Por muito meritórias que sejam as iniciativas, os compromissos, os grupos de trabalho, os estudos e as cimeiras – e bastando olhar para as estatísticas – estamos prestes a ultrapassar a segunda década do século XXI com a paridade económica entre homens e mulheres a sofrer retrocessos, em vez de progressos. Já foi (muito) pior, é certo. Alguns passos em frente foram dados, sem dúvida. Mas, e como declarou o ministro para a Igualdade e Assuntos Sociais islandês, Thorsteinn Viglundsson, chegou a altura de se “tomar medidas radicais” sobre a questão. A Islândia vai fazê-lo… e talvez só mesmo o “radicalismo” possa surtir efeito
POR
HELENA OLIVEIRA

Seguidora, há quase vinte anos, enquanto cidadã, no geral, e por motivos profissionais, no particular, do panorama desigual que continua a pautar as oportunidades entre homens e mulheres, não foi sem desconforto que decidi escrever o texto que se segue. Ciente de que muito se falou esta semana – e no seguimento do Dia Internacional da Mulher assinalado na passada quarta-feira – das contínuas e inúmeras disparidades que, em variadíssimos planos, continuam a alimentar esta triste novela da vida real, foi também com algumas reticências que, enquanto responsável do VER, não só decidi, em conjunto com a equipa, devotar dois artigos à temática e, por fim, ainda com mais reticências, assinar o artigo de Opinião desta semana.

Helena Oliveira é editora executiva do portal VER

E porquê? Não deverei, enquanto jornalista, continuar a divulgar estudos, estatísticas, iniciativas e compromissos que alertam para as disparidades absurdas que continuam a colocar as mulheres atrás dos homens nas esferas sociais, laborais, académicas, económicas e domésticas? Claro que sim.

Não deverei, enquanto mulher – e já agora – sentir-me nauseada, revoltada e sobretudo cansada de este continuar a ser um “tema” tão fértil em matéria de iniquidades? Sem dúvida.

E não deverei, como as mulheres e homens que constam das redes sociais, virtuais e reais, das quais faço parte, partilhar flores, mensagens de “parabéns, hoje é o teu dia”, festas e eventos de celebração da condição “única” de se ser mulher, em conjunto com piadas machistas, mas “sem mal”, cartoons humoristas, listas de “mulheres poderosas” que fizeram isto ou aquilo, na ciência, na política, na investigação, na tecnologia – sim, nessas áreas tão “masculinas” – e sentir-me feliz por pertencer à “metade mais bonita da humanidade”, como supostamente afirmou o filósofo humanista Jean-Jacques Rousseau (e que foi uma das citações mais partilhadas no tal dia em que toda a gente faz um esforço por elevar, um bocadinho que seja, esse “estatuto feminino”? Pois, não. E não mesmo.

Que não me interpretem mal esses homens e mulheres, muitos deles seres humanos que admiro, estimo e considero serem pessoas inteiras, inteligentes e informadas. Sei que o fazem por bem e pelos melhores motivos. E que não me julguem – ou julguem – por considerar que este Dia Internacional da Mulher – tal como tantos outros “Dias Internacionais” que me fazem alguma alergia – não é para celebrar. Sim, é para assinalar, sem dúvidas e mais uma vez. Mas até que ponto fará diferença na prática efectiva do “business as usual” da não paridade entre homens e mulheres?

Amanhã (hoje, no dia em que escrevo, ontem no dia em que alguém poderá ler este artigo), a esmagadora maioria ter-se-á esquecido que nos países ditos desenvolvidos (e sem entrar em terrenos ainda mais humanamente incompreensíveis noutras geografias), e apenas nos “mais igualitários”, as mulheres continuam a ganhar 85% face ao total auferido pelos seus pares masculinos.

Que os quatro países mais “avançados” nestas matérias – e de acordo com um índice publicado também esta semana pela revista The Economist – os campeões da igualdade são, e como já é habitual, os países nórdicos e que mesmo nestes as mulheres representam entre 33% a 44% das posições disponíveis nos conselhos de administração das empresas? Uma representatividade digna de nota, sem dúvida, principalmente se comparada com a média – 20% – das restantes economias mais ricas que compõem os países da OCDE.

[quote_center]Acredito em medidas como a anunciada pelo governo da Islândia que, pela força da lei, vai obrigar os empregadores a provarem que pagam um salário igual por um trabalho igual, independentemente se quem o faz é um homem ou uma mulher[/quote_center]

Ou que segundo um extenso e denso relatório publicado pelo Fórum Económico Mundial em finais de 2016 (e sobre o qual o VER escreveu e não no Dia da Mulher) e depois de analisados 144 países, conclui que, a nível global, e caso se mantenham as actuais tendências, serão necessários 83 anos para se atingir a igualdade entre géneros e 170 anos para o grande feito acontecer na esfera económica – um retrocesso face à edição de 2015, a qual apontava que a igualdade em termos de salários e emprego seria atingida daqui a 118 anos.

Ou ainda que, e de acordo com dados divulgados pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), em Portugal e comparativamente aos homens, as mulheres trabalham “de borla” 61 dias por ano (o que representa um salário médio inferior em 16,7%).

Os exemplos poderiam continuar mas, e dois dias passados sobre mais esta “celebração”, decerto que já não existe paciência para mergulhar em provas que comprovam – e pese embora o pseudo-pleonasmo – a existência de disparidades inacreditáveis, incompreensíveis e, sobretudo, absolutamente injustas.

Se sou a favor das quotas nos conselhos de administração das empresas, na arena política ou em qualquer outro domínio onde deveria imperar a meritocracia e não o infeliz argumento de que as mulheres têm de preencher X lugares a bem da almejada igualdade de géneros? Não, não sou, como penso que não é a maioria das mulheres que sente na pele, todos os dias, esta discriminação, e os homens que também não a compreendem.

Mas também não acredito o suficiente na eficácia de iniciativas, por mais meritórias que sejam – apesar de, enquanto “obrigação” profissional ter de as divulgar, como acontece, aliás, nesta mesma semana – nem em grupos de trabalho, nem em estratégias comunitárias, nem em compromissos, nem em cimeiras e muito menos em supostas boas intenções que visam “estudar formas de estreitar este fosso”.

Acredito, sim, em medidas como a anunciada há dois dias pelo governo da Islândia que, pela força da lei, vai obrigar os empregadores a provarem que pagam um salário igual por um trabalho igual, independentemente se quem o faz é um homem ou uma mulher.

E, já agora, gostaria de acreditar que a União Europeia, que publicou também o seu Compromisso Estratégico para a Igualdade de Género 2016-2019 (sobre o qual escrevemos também nesta edição), irá tomar alguma medida efectiva no que respeita às declarações de um dos membros do seu órgão legislativo – e num debate sobre a temática – quando este afirmou, em alto e bom som, que as mulheres devem ganhar menos do que os homens porque são “mais fracas, mais pequenas e menos inteligentes”. O eurodeputado polaco Janusz Korwin-Mikke pode vir a ser alvo de algum tipo de sanção.

Mas até lá, desconfio, continuaremos a receber flores. E floreados também.

Editora Executiva

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