No mundo agitado e hiperligado da actualidade, ir de férias deixou de constituir o simples acto de fazer as malas e partir, deixando que o lazer e o descanso se apropriem das nossas mentes. São cada vez mais os motivos que no impedem de descansar verdadeiramente, algo absolutamente crucial para a nossa saúde física e mental, bem como para a produtividade necessária para cumprir as nossas obrigações laborais ao longo do resto do ano. Sentimentos de culpa e incapacidade de “desligar” são crescentemente comuns entre os trabalhadores, mas há que recordar um fundamento básico: descansar é um direito que ninguém nos pode tirar
POR HELENA OLIVEIRA

O meio do ano chegou e já passou e para os que ainda não partiram para as desejadas férias, os ponteiros do relógio parecem não avançar. Tudo parece mais difícil, o trabalho não pára de se amontoar, o stress atinge picos recordistas e os níveis de paciência estão mais em baixo do que o habitual. Ou seja, os dias que antecedem as pausas laborais mais extensas podem constituir uma verdadeira tortura.

Por outro lado e para muitos, ir de férias é uma actividade que gera um enorme stress e ansiedade e para outros tantos já nem se coloca em causa se os dias de descanso serão isso mesmo, descanso, ou um acumular de sentimentos contraditórios que misturam lazer com pontas soltas no trabalho e, é claro, a imensa dificuldade de “desligar” da parafernália tecnológica que faz parte integrante das nossas vidas. 

Ou e por outras palavras, nos tempos agitados em que vivemos, a ideia de “ir de férias” deixou de representar o countdown aprazível para o dia em que, e ao longo de três ou quatro semanas, desligávamos verdadeiramente do trabalho e nos devotávamos, única  e exclusivamente, a repor energias. Hoje, ir de férias pode significar tensão adicional, sentimentos fortes de culpa e uma incapacidade de deixar emails por responder, telefonemas por fazer ou reuniões por marcar. As férias deixaram de ser o que eram e muitos trabalhadores acabam por entrar numa espiral de agonia e inquietação que em nada ajuda a produtividade e, ainda mais grave que isso, a sua saúde mental.

Adicionalmente, e como reportou o The Guardian este Verão por via de mensagens recebidas dos seus leitores, poderemos estar também a sofrer de uma espécie de “burnout do meio do ano”, com muitas as pessoas a queixarem-se de sintomas crónicos de fadiga, incapacidade para responderem às exigências laborais mais comuns e um sentimento de vazio relativo à vida. Se o Verão costumava significar dias longos e promissores em que equilibrar vida pessoal e profissional se afigurava mais fácil, parece que algo está a mudar, e para pior. E mesmo para os que tiraram férias, o sentimento de descanso e de recarregar baterias parecem não estar a funcionar. Pelo contrário, são muitos os que se queixam que voltam ao trabalho mais cansados do que anteriormente e que as suas energias parecem ter sido drenadas.

[quote_center]As férias deixaram de ser o que eram e muitos trabalhadores acabam por entrar numa espiral de agonia e inquietação que em nada ajuda a produtividade e, ainda mais grave que isso, a sua saúde mental[/quote_center]

De acordo com a ciência, existe alguma significância psicológica associada ao meio do ano, em particular a tendência para se colocar em perspectiva – e na balança – os dividendos retirados nos primeiros seis meses do mesmo. Como refere o The Guardian, as pessoas têm tendência a recordarem-se de todos os seus votos e resoluções de início de ano e, como em muitos casos os mesmos não se realizaram, tendem a sentir que falharam e que “já não é este ano” que os seus objectivos serão cumpridos. 

Outra razão para este descontentamento estival que parece aguçado no presente ano pode igualmente estar relacionada com as más notícias a que a todo momento somos expostos e que nos dão conta do estado de desequilíbrio que afecta o mundo em que vivemos. Na Europa, as ondas de calor têm batido recordes – com todos os efeitos secundários que têm na disposição e saúde das pessoas -, cada país enfrenta problemas preocupantes, seja o Brexit, os incêndios, o escalar do populismo, os crescentes alertas para a “falta de tempo” que o planeta tem para equilibrar o seu termóstato ou os seus ecossistemas, os ataques racistas de Trump e todo um conjunto de problemáticas que apenas parecem piorar e sem grandes esperanças de serem solucionadas.

Todavia, é importantíssimo não esquecer que, para o bem da nossa saúde – e da saúde das empresas onde trabalhamos – é crucial descansarmos e, numa decisão ideal, conseguirmos desligar completamente das obrigações laborais. Algo que se torna cada vez mais difícil.

Efeitos positivos das férias esfumam-se rapidamente

O estudo é da American Psychological Association (APA) e o universo de respondentes inclui apenas trabalhadores dos Estados Unidos, local onde tirar férias não é propriamente um direito, mas quase uma ousadia. Todavia, e pese embora o contexto específico, os resultados podem estender-se aos demais empregados por esse mundo fora, com 24% dos inquiridos a afirmar que os efeitos positivos das férias – como sentir mais energia e menos stress – desaparecem quase instantaneamente na altura em que regressam ao trabalho e com 40% a declarar que os mesmos se esfumam passados uns poucos dias.

“As pessoas precisam de se afastar do trabalho para recuperarem do stress e evitarem um burnout”, escreve o psicólogo David W. Ballard, responsável pelo Centro de Excelência Organizacional da APA. “Mas os trabalhadores não devem confiar nas férias ocasionais para compensar um ambiente laboral desgastante. A não ser que consigam abordar os factores organizacionais que causam e promovem um stress contínuo, e que a gestão se esforce para modificar o estado ‘normal’ das coisas, os benefícios de períodos de descanso podem ser passageiros”, afirma, acrescentando ainda que quando os níveis de stress voltam a atingir um pico pouco tempo depois de os trabalhadores voltarem ao trabalho, tal é substancialmente negativo para os mesmos e para as organizações. A seu ver, “os empregadores podem fazer melhor”.

[quote_center]“A não ser que consigam abordar os factores organizacionais que causam e promovem um stress contínuo, e que a gestão se esforce para modificar o estado ‘normal’ das coisas, os benefícios de períodos de descanso podem ser passageiros”[/quote_center]

Este denominado Work and Well Being Survey reporta, mesmo assim, que a maioria dos americanos respondentes declaram sentir efeitos positivos quando regressam ao trabalho, com 68% a afirmarem que a sua disposição é melhor, que sentem mais energia (67%) e motivação (57%) e que se sentem menos stressados (57%). Adicionalmente, os adultos em idade activa inquiridos reportaram que, a seguir a uns dias de férias, sentem-se mais produtivos (58%) e que a qualidade do seu trabalho melhorou (55%).

Apesar de os bons resultados no geral, e como já mencionado, um em cada cinco dos entrevistados afirma sentir-se tenso e preocupado ao longo das férias, 28% declararam ter trabalhado mais do que o que estava previsto e 42% reportaram sentirem-se esgotados aquando do regresso ao trabalho. 

Como comenta Ballard, e pese embora o facto de existir um manancial de material na Internet e nas revistas que oferecem “dicas” para se saber retirar os melhores efeitos possíveis das férias, estes colocam mais o ónus no empregado individual, ignorando factores organizacionais que são por demais importantes. Uma cultura favorável ao tempo de descanso merecido por parte de todos os que trabalham, políticas e práticas eficazes de conciliação entre a vida pessoal e a profissional e questões psicológicas como a confiança e a justiça constituem factores cruciais para que os empregados atinjam um verdadeiro recarregar de baterias. 

O problema é que, e apesar de os europeus tirarem muito mais dias de férias do que os seus pares dos Estados Unidos, é crescente a incapacidade de um descanso verdadeiramente reparador, mesmo que a sua ausência seja comprovadamente um verdadeiro perigo para a saúde mental e física de quem não o faz. 

Um crescente corpo de pesquisa nas áreas da medicina, da psicologia e da gestão comprovou a relação entre trabalho contínuo e o aumento das probabilidades de se sofrer de doenças coronárias. Em 2012, um estudo composto por 50 anos de pesquisa publicado no American Journal of Epidemiology demonstrou que um horário com 10 ou mais horas diárias de trabalho aumenta em 80% o risco de doenças coronárias, para ambos os sexos, com os investigadores a explicarem esta correlação, pelo menos em parte, com problemas de saúde associados a uma exposição longa a stress psicológico.

[quote_center]Vivemos numa cultura onde o excesso de trabalho é a norma e a tecnologia o veículo por excelência que permite estas amarras constantes às nossas obrigações profissionais. E não saber, poder, conseguir ou querer “desligar” é um comportamento cada vez mais comum[/quote_center]

O mesmo acontece com a saúde mental. Num outro projecto de longo prazo que recolheu informações sobre a saúde de funcionários públicos do Reino Unido, investigadores do Instituto de Saúde Ocupacional da Finlândia e de outras partes do mundo comprovaram que as pessoas que trabalham mais de 11 horas por dia (comparativamente às que apenas trabalham sete ou oito) têm duas vezes mais de probabilidades de sofrerem de um grande episódio depressivo.

No que respeita aos efeitos para o próprio trabalho e produtividade, um outro estudo – entre vários – concluiu que “descansar a mente” fora do trabalho pode beneficiar sobremaneira a performance dos trabalhadores quando estes regressam ao trabalho depois de um período de férias. Realizado por psicólogos da Universidade da Califórnia, o estudo demonstrou que os participantes que enfrentavam um desafio complexo no trabalho apresentavam soluções muito mais criativas para o mesmo depois de lhes ser permitido “deixarem a mente vaguear” ao longo de um período curto de descanso.

A verdade é que mesmo que os efeitos do descanso desapareçam mais rapidamente do que o desejável, as vantagens desde tempo de lazer e inacção é absolutamente vital. Como afirma a cientista comportamental Jessica de Bloom, é um pouco como perguntar “por que é que dormimos se nos vamos sentir cansados outra vez?”. 

Mas o problema das exigências cada vez mais demolidoras por parte de empregadores e empresas é uma realidade cada vez mais visível. Muitos dos leitores que responderam ao desafio do jornal The Guardian explicitando os seus sentimentos e temores face ao período de férias e a um possível “burnout sazonal” culpam a impossibilidade de manter o seu trabalho separado das demais áreas da vida. E, mais grave do que isso, culpam também o facto de vivermos numa cultura onde o excesso de trabalho é a norma e a tecnologia o veículo por excelência que permite estas amarras constantes às nossas obrigações profissionais. E não saber, poder, conseguir ou querer “desligar” é um comportamento cada vez mais comum.

Quando estar off é o novo luxo

Algo vai muito mal quando já existem hotéis que incluem, nos seus pacotes de férias, a possibilidade de ajudar os seus clientes a desligarem-se do Facebook e do Instagram, bem como dos seus emails de trabalho.

E longe vão também os tempos em que, na nossa mala de viagem, não existia lugar para tablets e computadores. Já não falamos dos smartphones, pois estes são, e já há muito, uma extensão de nós mesmos, sem a qual (achamos que) não sabemos sobreviver.

Neste mundo hiperconectado, ir de férias e não ligar os dados móveis para estarmos online permanentemente representa um grande esforço para algumas pessoas. Mas, e na verdade, a tentação de mostrarmos ao mundo o que estamos a fazer e a de sabermos os que os nossos “amigos” estão a postar, é mais forte do que a vontade de realmente descansarmos a mente e somente nos centrarmos nos momentos de lazer e satisfação que as férias proporcionam, ou deveriam proporcionar. A juntar ao vício das redes sociais, puxar do smartphone  para nos irmos inteirando do que vai caindo nas nossas caixas de correio profissionais parece também fazer parte integrante dos nossos supostos dias de descanso.

Um estudo de 2016 realizado pela Intel Security concluiu que 49% dos millennials (que registam uma das mais elevadas taxas de burnout comparativamente às demais gerações) se sentiam ávidos de desligar os seus smartphones ao longo do período de férias. Mas e apesar dessa vontade expressa, o mesmo estudo comprovou que 55% dos respondentes que almejam esta quase impossibilidade nos dias que correm, simplesmente não o conseguem fazer. 

[quote_center]Um estudo concluiu que 54% das crianças consideram que os seus pais passam demasiado tempo a consultar os seus smartphones ao longo do período de férias e 32% afirmaram sentir-se “não importantes” quando os seus pais estão ao telefone[/quote_center]

Assim, várias cadeias de hotéis estão a oferecer experiências personalizadas aos seus clientes, precedidas de “planeamento”, para que estes possam gozar de verdadeiros momentos de descanso, e nas quais até é possível contratar fotógrafos e vídeográfos para registar os “momentos para mais tarde recordar”, sem se cair na tentação do intrusivo Facebook ou Instagram. 

Por exemplo, a cadeia de hotéis e resorts Wyndham Grand está até a oferecer descontos em algumas das suas propriedades para clientes que estão dispostos a “fechar à chave” os seus smartphones como parte de uma experiência de “Reconexão”, oferecida a famílias que viajam em conjunto, como se pode ler num artigo publicado pela Quartz. Antes de se decidir por este tipo de programas, a cadeia de hotéis levou a cabo um inquérito – com tristes resultados – no qual concluiu que 54% das crianças consideram que os seus pais passam demasiado tempo a consultar os seus smartphones ao longo do período de férias e em que 32% destes mesmos miúdos afirmaram sentir-se “não importantes” quando os seus pais estão ao telefone. Um porta-voz do Wyndham Grand acrescentou ainda que esta iniciativa foi em grande parte inspirada pelos próprios gestores dos hotéis que reportaram assistir à distracção permanente dos pais com os seus telefones em locais como as piscinas ou os restaurantes. 

Assim, e nos múltiplos casos em que ouvimos dizer “eu não posso desligar o smartphone enquanto estou de férias”, talvez valha a pena pensar se a afirmação é verdadeira ou se realmente estamos tão viciados no mundo “lá dentro” que não conseguimos aproveitar o mundo cá fora.

É possível desligar e aproveitar

Nos casos em que realmente os trabalhadores são confrontados com obrigações laborais mesmo que em período de férias – e porque o direito ao descanso existe – existem algumas formas que permitem lidar com esse estado de “disponibilidade total” e reduzi-lo para mínimos aceitáveis.

E a primeira coisa a fazer é, exactamente, deixar claro que em períodos de descanso a “disponibilidade total” não pode ser… total. Estabelecer limites para que as férias não se transformem num reservatório de culpa e de mais stress é imprescindível, sendo também verdade que uma comunicação limitada com o escritório poderá causar menos ansiedade do que o total “blackout”. Em conjunto com pensamentos de que, quando regressar, a sua pilha de trabalho será tão elevada quanto a montanha que decidiu escalar nas férias, sentir que pode estar a ficar para trás e sem controlo também não ajuda a limpar a mente. Assim, estabeleça limites – e cumpra-os – reservando uma hora por dia para responder a emails e fazer telefonemas.

[quote_center]Se não lhe é possível desligar, estabeleça limites – e cumpra-os – reservando uma hora por dia para responder a emails e fazer telefonemas[/quote_center]

Saber gerir os seus dispositivos tecnológicos é outro imperativo. Se os mesmos estiverem ligados e estiver constantemente a receber notificações, sejam elas de que natureza for, é certo que não está  aproveitar nem conseguirá gozar o seu período de descanso. Lembre-se que as máquinas foram feitas para trabalhar para nós e não para sermos escravos das suas constantes exigências. Reserve algum tempo para falar com família e amigos e, eventualmente, com alguns colegas de trabalho, mas não deixe que o smartphone seja a sua mais fiel companhia de férias. Se não o conseguir desligar por completo, coloque-o no silêncio por períodos alargados e/ou desligue as notificações. Avise previamente que esse será o seu “estado” para não criar expectativas que está 24 horas disponível enquanto escravo do trabalho e da tecnologia.

Se continua a pensar que é incapaz de gozar o tempo de relaxamento a que tem direito, então está na altura de perguntar a si mesmo se essa é mesmo a vida que quer levar. Faça perguntas tão óbvias quanto “por que motivo nego a mim mesmo um merecido descanso” ou “será que o meu mundo acaba se não estiver continuamente disponível”. Afinal, recarregar baterias será útil para a sua empresa e empregador. Mas, mais importante que tudo, será útil para a sua própria saúde mental e física, bem como para a dos que o rodeiam. Boas férias.

Editora Executiva