Há quase 20 anos que a Gallup começou a trabalhar para criar estatísticas globais relativas à forma como a humanidade se sente – no que respeita ao seu dia-a-dia, ao seu trabalho e à sua vida no geral. O relatório deste ano centra-se na felicidade das pessoas em diferentes fases da vida, mostrando que a relação que sabíamos existir entre a idade e a felicidade é muito mais matizada do que se pensava anteriormente estando esta, na verdade, a apresentar algumas mudanças. Particularmente importante é o facto de os índices de felicidade entre os jovens estarem a diminuir em várias regiões do globo
POR HELENA OLIVEIRA
O relatório anual que analisa a felicidade a nível global foi realizado por uma equipa da Universidade de Oxford, tendo em conta os dados recolhidos pela empresa norte-americana de estudos de mercado Gallup. Divulgada todos os anos para assinalar o Dia Internacional da Felicidade, a 20 de março, o ranking em causa resulta de uma parceria entre vários organismos, incluindo a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável, a Gallup e o Oxford Wellbeing Research Centre.
Habitantes dos 143 países incluídos no estudo avaliaram a sua vida, numa escala de zero a 10, em seis parâmetros distintos: apoio social, rendimentos, saúde, liberdade, generosidade e ausência de corrupção. E, pela primeira vez, o relatório separa a felicidade por grupos etários, desde os mais novos aos mais velhos a par dos que estão “no meio”. Em grande parte dos países incluídos na análise, a felicidade tem tendência a cair com o avançar da idade, mas há exceções, com uma preocupante queda dos índices de felicidade entre os mais jovens em algumas regiões do globo. Em 143 países, Portugal ocupa a 56ª posição. No fim da lista para 2024 está o Afeganistão, que – mais uma vez – foi considerado o país mais infeliz do mundo. A fechar a lista dos cinco países mais infelizes, encontram-se o Líbano, o Lesoto, a Serra Leoa e o Congo.
Em termos gerais e pelo sétimo ano consecutivo, a Finlândia assume-se como o país mais feliz do mundo. A lista dos 10 primeiros deste ano é semelhante às classificações anteriores de 2023, 2022, 2021, 2020 e 2019, com muitos dos países nórdicos nos lugares cimeiros. A Dinamarca voltou a ocupar o segundo lugar, seguida da Islândia (terceiro) e da Suécia (quarto). A Noruega ficou em sétimo lugar. De destacar que as notícias não são tão boas para os Estados Unidos – que atingiram um novo mínimo, tendo caído oito posições e situando-se agora em 23º lugar. Até mesmo países como a Costa Rica, o Kuwait ou a Lituânia – estreantes na lista dos 20 primeiros (v. Caixa) – ficaram em posições mais elevadas. E qual o motivo? A felicidade é menor nos EUA, especialmente entre os mais jovens. Já Portugal surge na 63.ª posição entre os países onde as pessoas em idade mais avançada são mais felizes quando comparadas com aqueles que estão nas primeiras três décadas de vida, um facto que merece reflexão.
Aliás, esta tendência é igualmente visível em várias outras regiões do globo: a felicidade e o bem-estar dos jovens diminuíram na América do Norte, na Europa Ocidental, no Médio Oriente, no Norte de África, e no Sul da Ásia, tendo, contudo, aumentado no resto do mundo.
Crianças e jovens menos felizes versus idosos mais felizes?
Desde sempre se acreditou que, e pelo menos no Ocidente, os jovens são os mais felizes entre todas as gerações e que a felicidade decresce depois até à meia-idade, seguida de uma recuperação substancial. Mas desde 2006-10, e como se pode ver neste estudo, a felicidade entre os jovens (com idades entre os 15 e os 24 anos) registou uma queda acentuada na América do Norte – ao ponto de os jovens serem menos felizes do que os idosos. A felicidade dos jovens também registou uma queda (mas menos acentuada) na Europa Ocidental.
Como se pode ler no relatório, verificou-se que uma série de factores explica as variações no bem-estar das crianças e dos adolescentes. Existe uma associação matizada com o estatuto socioeconómico, com ligações mais fortes à privação material do que ao rendimento familiar. As relações, tanto com os pais como com os pares, desempenham um papel substancial, e as escolas são consideradas domínios-chave onde as intervenções políticas podem ter um impacto significativo. Factores como o bullying e a ansiedade relacionada com a escola influenciam o bem-estar subjetivo, mas esta relação é incerta e varia consoante os grupos populacionais e os países. Outros factores influentes incluem aspectos relacionados com vários domínios da vida, incluindo a saúde, a atividade física, a utilização do tempo, a vizinhança, a segurança e os direitos das crianças. A maioria dos factores identificados na literatura são factores do ambiente próximo, como a família, a escola e a comunidade.
No que respeita particularmente aos jovens, existem outros factores que pesam nos seus índices de (in)felicidade, como sejam os efeitos perniciosos das redes sociais, o paradoxal, mas consequente aumento da solidão, a incerteza económica, as frágeis perspectivas de futuro, a ausência de habitação acessível ou a necessidade da emigração em busca de melhores oportunidades de vida.
Há também outros dados que mostram que as crianças estão a tornar-se menos felizes. “Reunindo os dados disponíveis sobre o bem-estar de crianças e adolescentes em todo o mundo, documentámos quedas desconcertantes, especialmente na América do Norte e na Europa Ocidental. Pensar que, nalgumas partes do mundo, as crianças já estão a viver o equivalente a uma crise de meia-idade exige uma ação política imediata”, afirmou em comunicado Jan-Emmanuel De Neve, diretor do Centro de Investigação do Bem-Estar de Oxford, professor de Economia e Ciências do Comportamento na Saïd Business School e editor do Relatório sobre a Felicidade Mundial.
A solidão foi outra grande tendência registada no relatório. “Há uma preocupação generalizada, especialmente nos Estados Unidos, sobre uma epidemia emergente de solidão e sobre as consequências da solidão para a saúde mental e física”, escreveram os autores do relatório. Curiosamente, não foram os residentes mais velhos que mais confessaram sentir solidão: “A solidão na América do Norte é quase duas vezes mais elevada entre os Millennials do que entre os nascidos antes de 1965”.
Outros dados indicam que o país mais feliz do mundo para pessoas com menos de 30 anos é a Lituânia e que a Dinamarca é considerada o melhor país para maiores de 60 anos. De acordo com o relatório, a população idosa é atualmente muito mais feliz do que os jovens em países como a Noruega, a Suécia, a Alemanha, a França, o Reino Unido e a Espanha. O contrário acontece em Portugal e na Grécia, onde os jovens residentes são mais felizes do que os mais velhos.
Em contrapartida, a felicidade em todas as idades aumentou acentuadamente na Europa Central e Oriental, pelo que os jovens são agora igualmente felizes em ambas as partes da Europa. Também na antiga União Soviética e na Ásia Oriental se registaram grandes aumentos da felicidade em todas as idades, enquanto no Sul da Ásia e no Médio Oriente e Norte de África a felicidade diminuiu em todas as idades.
No conjunto da Europa Ocidental e em termos gerais, a felicidade é semelhante em todas as idades, enquanto noutros locais tende a diminuir ao longo do ciclo de vida (com uma subida ocasional para os idosos).
Por estas razões, a classificação dos países por felicidade é muito diferente para os jovens e para os idosos. No que respeita às gerações, depois de ter em conta a idade e as circunstâncias de vida, os nascidos antes de 1965 têm avaliações de vida cerca de um quarto de ponto mais elevadas do que os nascidos depois de 1980.
Vejamos outros dados do relatório deste ano.
Mudanças na felicidade desde 2006-2010: por grupo etário
Os países da Europa Central e Oriental foram os que registaram o maior aumento da felicidade, com valores semelhantes em todos os grupos etários. Surpreendentemente e mesmo com o conflito na Ucrânia, os ganhos na Rússia foram metade dos registados. Também na Ásia Oriental se registaram grandes aumentos, especialmente entre os idosos. Em contrapartida, a felicidade diminuiu no Sul da Ásia em todos os grupos etários. Também diminuiu na América do Norte, especialmente entre os jovens, tendo igualmente diminuído no Médio Oriente e no Norte de África em todos os grupos etários. Na Europa Central e Oriental, os jovens estão agora tão felizes como na Europa Ocidental e, entre os idosos, o fosso entre o Oriente e o Ocidente é metade do que era em 2006-2010, embora ainda seja significativo (um ponto na escala de 0 a 10).
No que respeita às emoções negativas, estas são mais frequentes agora do que em 2006-2010 em todas as regiões, exceto na Ásia Oriental e na Europa. De facto, na Europa Central e Oriental, as emoções negativas são agora menos frequentes em todos os grupos etários face ao período 2006-2010. Em 2021-2023, as emoções negativas eram, em todas as regiões, mais prevalecentes nas mulheres do que nos homens. Em quase todas as regiões, a diferença de género é maior nas idades mais avançadas.
Também a frequência das emoções positivas mudou, em todas as regiões, desde 2006-2010 e na mesma direção que as avaliações da vida. Mas os padrões etários diferem. A frequência de emoções positivas em todas as regiões é mais elevada para as pessoas com menos de 30 anos, diminuindo depois gradualmente com a idade em todas os países analisados exceto na América do Norte, onde as emoções positivas são menos frequentes nas pessoas de meia-idade.
Benevolência por geração
A crise da COVID-19 levou a um aumento mundial da proporção de pessoas que ajudaram outras com necessidades de ordem variada. Este aumento da benevolência foi grande para todas as gerações, mas especialmente para os nascidos a partir de 1980, que se mostram ainda mais propensos do que as gerações anteriores a ajudar os outros.
Um outro dado interessante é o de que, em quase todas as regiões do mundo, os sentimentos de apoio social medidos de forma comparável são mais do dobro da prevalência da solidão. Tanto o apoio social como a solidão afectam a felicidade, sendo que o apoio social tem geralmente um efeito maior. As interacções sociais de todos os tipos também contribuem para a felicidade, para além dos seus efeitos se manifestarem através do aumento do apoio social e da redução da solidão.
Bem-estar na infância e na adolescência
Como já enunciado anteriormente, na maioria dos países a satisfação com a vida diminui gradualmente desde a infância, passando pela adolescência, até à idade adulta. Globalmente, os jovens entre os 15 e os 24 anos continuam a registar uma satisfação com a vida superior à dos adultos mais velhos. Mas esta diferença está a diminuir na Europa Ocidental e inverteu-se recentemente na América do Norte devido à diminuição da satisfação com a vida entre os jovens. Pelo contrário, na África Subsariana, a satisfação com a vida aumentou entre os jovens.
De um modo geral, a nível global, os jovens entre os 15 e os 24 anos registaram uma melhoria da satisfação com a vida entre 2006 e 2019, tendo este valor mantendo-se estável desde então. Mas o quadro varia consoante a região. O bem-estar dos jovens diminuiu na América do Norte, na Europa Ocidental, no Médio Oriente e Norte de África e no Sul da Ásia. No resto do mundo, aumentou.
Relativamente às idades mais jovens (10-15 anos), os dados são limitados. Nos países de elevado rendimento, a satisfação com a vida diminuiu desde 2019, especialmente para as raparigas. Nos países da Ásia Oriental, a satisfação com a vida aumentou em 2019. Antes de 2019, os dados sobre as tendências são mistos.
As raparigas apresentam uma satisfação com a vida inferior à dos rapazes por volta dos 12 anos de idade. Este fosso aumenta aos 13 e 15 anos, e a pandemia ampliou a diferença. Estes pontos aplicam-se apenas aos países de elevado rendimento, uma vez que os dados relativos a estas idades jovens raramente são recolhidos noutros locais. Relativamente às idades entre os 15 e os 24 anos, os dados globais não revelam diferenças de género entre 2006 e 2013. No entanto, a partir de 2014, as mulheres começaram a reportar uma maior satisfação com a vida do que os homens, embora a diferença tenha diminuído após a pandemia. Esta diferença global entre os géneros oculta as diferenças regionais e é mais acentuada nos países com rendimentos mais baixos. Não existem diferenças de género nos países de elevado rendimento.
Associações entre bem-estar e demência
À medida que a população mundial de adultos mais velhos aumenta, prevê-se que o número de casos de demência a nível mundial cresça também. A demência está associada a uma redução da qualidade de vida e do bem-estar, pelo que a sua prevenção é fundamental para manter o bem-estar de uma população global em envelhecimento.
Até ao ano de 2050, a Organização Mundial de Saúde estima que a população global de pessoas com 65 anos ou mais irá duplicar, prevendo-se igualmente que o número de pessoas que vivem com demência chegue aproximadamente aos 139 milhões de casos.
Um conjunto crescente de evidências sugere que o bem-estar pode ser um alvo promissor para os esforços de prevenção da demência, dadas as suas associações com uma melhor saúde cognitiva e um menor risco para este tipo de doenças do foro mental. No entanto, a ciência da prevenção deste tipo de enfermidades está ainda muito longe de prevenir muitos casos, sendo também crucial avaliar e implementar estratégias para apoiar o bem-estar das pessoas que vivem com demência, bem como o dos seus cuidadores.
De acordo com o relatório em causa, mais de uma década de investigação demonstra que as pessoas com maiores níveis de bem-estar têm menos probabilidades de desenvolver demência. Estes estudos definiram o bem-estar de formas muito diferentes, incluindo experiências emocionais positivas, avaliações cognitivas da satisfação de uma pessoa com a sua vida e a sensação de que a vida tem um propósito ou significado. No entanto, uma meta-análise recente sugere que a associação entre bem-estar e demência pode ser mais consistente para alguns tipos de bem-estar, como o sentido de propósito, do que para outros, como o afecto positivo. Estudos anteriores sugerem que o bem-estar pode proteger a saúde através de vias sociais, comportamentais e biológicas, e mecanismos semelhantes podem associar o bem-estar a um menor risco de demência.
Por exemplo, a investigação sugere que o bem-estar promove o envolvimento social, que é fundamental para apoiar o funcionamento cognitivo e prevenir a demência. Um maior bem-estar apoia também comportamentos de saúde positivos que são benéficos para a saúde cognitiva e cerebral, tais como uma maior atividade física e a abstinência do tabaco. Finalmente, a investigação sugere que um maior bem-estar está associado a um melhor funcionamento cardiovascular que, por sua vez, reduz o risco de demência.
Assim, níveis mais elevados de bem-estar prévio têm sido fortemente associados a um menor risco de demência futura, sugerindo que o aumento do bem-estar pode ser uma abordagem não farmacológica promissora para a prevenção da demência. Entre os indivíduos que vivem com demência, há mudanças ambientais e actividades que demonstraram melhorar o bem-estar.
CAIXA
Os 20 países mais felizes do mundo
- Finlândia
- Dinamarca
- Islândia
- Suécia
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- Noruega
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