À medida que nos aproximamos do fim da Década do Envelhecimento Saudável, é evidente que estamos a testemunhar uma transformação significativa no mercado de trabalho. Considerando que há uma previsão de crescimento do número de pessoas com 60 anos ou mais em 34% até 2050, podemos concluir que as organizações estão a ser confrontadas com mudanças profundas na gestão da força de trabalho. Imerso na complexidade da interseção entre ética e diversidade geracional no trabalho, o Fórum de Ética da Católica Porto Business School abriu espaço à reflexão e discussão sobre este importante tema, escolhendo-o como foco do seu Estudo e Conferência Anual.
POR HELENA GONÇALVES e SUSANA MAGALHÃES

Imerso na complexidade da interseção entre ética e diversidade geracional nas organizações, o segundo encontro anual do Fórum de Ética da Católica Porto Business School abriu espaço à reflexão e discussão sobre este tema importante, escolhendo-o também como foco do seu Estudo e Conferência Anual.

Neste artigo, vamos abordar o processo de conceção deste estudo anual, que culminou com o convite para a participação de todos os interessados no Livro Coletivo “Diversidade Geracional no Trabalho” e com a divulgação do relatório sobre o inquérito “Ética e Diversidade Geracional no Trabalho: Olhares de Quatro Gerações“.

Trata-se de uma temática essencial quer a nível internacional que no contexto nacional, incluindo o nível micro, no qual cada um de nós se insere a nível profissional, passando pelo nível meso da gestão e lideranças, e ainda pelo nível macro dos decisores políticos e das perspetivas e expectativas sociais.

À medida que nos aproximamos do fim da Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030), é evidente que estamos a testemunhar uma transformação significativa no mercado de trabalho. Considerando[i] que há uma previsão de crescimento do número de pessoas com 60 anos ou mais em 34% até 2050, podemos concluir que as organizações estão a ser confrontadas com mudanças profundas na gestão da força de trabalho.

Atualmente, as equipas de trabalho agregam frequentemente membros de três ou mais gerações, o que traz consigo uma variedade de abordagens e expectativas. No entanto, essa diversidade também pode dar origem a preconceitos baseados na idade, tanto a nível individual como institucional, exacerbando estereótipos e desafiando a gestão ética e de compliance.

Estudos como o Relatório Mundial sobre Idadismo[ii] da Organização Mundial de Saúde revelam que o preconceito contra os mais velhos é uma realidade global, com implicações substanciais no local de trabalho. A persistência destes estereótipos resulta numa discriminação significativa, com impacto na qualidade de vida e na satisfação com o trabalho. No entanto, há sementes de esperança que devem ser disseminadas. Relatórios como “Retaining Talent at All Ages”[iii], da OCDE, destacam os benefícios de uma força de trabalho multigeracional, incluindo o aumento da produtividade, maior retenção de talento e melhoria da estabilidade organizacional. E, à medida que enfrentamos o rápido envelhecimento da população e uma vida profissional mais longa, é fundamental explorar e aproveitar ao máximo o potencial de uma força de trabalho diversificada em idade.

Este apelo à retenção de talento em todas as idades e a necessidade de reimaginarmos o local de trabalho como espaço de inclusão e de respeito pela Pessoa motivaram o desenho e a implementação do nosso estudo. Reunimos os membros do Fórum para refletir coletivamente sobre os desafios e as oportunidades que a diversidade geracional representa, assumindo como objetivo a criação de ambientes de trabalho agregadores de todas gerações, capazes de prevenir a indiferença assinalada por Cecília Meireles no seu poema “Como se Morre de Velhice”:

Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)

Cecília Meireles, in ‘Poemas (1957)’

Na abertura da sessão do Fórum, houve espaço para revisitar o sentido do conceito de envelhecimento, permitindo mergulhar na essência do humano ao longo do seu percurso existencial:

Quando penso em envelhecimento, sinto tranquilidade, maior sabedoria e mais liberdade para partilhar quem sou e o que sei, mas também sou assolada por pensamentos angustiantes de perda, de finitude e de saudade. (Paula Mendes)

Reunimos várias palavras que foram registadas por escrito pelos membros do Fórum presentes nesta sessão:

Alguns testemunhos recolhidos previamente e partilhados em suporte vídeo serviram como post-its reflexivos para a discussão sobre os desafios éticos vividos por quem tem de liderar e de trabalhar com pessoas de diferentes gerações. Estes testemunhos foram objeto de reflexão pelos que estiveram presentes na sessão do Fórum, proporcionando diferentes olhares sobre a interseção entre vida profissional e pessoal e abrindo portas para repensar o passado, o presente e o futuro do mundo do trabalho, As experiências relatadas integraram diferentes perspetivas sobre a articulação de tempos e espaços no contexto profissional e pessoal.

Das reflexões partilhadas no decorrer desta sessão, foi possível identificar três dimensões-chave: percepções e preocupações das diferentes gerações sobre a convivência intergeracional; estereótipos e preconceitos baseados na idade; e preferências geracionais quanto ao modelo de trabalho e à própria organização. O inquérito construído pela equipa do Fórum teve em consideração estas dimensões, que se constituíram como os alicerces das questões abertas e fechadas. Destacamos ainda algumas ideias importantes que emergiram no decorrer da sessão e confirmadas no inquérito:

  1. A importância da convivência intergeracional: foi várias vezes assinalada a importância da passagem de conhecimento e aprendizagem entre diferentes gerações, de modo a permitir a preservação da cultura organizacional e estimular a inovação. Foi igualmente sublinhada a necessidade de criação de canais de comunicação abertos, bem como do desenvolvimento de carreira para todas as idades.
  2. O Impacto do desconhecimento sobre o idadismo: dado que o desconhecimento sobre o idadismo pode comprometer o reconhecimento de questões éticas associadas a este fenómeno, obstaculizando a reflexão e a identificação de más práticas, foi reiterada a importância da sensibilização e consciencialização, especialmente entre as gerações mais jovens.

3.Os desafios da idade como fator de tratamento desigual: salientou-se o impacto da discriminação baseada na idade na constituição de ambientes tóxicos para todas as gerações, resultando em falta de oportunidades de emprego e desrespeito pela dignidade de cada pessoa. Como linha de orientação, foram sugeridos modelos de gestão centrados na pessoa, criando espaços seguros, ancorados nos valores da confiança, da transparência e do respeito.

Desta sessão do Fórum, pudemos concluir que o inquérito e o livro coletivo poderiam responder à necessidade de repensar o futuro do mundo do trabalho, onde todas as pessoas se sintam valorizadas, independentemente da idade. No centro de nossa reflexão coletiva está o compromisso de criar um ambiente de trabalho caracterizado pela hospitalidade e pela inclusão de todas as pessoas, independentemente da idade, o que requer não apenas a passagem de legado de conhecimento entre gerações, mas também uma comunicação aberta e canais de aprendizagem bidirecionais.

Hoje, com o relatório do inquérito já concluído e com o livro coletivo em processo de construção, acreditamos que o Fórum de Ética está certamente a contribuir para a disseminação de reflexão e deliberação ética sobre o fenómeno da diversidade geracional em contexto organizacional.

Ilustraçâo: © Maria Sottomayor

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O valor da diversidade geracional, a partir de diferentes setores

[i] United Nations (2020). World Population Ageing 2019. Department of Economic and Social Affairs, Population Division.

[ii] OMS (2021). Relatório mundial sobre o idadismo. Organização Mundial da Saúde. Washington, D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde.

[iii] OECD (2023). Retaining Talent at All Ages, Ageing and Employment Policies. OECD Publishing, Paris.

Docente e coordenadora do Fórum de Ética da Católica Porto Business School

Susana Magalhães

Responsável pela Unidade de Conduta Responsável em Investigação do i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde