigadores, fará uma análise sistemática “para recolher insights relevantes” que possam contribuir “para a evolução” das várias dimensões da sociedade nacional, “numa lógica de continuidade”, endereçando respostas a problemas concretos.
O OSP vai avaliar “os padrões organizados de relações” desenvolvidos pelos membros da sociedade portuguesa através da interacção mútua, e que envolvem “uma identidade nacional”. O desígnio de descrever e caracterizar a sociedade portuguesa será desenvolvido através do estudo e contextualização de fenómenos de interesse específicos, e da monitorização sistemática de aspectos sociais como o bem-estar e qualidade de vida, níveis de felicidade ou segurança ou características culturais, políticas e económicas da população.
Para tanto, o Observatório utiliza métodos de recolha de dados directos, através do Painel de Estudos Online da CATÓLICA-LISBON, e métodos de recolha de dados indirectos – por exemplo, estatísticas socioeconómicas, demográficas e de saúde disponibilizadas por entidades nacionais e internacionais.
Este conjunto de actividades será útil para compreender o impacto de certas questões económicas e psicossociais na sociedade portuguesa e, consequentemente estabelecer objectivos e orientações em investigação futura, com vista ao desenvolvimento de estratégias e políticas nacionais que contribuam para o progresso do país.
Assinalando o arranque da actuação do OSP, o Estudo de Satisfação e Bem-estar à Sociedade Portuguesa dá a conhecer indicadores gerais de satisfação dos portugueses em vários domínios do bem-estar, como segurança, saúde, relações pessoais, qualidade do meio local, sentimento de pertença à comunidade e nível de vida.
As principais conclusões deste estudo, realizado entre 23 e 27 de Outubro de 2015, junto de uma amostra de 996 indivíduos com idades entre 17 e os 72 anos de idade (dos quais 671 são mulheres e 755 têm mais de 25 anos), são positivas. Mais do que seria de esperar, no actual contexto: a grande maioria dos participantes revela sentir-se feliz ou extremamente feliz (72%) e estar satisfeito com a vida em geral (67%). Os jovens com menos de 25 anos são os que revelam maior satisfação, em geral. Um total de 62% concorda que as suas vidas se aproximam dos seus ideais. No que toca o estado emocional, 47% dos respondentes sentem-se felizes na maior parte doo tempo.
Quanto ao bem-estar, também uma percentagem considerável (65%) dos participantes sente que o que faz na vida tem valor e vale a pena; 55% estão satisfeitos com o nível de vida que têm e 61% sentem que pertencem à comunidade.
Já a segurança com o futuro, o equilíbrio entre tempo para trabalho e lazer, a realização pessoal dos indivíduos e o aumento de oportunidades para as pessoas mostrarem o seu valor são áreas com níveis mais baixos de satisfação e bem-estar: apesar de, no que concerne os vários domínios de bem-estar avaliados segundo a abordagem hedónica/pessoal, os níveis de satisfação serem de 80% na segurança, 79% na saúde ou 71% nas relações pessoais, por exemplo, somente 43% dos participantes estão satisfeitos ou totalmente satisfeitos com a segurança do seu futuro e 46% com a quantidade de tempo que têm para fazer as coisas que realmente querem fazer.
Em entrevista, Rita Coelho do Vale, co-autora do estudo e coordenadora do OSP, sublinha que é possível concluir, desta análise, que “uma larga percentagem dos inquiridos revela ser feliz, apesar de não sabermos exactamente quais as variáveis que geram este sentimento”. E apresenta o novo Observatório, antevendo o seu contributo para “ajudar a estabelecer objectivos e orientações para investigação futura”, em benefício do progresso nacional.
Como comenta os principais resultados deste primeiro estudo do Observatório da Sociedade Portuguesa, que revelam que a maioria dos portugueses está satisfeita ou totalmente satisfeita com os vários domínios de bem-estar e satisfação com a vida, nomeadamente em áreas pouco expectáveis, como a saúde ou o nível de vida?
Os resultados do estudo de satisfação com a vida e bem-estar dos membros da sociedade portuguesa revelam que os participantes estão maioritariamente satisfeitos com a vida, globalmente, concordam com várias medidas de bem-estar funcional e de auto-realização, e estão satisfeitos a nível de bem-estar pessoal. Estes resultados representam a avaliação da satisfação com a vida como um todo, possibilitando que cada participante integre e valorize domínios específicos da vida, da forma que melhor caracterize a sua condição. O nível de satisfação com a vida é também uma medida relacionada e complementar do grau de bem-estar.
Estes resultados podem causar alguma surpresa, face ao actual contexto europeu e nacional, e especialmente tendo em atenção o período de instabilidade política registada no mês em que o estudo foi realizado (Outubro de 2015), mas aparentemente a maioria dos participantes parece estar satisfeito com a vida, no global, e com a maioria dos tipos de bem-estar funcional e pessoal medidos. Isto não significa que os membros da sociedade portuguesa não possam apresentar níveis de insatisfação ou de baixa concordância em domínios específicos da vida e da sociedade, como por exemplo no domínio da saúde.
Aliás, conforme é sublinhado nos resultados do estudo, a realização pessoal dos indivíduos, o aumento de oportunidades para as pessoas mostrarem o seu valor pessoal, a segurança com o futuro e o equilíbrio entre tempo para trabalho e lazer, foram consideradas áreas com níveis mais baixos de satisfação e bem-estar, o que traduz uma possível necessidade de intervenção neste conjunto de tipos de bem-estar. Mas, de um modo geral, podemos dizer que uma larga percentagem dos inquiridos revela ser feliz, apesar de não sabermos exactamente quais as variáveis que geram este sentimento.
No actual contexto de instabilidade, quer a nível nacional quer europeu, que leitura terá o facto de 72% dos participantes afirmar sentir-se feliz a extremamente feliz? E o facto de os jovens serem o grupo que se manifesta mais satisfeito com a vida?
Os membros da sociedade portuguesa que colaboraram no estudo revelam níveis elevados de felicidade global, quando considerados todos os aspectos da vida. A felicidade é um estado emocional e de bem-estar que depende de vários factores, nomeadamente, sociais, psicológicos, e do próprio meio ambiente em que cada indivíduo se insere. Portanto, o facto de 72% dos participantes reportar sentir-se feliz a extremamente feliz traduz apenas o nível global de felicidade com os vários aspectos da vida, não permitindo a identificação de áreas específicas em que os indivíduos revelam níveis de felicidade ou de infelicidade mais elevados.
[pull_quote_left]O Observatório da Sociedade Portuguesa vai avaliar os padrões da sociedade que envolvem uma identidade nacional[/pull_quote_left]
Em relação à satisfação com a vida no geral, os jovens com menos de 25 anos de idade reportam um nível de satisfação com a vida superior ao reportado pelos jovens adultos de 25-44 anos e pelos adultos com 45 ou mais anos de idade. Este resultado é bastante interessante pois sugere que a idade representa um papel importante no nível de satisfação global dos portugueses com a vida.
Dado o actual contexto nacional, bem como os recentes problemas identificados a nível europeu, consideramos relevante explorar e aprofundar este tópico da felicidade e satisfação com a vida, de modo a identificar quais as áreas específicas que mais contribuem para os níveis de satisfação, felicidade e bem-estar reportados pelos inquiridos, bem como os domínios que os portugueses identificam como mais frágeis e que necessitam de maior intervenção. Em particular, será importante descrever estas áreas em grupos de indivíduos de diferentes faixas etárias, por modo a se poderem iniciar medidas adequadas de cariz social.
Como surgiu o projecto e que perspectivas têm para o novo OSP, cujo grande objectivo é aprofundar o conhecimento sobre a sociedade portuguesa, nas suas diferentes valências, e que contributo dá a equipa de investigadores do CEA / CATÓLICA-LISBON?
Nos últimos anos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), bem como outras entidades europeias, têm debatido a capacidade de algumas estatísticas macroeconómicas (como por exemplo, o Produto Interno Bruto) caracterizarem adequadamente uma sociedade, ou país, bem como de descreverem as condições de vida que as pessoas experienciam. Segundo estas entidades, a avaliação do impacto e desenvolvimento de uma sociedade/país requer não só a avaliação do funcionamento do sistema económico desse país, como ainda a medição e caracterização das condições de vida experienciadas pelos seus membros, incluindo o impacto do meio em que as pessoas vivem e a forma como estes indivíduos percepcionam as suas condições de vida.
[pull_quote_left]Os jovens reportam um nível superior de satisfação com a vida, o que sugere que a idade representa um papel importante a este nível[/pull_quote_left]
O Observatório da Sociedade Portuguesa surge como resposta à necessidade de estudar os membros da sociedade portuguesa numa perspectiva mais aprofundada e que, tal como sugere a Comissão Europeia, explore para além das usuais medidas de funcionamento do sistema económico do país, e desenvolva informação de qualidade que possa ser utilizada pela própria sociedade para produzir uma visão geral do contexto nacional.
Este Observatório conta com a colaboração de uma equipa de investigadores experientes do CEA e da CATÓLICA-LISBON. O contributo desta equipa é essencial para a recolha de dados de elevada qualidade a nível nacional o que, por sua vez, contribui para o aumento da quantidade e qualidade da investigação em Portugal, possibilitando um maior reconhecimento a nível internacional. Por último, os conhecimentos e informações extraídos dos estudos, através do contributo destes investigadores, serão fundamentais para ajudar a estabelecer objectivos e orientações para investigação futura em Portugal, ou noutra sociedade.
De que relevância se reveste, para o progresso e desenvolvimento sustentável do País, o estudo e consequente padronização da identidade nacional, a nível cultural, social, político ou económico?
Ao contemplar medidas de funcionamento do sistema económico do país e aspectos específicos das condições de vida das pessoas em geral, o OST irá permitir uma descrição e caracterização aprofundada dos membros da sociedade portuguesa ao longo do tempo, e em particular, possibilitará a obtenção de uma imagem mais autêntica, actual e progressiva das condições em que as pessoas vivem e da forma como estas as percepcionam e experienciam. Portanto, a caracterização da identidade nacional, a nível cultural, social, político, ou económico irá beneficiar deste projecto e dos seus resultados, pois será projectada através de medidas mais próximas e específicas da realidade nacional.
Deste modo, os resultados obtidos através dos estudos do Observatório tornam-se relevantes para a avaliação do progresso e desenvolvimento sustentável do país, pois permitem a criação e promoção de programas e acções nacionais mais adaptados e adequados à realidade portuguesa e às necessidades dos seus membros, possibilitando também a obtenção de melhores resultados na sociedade portuguesa a curto, médio e longo prazo.
Estado de burnout crescente entre trabalhadores portugueses
Ao contrário do estudo desenvolvido pelo Observatório da Sociedade Portuguesa, cuja amostra – incluindo 55% de participantes que estão ocupados profissionalmente (43% a tempo inteiro), contra apenas 23% desempregados e 16% que são estudantes – revela, por exemplo, que 59% dos trabalhadores a tempo inteiro estão “satisfeitos e/ou extremamente satisfeitos”, e somente 25% deste grupo afirma estar “nada e/ou pouco satisfeito com o trabalho”, um inquérito realizado a cerca de 5 mil trabalhadores portugueses em 2014/2015 indica que os portugueses experienciam cada vez mais sintomas de esgotamento face ao emprego.
Conduzido pelo psicólogo, ex-presidente da direcção da Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional e coordenador do Barómetro de Riscos Psicossociais, João Paulo Pereira, o estudo recentemente apresentado indica que o burnout – expressão que os especialistas utilizam para se referirem a esgotamento, cansaço extremo, stress acumulado, falta de realização e distanciamento emocional em relação ao trabalho – afecta, no referido período, 17,3%. Um valor agravado face ao primeiro “Relatório de Avaliação de Perfil de Risco Psicossocial – A gestão de Pessoas e Organizações Saudáveis” que, numa amostra alargada (abrangendo quase 39 mil trabalhadores portugueses) obtida através de inquéritos realizados entre 2008 e 2013, revelou que a percentagem dos que manifestavam sintomas de burnout, ou esgotamento, cresceu de 9%, em 2008, para 15%, em 2013.
O estudo comparativo mais recente indica ainda que, entre as 4729 pessoas inquiridas nos últimos dois anos, quase metade (48%) está sujeita a situações com elevado potencial de desenvolver burnout; as situações de stress afectam 86,1% (contra os 62% registados em 2013); e o sentimento de não reconhecimento aumentou para 87,4%, face aos 73% dos inquiridos que não se sentiam recompensados em 2013. De sublinhar que este último tópico do reconhecimento financeiro e social perante o trabalho comporta não só a remuneração como também prémios de produtividade e a afirmação do mérito, por parte das chefias, em função da performance do trabalhador, como disse recentemente à imprensa João Paulo Pereira. Na opinião do especialista, “um sistema de remuneração significativo [e que cumpra de forma abrangente estes factores], contribui para o desempenho” dos colaboradores, para além de revelar “quais são os valores da organização”.
Já em 2014, o também consultor da Mastering Jobs & People, que detém os direitos do Barómetro de Riscos Psicossociais, alertara para uma “degradação assustadora” dos indicadores de bem-estar no mundo laboral. Hoje, e perante uma taxa de burnout face ao trabalho de 17%, o psicólogo sublinha que a mesma não deveria ultrapassar os 7% a 9%, alertando, em declarações ao jornal Público, que, sendo os valores organizacionais um aspecto importante para o sucesso das empresas e dos seus colaboradores, “urge que se descubram as congruências entre eles, de forma a que o sentimento de identificação das pessoas com as organizações, e o consequente desenvolvimento de engagement, satisfação e redução de riscos, possam ser uma realidade.”
Jornalista