POR HELENA OLIVEIRA
Porque é um tema que a todos interessa, seja para as gerações que estão e ainda estarão no mercado laboral nos próximos anos ou para aquelas que as sucederem, as alterações no ambiente laboral, educativo, social e económico, muito graças aos avanços na tecnologia, mas não só, sofrerão alterações irreversíveis, sendo que não existe unanimidade, de todo, sobre se as mesmas serão mais ou menos benéficas para os trabalhadores.
Realizado de dois em dois anos, o Pew Research Center publicou, neste mês de Maio e em parceria com o Imagining the Internet Center da Elon University, um extenso inquérito e consequente análise intitulado The Future of Jobs and Jobs Training, o qual evidencia esperanças e desafios similares face a tantos outros que têm vindo a ser divulgados sobre esta mesma problemática e sobre os quais o VER tem vindo a escrever. A mais-valia deste extenso inquérito reside, todavia, num conjunto alargado de especialistas – cerca de oito mil – que comentaram os seus resultados e que, visto pertencerem a áreas distintas do saber, nos conferem uma potencial fotografia do que o futuro nos poderá trazer no que ao ambiente laboral diz respeito, em conjunto com as alterações que terão de ser realizadas nos processos educativos e formativos. Ente estes experts, encontra-se líderes de empresas como a Google ou a Microsoft, educadores do MIT, Harvard e outras universidades, bem como um conjunto díspar de pessoas com interesses relacionados com a Inteligência Artificial e o futuro do trabalho. Já da área “mais” tecnológica, participaram também neste painel cientistas da computação, investigadores de IA, mas também pessoas pertencentes a grupos de governança da Internet, “futuristas” e fundadores de startups.
Com cinco temas em destaque, três deles mais optimistas, os restantes dois mais pessimistas, o inquérito e subsequente relatório do Pew aborda duas grandes incógnitas: a primeira, “estarão os trabalhadores preparados para acompanhar o ritmo acelerado do ambiente tecnológico?” remete não só para as competências que serão mais valiosas no futuro, mas também para a forma como as mesmas poderão ser “ensinadas”, e a segunda, “será que o capitalismo de mercado vai conseguir sobreviver num ambiente económico profundamente aetardo” confere uma visão mais perturbadora das alterações identitárias e socioeconómicas que parecem inevitáveis face à trajectória que o progresso das tecnologias está a tomar (leia nesta edição: Como lidar com uma força laboral que se tornará irrelevante?)
Porque o estudo em causa é demasiado extenso, o VER dedica-lhe dois artigos nesta mesma edição, tentando sumarizar o mais importante das duas grandes incógnitas evidenciadas. O primeiro tem em conta a visão e respostas dos 1408 inquiridos, tendo como ponto de partida que 70% dos mesmos estão optimistas (se bem que em níveis distintos) face ao futuro do mercado de trabalho e, o segundo, e pegando nos 30% de pessimistas que estimam que a tecnologia e a automação irão “devorar” os empregos, privilegiará a subsequente análise dos especialistas que apontam os principais temores e ameaças que poderão comprovar este derrotismo. Muito que ler mas, e essencialmente, muito para digerir e pensar.
Como se educam as pessoas para um mundo crescentemente automatizado?
Nos próximos 10 anos, acredita que testemunharemos a emergência de novos programas educativos e formativos que poderão, de forma bem-sucedida, treinar números alargados de trabalhadores no que respeita às competências necessárias para levarem a cabo o seu trabalho no futuro?
Esta foi uma das questões colocadas aos 1408 inquiridos (e depois comentadas pelo painel de especialistas), coadjuvada ainda por um conjunto de subtemas que incluíram as seguintes perguntas: “quais são as mais importantes competências para triunfar na força laboral do futuro?”; “destas, quais as que poderão ser mais eficazmente ensinadas via sistemas online?”; quais as competências que encontrarão maior resistência num ambiente de aprendizagem em larga escala?” e, por último, “será que os empregadores irão aceitar candidatos que fizeram a sua formação online ou continuarão a optar por aqueles que são actualmente considerados como melhor qualificados por seguirem as vias tradicionais do ensino offline?” [de sublinhar que esta última incógnita prende-se com um paradoxo que estamos também a testemunhar: afirmam os entendidos que o sistema educativo terá, obrigatoriamente, de se adaptar para preparar os indivíduos para as alterações “maciças” no mercado laboral, aproveitando por isso os avanços recentes e a oferta de novas formas de aceder à educação e formação “virtual” – como por exemplo a explosão dos denominados MOOCs [Massive Open Online Courses] –mas tendo em conta o enorme preconceito que existe por parte da comunidade empregadora – e em muitos casos legítimo – face à eficácia destas formas inovadoras de formação e educação]
[pull_quote_left]As pessoas irão criar os trabalhos do futuro e não simplesmente obter formação para os mesmos[/pull_quote_left]Comecemos, então pelas competências que, em princípio, serão as mais cruciais para enfrentar o futuro automatizado, já bem desenvolvidas no artigo Um terço das competências fulcrais no presente será obsoleto em 2020, que o VER escreveu a partir de uma análise elaborada pelo Fórum Económico Mundial (FEM)e que é citada também neste estudo.
Assim e com base em várias análises feitas por entidades reconhecidas e que incluem como competência fulcrais, em particular, os talentos humanos que as máquinas não conseguem mimetizar, os respondentes acreditam que os trabalhadores do futuro deverão aprender a cultivar a criatividade, a explorar os ambientes colaborativos, o pensamento abstracto e de sistemas, a comunicação complexa e a capacidade para “triunfar” em ambientes adversos. A estas juntam-se ainda, e como detalha Simon Gottschalk, professor de Sociologia da Universidade do Nevada e para os “escalões mais elevados, a capacidade de um networking eficaz, saber gerir relações públicas, exibir sensibilidade intercultural” e, aquilo que o famoso Daniel Goleman apelidaria de “inteligência social e emocional”.
Na verdade, o que aconteceu com uma significativa percentagem de respondentes foi o facto de elencarem comportamentos, atributos e competências muito “humanos”na listagem das aptidões desejáveis para “competir” com as máquinas no futuro, uma ideia que tem vindo a ser repetidamente apregoada em diversas análises face a esta mesma temática e sobre a qual o VER também já escreveu no artigo Se não quer que um robot lhe roube o trabalho seja…humano.
Outros respondentes identificaram também as capacidades de liderança, de design thinking (tão na moda), de comunicação “meta-humana”, de deliberação e resolução de conflitos, em conjunto com a habilidade para motivar, mobilizar e inovar. E outros ainda mencionaram necessidades mais práticas que poderão ajudar os trabalhadores a médio prazo, tais como saber trabalhar com dados e algoritmos, implementar modelos 3D e operar impressoras 3D ou ainda ter a capacidade para executar as novas tarefas que estão a emergir nas áreas da inteligência artificial e da realidade virtual e aumentada. Como afirma, com optimismo, Jonathan Grudin, investigador principal na Microsoft, “as pessoas irão criar os trabalhos do futuro e não simplesmente obter formação para os mesmos, sendo que a tecnologia já é um elemento central, apesar do crescimento significativo do seu papel”.
[pull_quote_left]As principais competências para o futuro serão aquelas que as máquinas não conseguirão mimetizar[/pull_quote_left]Contudo, e comum a vários dos analistas inquiridos, é o facto de se esperar que o mercado da educação – especialmente o das plataformas de aprendizagem online – continue a desenvolver-se num esforço – gigantesco, sem dúvida – para acomodar todas estas necessidades mencionadas e disseminadas.
E se alguns prevêem que serão os empregadores a dar o primeiro passo para formar e (re)formar s sua força de trabalho, outros há que defendem que será necessária uma boa dose de “autodidactismo” e de disponibilidade do próprio trabalhador para se manter actualizado ao longo da vida, uma das “tendências” que caracterizará, indubitavelmente, o futuro daqueles que o querem manter. De qualquer das formas, este novo ecossistema de educação e formação emergente deverá, para muitos especialistas, “combinar” as instituições de educação formal e tradicional, e offline, com algumas mais-valias oferecidas online, ou por instituições com fins lucrativos, numa panóplia de ofertas gratuitas ou dispendiosas, que possam estimular e explorar os elementos das realidades virtual e aumentada, a sensibilidade para os jogos online e, sem dúvida, uma aprendizagem em tempo real, a qual será realizada em formatos que os trabalhadores deverão “perseguir” por si mesmos. Em harmonia está a ideia que os melhores programas educativos serão aqueles que ensinarão as pessoas a serem “estudantes para o resto da vida”.
[pull_quote_left]Cultivar a criatividade, explorar os ambientes colaborativos, o pensamento abstracto e de sistemas, a comunicação complexa e a capacidade para “triunfar” em ambientes adversos serão competências fulcrais[/pull_quote_left]Mas também nesta matéria as opiniões são divergentes. Por exemplo, o especialista em comunicação e em ensino à distância, Fredric Litto, da Universidade de São Paulo, está convicto de que estamos a atravessar “uma fase transitória na qual os empregadores estão, gradualmente, a reduzir os preconceitos que tinham na contratação de pessoas que optam pelo ensino à distância e a ‘moverem-se’ a favor deste tipo de ‘licenciados’ que, no local de trabalho, demonstram uma maior proactividade, iniciativa, disciplina, capacidade de colaboração” exactamente porque se habituaram a estudar online”.
O problema é que esta ideia não é defendida por muitos dos analistas consultados, antes pelo contrário, não só pelo tipo de desconfiança que continua a subsistir face a este tipo de ensino mas, e principalmente, porque para responder às necessidades que, estima-se, venham a ser uma realidade dentro de uma década, muito teria que mudar. E em particular para os mais reconhecidos peritos em tecnologia auscultados.
Um bom exemplo é a opinião de Jason Hong, professor associado na Carnegie Mellon University. “Existem dois componentes por excelência necessários para um novo programa de formação a esta escala: vontade política e uma plataforma tecnológica comprovada”, escreve. “Mesmo que existisse vontade política (e orçamento), não existe nenhuma plataforma na actualidade que seja capaz de formar, com sucesso, um conjunto alargado de pessoas. Os MOOC [Massive Open Online Courses] têm uma taxa elevada de desistência em conjunto com questões muito sérias relacionadas com a qualidade da instrução que oferecem. Existem também outros problemas tão básicos quanto a identificação dos candidatos que se inscrevem nos cursos. Ou, em suma, somos capazes de formar números reduzidos de pessoas (dezenas de milhar) anualmente através das faculdades comunitárias [ensino superior ‘profissionalizante’ em ascensão nos Estados Unidos] e dos sistemas universitários, mas provavelmente não muito mais”, remata.
Adaptação e automotivação
A capacidade de adaptação, a qual sempre distinguiu os “mais capazes” na batalha da evolução da espécie humana, continua a ser, e mesmo – ou principalmente – na era das máquinas, como uma das competências mais cruciais para o futuro, de acordo com muitos dos inquiridos e secundada pelo painel de especialistas.
Como se pode ler no estudo, “sermos capazes de no adaptar e responder a desafios ameaçadores foi considerado, pela esmagadora maioria dos respondentes, como uma das mais preciosas capacidades para se enfrentar o futuro do trabalho”. E, ao mesmo tempo, existe uma percepção generalizada de que as instituições humanas – governos, empresas e entidades educativas – não se estão a adaptar de forma eficiente “deixando-nos para trás”, com os programas académicos a mostrarem-se incapazes de fazer os ajustamentos necessários ao longo da próxima década para servirem as necessidades em constante mudança dos mercados laborais do futuro.
A título de exemplo, Barry Chudakov, fundador e responsável da Sertain Research and Stream Fuzion Corp, acredita que nos anos que se seguem serão as pessoas que estiverem à procura de emprego que irão redefinir o que significa ser um “estudante”, e em particular à medida que a educação online vai emergindo. Como declara, “a chave para a educação nos próximos 10 anos passará pela interiorização de que vivemos num mundo sem paredes – o que significa também que as paredes das escolas (físicas e conceptuais) têm de ser destruídas e nunca mais reerguidas. No futuro (idealmente) próximo, não poderemos segregar o ensino do trabalho, do pensamento do mundo real e do desenvolvimento. Todos estes elementos estarão entrelaçados numa teia de aprendizagem, realização, exposição, experiência de ‘mão-na-massa’ e integração nas vidas dos estudantes”, acrescenta ainda.
[pull_quote_left]A ideia de que os melhores programas educativos serão aqueles que ensinarão as pessoas a serem “estudantes para o resto da vida” reúne consenso[/pull_quote_left]Mas a capacidade de adaptação e de automotivação para este tipo de “aprendizagem sem fim” não é assim tão fácil de obter. David Bernstein, antigo director de investigação, também concorda que uma das mais importantes competências para se ser bem-sucedido no mercado de trabalho passará, sem dúvida, pela flexibilidade e pela capacidade de adaptação e da aprendizagem contínua. Mas, e como alerta, “a minha maior preocupação com a aprendizagem auto direccionada prende-se com o facto de a mesma exigir uma enorme quantidade de motivação interna, sendo que não estou certo que as pessoas encontrem o seu caminho, tal como os jovens que entram hoje para as universidades não sabem o que querem ser quando forem crescidos (…). Assim, todos continuarão a precisar de algumas competências básicas (comunicação interpessoal, aritmética, em conjunto com boas doses de cultura geral) para que possam encontrar mais facilmente essa flexibilidade (…). Apesar de qualquer criança de três anos conseguir, na actualidade, usar o smartphone ou o tablet dos seus pais sem precisar de ler o manual, o que me preocupa é de que forma é que se irão adaptar quando tiverem 35 ou 55 anos”.
Já Calton Pu, professor de software no Georgia Institute of Technology, opta pela termo “meta-competências” quando se refere à capacidade de nos adaptarmos às mudanças, recordando que foi esta a qualidade que distinguiu o Homo Sapiens das demais espécies através da selecção natural. E à medida que o ritmo da inovação tecnológica se intensifica, a força laboral do futuro terá de se adaptar a novas tecnologias e a novos mercados. Assim, serão os que melhor e mais rapidamente se adaptarem que serão os vencedores. “Esta visão significa que qualquer conjunto de competências se tornará rapidamente obsoleto à medida que as inovações forem provocando alterações nos vários sectores económicos: na agricultura de precisão, na produção 4.0, na medicina de precisão, entre muitíssimas outras”, diz. E acrescenta: “desta forma, o desafio não é apenas o de ensinar competências, mas o da adaptação e aprendizagem dessas novas competências. E resta saber se serão os programas tradicionais ou os novos programas que terão melhores resultados no que respeita ao ensino da aprendizagem adaptativa”.
[pull_quote_left]O desafio não é apenas o de ensinar competências, mas o da adaptação a essas novas competências[/pull_quote_left]Um problema adicional, também referido por muitos dos analistas convidados, prende-se, e como não poderia deixar de ser, com o facto de serem os “menos” educados e aqueles que possuem competências “menores” os que mais afectados serão pelo “desalojamento tecnológico”. Ou seja, a preocupação é a de que os meios online e as abordagens auto direccionadas constituam uma limitação na eficiência de alguns segmentos laborais, a não ser que sejam complementados por sistemas de apoio e por formadores humanos.
Já Beth Corzo-Duchardt, professora no Muhlenberg College assegura que “o estudo auto direccionado é uma variável que altera a alquimia do ensino e da aprendizagem”. E sendo verdade que muitos cursos online exigem uma enorme automotivação, nem todos os alunos estão preparados para os mesmos. “Os estudantes auto direccionados têm, na sua esmagadora maioria, uma excelente educação de base, bem como pais que os apoiam. Foram ensinados a pensar criticamente e sabem que o que é mais importante aprender é como aprender a estudar, sendo também provenientes de meios económicos privilegiados, Assim, não só o factor do auto direccionamento coloca um problema para o ensino em grande escala, como também perpetua as estruturas de desigualdade, as quais serão replicadas no futuro se confiarmos neste programas de ensino em larga escala”.
Apesar de intrinsecamente “humanos”, os atributos mais importantes não se ensinam facilmente
Como já anteriormente mencionado, dúzias de termos descritivos foram mencionados pelos respondentes no que respeita às competências, capacidade e atributos que serão mais valorizados no ambiente laboral que nos espera dentro de pouco menos de uma década. Aos já sublinhados, juntam-se a criatividade, a tomada de iniciativa, o pensamento multidisciplinar ou a empatia, os quais são específicos dos humanos e não conseguem ser replicados pelas máquinas.
Mas a verdade é que foram as denominadas “hard skills”, como por exemplo a programação, as que foram listadas como as mais fáceis de ensinar a um grupo alargado de pessoas numa plataforma digital em detrimento das “soft skills” – as humanas – apesar de estas serem cruciais na era da Inteligência Artificial e da robótica/automação.
Devin Findler, director de investigação do Institute for the Future previu: “à medida que a automação básica e o machine learning estão a caminho de se tornarem commodities, as competências exclusivamente humanas tornar-se-ão mais valiosas. E existirá um incentivo económico crescente para o desenvolvimento de formação em massa que permita desbloquear este valor”.
Opinião similar tem a arquitecta digital da Continuum Analytics, Susan Price, ao comentar que e de forma crescente” as máquinas irão desempenhar funções para as quais estão melhor ‘programadas’ do que os humanos, como a computação, a análise de dados e a lógica”. E também é por isso que as tarefas que exigem “inteligência emocional, empatia, compaixão, sentido crítico e discernimento ganharão terreno e serão cada vez mais valorizadas na nossa cultura”, acrescenta.
Ben Shneiderman, professor de ciências computacionais na Universidade de Maryland acredita que “os estudantes possam ser treinados para serem mais inovativos, criativos e precursores de ideias originais”. E, acrescenta, “apesar das competências de escrita, de oratória e da produção de vídeo continuarem a ser importantes, as que serão realmente fundamentais envolvem o pensamento crítico, a construção de comunidades, o trabalho em equipa, a deliberação/diálogo e a resolução de conflitos”. Ou, e por outras palavras, sublinha o professor, “uma estrutura mental que inclua a persistência e a paixão necessária para se vir a ser bem-sucedido será igualmente imprescindível”.
[pull_quote_left]A maioria das coisas que conseguiremos ensinar a um número elevado de trabalhadores, será similar ao que ensinaremos as máquinas a fazer, mas melhor[/pull_quote_left]
Como seria inevitável, e a par com o optimismo, está também o pessimismo. Um especialista em tecnologia, que não se identificou, comentou: “A programação e a resolução de problemas, e aprender a trabalhar com a inteligência artificial e com a robótica será cada vez mais importante e muitos trabalhadores serão substituídos por ‘colegas’ feitos de software e hardware”, acrescentando o que defendem muitos dos apologistas da ideia de que as máquinas irão devorar os postos de trabalho: “a automação irá reduzir a necessidade da força laboral actual e a divisão entre as classes alta e baixa continuará, também, a ‘comer’ a classe média”. Um outro respondente anónimo tem ainda uma visão mais negra: “ensinem mil milhões de pessoas a programar e acabarão com 900 milhões de programadores desempregados”.
Apesar de não se perceber o anonimato, também um determinado director de programação de uma grande organização tecnológica estima que iremos testemunhar uma “formação para empregos do passado e para vagas no sector dos serviços, mas o ambiente laboral do futuro não precisará de um número elevado de trabalhadores com um conjunto fixo de competências; por outro lado, a maioria das coisas que conseguiremos ensinar a um número elevado de trabalhadores, será similar ao que ensinaremos as máquinas a fazer, mas melhor”, remata.
Entre as diversas e múltiplas outras competências mencionadas encontram-se o pensamento orientado para os processos e para os sistemas, as competências jornalísticas [apesar de o ‘jornalismo normal’ – ou o que se limita a descrever factos ocorridos – estar já a ser automatizado], incluindo a pesquisa, a avaliação de múltiplas fontes, a escrita e o discurso; a compreensão de algoritmos, o ‘pensamento computacional’, o networking e a programação; a resolução de conflitos e a adequada tomada de decisão; a localização de informação num mar imenso de dados; o storytelling com recurso a dados e a “construção de influências e consensos”.
Adicionalmente, e sem causar grande surpresa, vários foram os especialistas que mencionaram que os jovens adultos precisam de aprender a interagir face a face, e não somente com dispositivos electrónicos.
Aprendizagem para a vida e desconfiança face à vontade política
Por último, e independentemente dos inquiridos não serem unânimes no que respeita não só ao ambiente que vigorará no futuro próximo e da potencial ocupação dos postos de trabalho por máquinas inteligentes, e tendo em conta também as diferenças de opinião face à formação que será necessária para os actuais e futuros activos, muitos foram aqueles que expressaram preocupação face à capacidade de se atingir os objectivos de formação identificados “a tempo” de os trabalhadores poderem retirar deles proveito e, mais importante que tudo, não perderem a sua actividade ao longo da sua carreira profissional.
“Tenho uma fé absoluta na capacidade de se identificar as lacunas do mercado de trabalho e no desenvolvimento de ferramentas capazes de as colmatar”, afirma Danah Boyd, fundador da Data & Society. “Mas tenho confiança zero na vontade política para se abordar os factores socioeconómicos que estão subjacentes a esta necessidade de formação”, acrescenta.
[pull_quote_left]O que está em causa não são simplesmente lacunas em termos de competências, mas sim a forma como devermos arquitectar o trabalho, os benefícios e as redes de segurança social[/pull_quote_left]
Boyd declara ainda que as empresas não pagam o suficiente pela formação contínua dos seus empregados e que os governos não têm capacidade de as taxar “ao nível que seria necessário em termos de investimento para se apostar nesta necessária (re)formação”. E, sublinha, “o que está em causa não são simplesmente lacunas em termos de competências, mas sim a forma como devermos arquitectar o trabalho, os benefícios e as redes de segurança social”.
Uma outra visão diferente tem ainda Baratunde Thurston, director no Media Lab do MIT que está seguro de que as rápidas alterações provocadas pelo progresso tecnológico significam que a educação terá de se estender para além das licenciaturas de quatro anos [nos Estados Unidos] nas universidades. “Estamos a criar um sistema de trabalho ‘sob encomenda’ e análogo ao trabalho ‘baseado na nuvem’, no qual as empresas provisionam os seus recursos laborais segundo a sua vontade, não em termos anuais ou mensais, mas por tarefa, unidade laboral, por períodos de tempo reduzido, até ‘ao minuto’”, acusa. “E se isto é algo absolutamente terrível, ‘sem alma’, provocando uma insegurança extrema na vida dos trabalhadores, desde quando é que alguém se preocupa com isso?”, questiona ainda, sem esquecer também que as grandes empresas, por seu turno, têm nas mãos a capacidade para conferir benefícios, desenvolvimento profissional e compensações, o que cria mais um patamar de desigualdade entre os trabalhadores.
Mas este é apenas mais um problema, entre tantos outros.
Leia também: Como lidar com uma força laboral que se tornará irrelevante?
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