O sorriso “é um íman que aproxima as pessoas e a partilha de emoções e sentimentos positivos”. Quando não exercitamos convenientemente esta função natural, como acontece aos portugueses nos últimos anos, “não nos realizamos em plenitude, pessoal e profissionalmente”. Quem o diz é o director do FEELab, Freitas-Magalhães, que, em entrevista a propósito do mais recente estudo sobre esta matéria, deixa o alerta: a inibição do sorriso potencia quadros psicopatológicos preocupantes e o seu recalcamento indicia um problema grave de saúde pública
POR GABRIELA COSTA 

© FEELab/UFP

O Laboratório de Expressão Facial da Emoção (FEELab/UFP) estuda o sorriso dos portugueses desde 2003 e na análise realizada em 2012, os resultados revelam a diminuição mais expressiva na frequência e intensidade dos sorrisos, desde o início do estudo há nove anos.

No âmbito do projecto pioneiro “Uma Década de Sorriso em Portugal”, que integra este estudo desenvolvido pelo Laboratório da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa (UFP), foram analisadas, no ano passado, 13604 fotografias que retratam o sorriso dos portugueses.

A partir destas imagens, a análise conclui que, independentemente da idade, as mulheres continuam a sorrir mais do que os homens, apesar de se verificar um “registo descendente acentuadíssimo” em relação a 2011. Já os homens apresentam mais o sorriso fechado a partir dos sessenta anos. Como seria de esperar, as crianças são as que continuam a apresentar em maior número e frequência o sorriso largo, um padrão que se mantém desde 2003.

A face neutra da expressão
Na apresentação dos resultados de 2012 da análise ao sorriso dos portugueses, recentemente decorrida no Porto, o director do Laboratório de Expressão Facial da Emoção sublinhou que a face neutra foi “a expressão mais exibida” no ano transacto, e o sorriso superior foi tendencialmente “substituído pelo sorriso fechado”. De acordo com o professor Freitas-Magalhães, em comparação com o anterior estudo continua a constatar-se uma “diminuição relevantíssima na frequência e intensidade do sorriso” (crescente desde 2003), que culmina nesta “tendência significativa para a face neutra”.

No universo das fotografias analisadas, verificou-se mesmo que “a expressão facial de emoções negativas é mais frequente e intensa do que a de emoções positivas”. Como sublinha o director do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, este padrão “acentuou-se expressivamente” durante o ano de 2012”.

“O sorriso de hoje é mais pedido do que dado, e isso não é natural”  .
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Mas o que significa, para as pessoas, exibirem cada vez menos o seu sorriso, seja ele de que tipo for? “O sorriso é uma reação neuropsicofisiológica que se desenvolve em situações que envolvam o bem-estar e a felicidade e, quando tal não se verifica, por motivos externos, o sorriso é inibido e recalcado”, explica Freitas-Magalhães.

Ora, segundo conclui o FEELab, ao longo dos nove anos de estudo ficou comprovado que, a par do género e da idade, um dos moderadores da frequência e intensidade da exibição do sorriso é o contexto social. E esta interacção é evidente no caso português, onde a situação económico-social que se vive no contexto de crise “potenciou a inibição da expressão”.

Perante os dados globais do FEELab na sua análise ao sorriso, que revelam, através de um universo das mais de 367 mil fotografias, que os portugueses estão a sorrir “muito, muito menos, desde 2003”, a investigação considera que este é “um indicador preocupante, pelas consequências na saúde e na interacção social, pois a felicidade está na cara das pessoas e o sorriso é um sinal que está a desaparecer a ‘olhos vistos’”.

Como alerta o professor Freitas-Magalhães, o sorriso “é um dos principais organizadores do psiquismo humano”, pelo que a sua inibição “potencia sentimentos, emoções e condutas negativas”, que levam “a um quadro psicopatológico preocupante”.

“Uma Década de Sorriso em Portugal” vista através dos jornais diários portugueses é um projecto pioneiro a nível mundial que terá a sua conclusão em 2013. Desde 2003, foram analisadas 367.377 fotografias (116.800 no período 2003-2005, 48.200 em 2006, 39.452 em 2007, 37.607 em 2008, 34.426 em 2009, 33.806 em 2010, 29.365 em 2011 e 27.721 em 2012).

Para além de desenvolver este estudo, o FEELab/UFP lançou o único curso universitário no mundo em expressão facial da emoção, tendo sido distinguido por diversas organizações internacionais pelo “pioneirismo e inovação” do seu trabalho científico.

Em entrevista ao VER, o professor Freitas-Magalhães, recentemente distinguido pela Enciclopédia Mundial do Comportamento Humano de Oxford pelo artigo científico “Facial Expression of Emotion”, explica que a sua investigação “já comprovou que o contexto social modela os nossos comportamentos, como podemos avaliar pela situação actual que se vive em Portugal”.

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Freitas-Magalhães, director do Laboratório de
Expressão Facial da Emoção (FEELab/UFP)
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Que leitura faz dos resultados da análise ao sorriso dos portugueses realizada em 2012, a qual revela uma expressiva diminuição na frequência e intensidade e também que a expressão facial de emoções negativas, cada vez mais comum, é um padrão muito acentuado em 2012?
Os resultados revelam uma configuração preocupante do ponto de vista da expressividade do sorriso humano. Os meus estudos já comprovaram que a felicidade está associada ao tipo de sorriso exibido. Assim, e por exemplo, quanto mais frequente e intenso for o sorriso, maiores índices de felicidade exibimos.

Desde 2007, os resultados desta investigação pioneira têm evidenciado uma acentuada quebra na frequência e intensidade do sorriso, o que é preocupante, pois as pessoas são menos felizes e, ao invés do esperado, apresentam a face neutra em detrimento de qualquer tipo de sorriso.

Quais são as consequências dos portugueses virem a perder o seu sorriso, de forma constante e cada vez mais acentuada, desde 2003?
As consequências são graves do ponto de vista neuropsicofisiológico. O sorriso humano está catalogado na literatura como um dos principais organizadores do psiquismo humano. O seu recalcamento vai indiciar problemas de saúde e de amplitude interactiva.

O sorriso potencia mecanismos de bem-estar, o que leva à partilha social. Tal não sucedendo, isso significa que estamos perante um problema grave de saúde pública, por ausência, por exemplo, de partilha de emoções positivas.

Até que ponto é este um indicador preocupante pelas consequências na saúde e na interacção social que refere? E como é que a inibição do sorriso “potencia sentimentos, emoções e condutas negativas levando a um quadro psicopatológico preocupante”?

Já o disse e escrevi inúmeras vezes: fomos feitos para sorrir. Assim sendo, e quando não exercitamos convenientemente esta que é uma função natural, como é o caso nos últimos anos, tal significa que não nos realizamos em plenitude, pessoal e profissionalmente.

O sorriso é um íman, como digo no meu próximo livro “O Poder do Sorriso: Origens, Funções e Teorias”, que aproxima as pessoas e a partilha de emoções e sentimentos positivos. Ora, inibindo o sorriso, estamos a inibir os nossos propósitos positivos e de auto-estima, o que leva ao aparecimento da face neutra, frequente e intensamente, não havendo lugar à partilha social. E isso é preocupante.

O sorriso deve ser dado, e não pedido. Se repararmos atentamente na interacção social actual, constatamos que o sorriso de hoje é mais pedido do que dado e isso não é natural.

Em que medida é cada um destes três factores – género, idade e contexto social – moderador da frequência e intensidade da exibição do sorriso?
A minha investigação já comprovou que a mulher sorri mais do que o homem; já comprovou que sorrimos mais e intensamente na idade reprodutiva e menos na idade da senescência e já comprovou que a cultura, o contexto social, modela os nossos comportamentos, como podemos avaliar pela situação actual que se vive em Portugal, por exemplo.
 
Este estudo está enquadrado num projecto pioneiro a nível mundial, que o FEELab/UFP realiza desde 2003, e que se conclui em 2013. Que balanço faz da iniciativa “Uma Década de Sorriso em Portugal”?
O balanço é muito positivo. Já analisámos cientificamente mais de um milhão de fotografias, ao longo destes nove anos. O estudo vai terminar no final de 2013, o que nos permitirá fazer um retrato emocional de Portugal, visto através do sorriso humano.

Tenho conhecimento que o estudo vai ser replicado noutros países. Este estudo longitudinal só nos pode deixar orgulhosos e satisfeitos, do ponto de vista do exercício científico. Gostaria, porém, que os resultados fossem outros, isto é, que o sorriso largo fosse o vestígio mais frequente e intenso na face dos portugueses.

Emoções: Um investigador português no mundo
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© FEELab/UFP
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O Laboratório de Expressão Facial da Emoção (FEELab/UFP) lançou recentemente dois livros da autoria do professor Freitas-Magalhães: “A Face Humana – Paradigmas e Implicações” (Dezembro de 2012) e “Por Que Me Mentes? Ensaio Sobre a Face da Mentira” (Janeiro de 2013).

O primeiro aborda, entre outras, as temáticas “Emoção: Um Fenómeno Complexo e Multidimensional”, “Do Cérebro à Face: Uma Viagem Emocional”, “Expressão Facial: Da Universalidade às Influências Culturais” e “Macroexpressões e Microexpressões”.

O segundo propõe a identificação e a caracterização da cartografia cerebral, facial e vocal da emoção na detecção da mentira, e a importância da implementação dos métodos e técnicas na investigação forense, considerando o processo da mentira como ato intencional e sem aviso prévio. Para tanto, responde ao seguinte conjunto de interrogações: como é que o cérebro constrói a mentira? Como é que a mentira influencia o cérebro? Como se medem cientificamente os movimentos faciais da mentira? Quais as implicações e as aplicações do estudo da expressão facial da mentira? A configuração da análise crítica plasma a génese, a identificação, o reconhecimento, as variáveis moderadoras da mentira, a mentira patológica, os tipos de mentira, as diferenças de género, a influência da memória, as implicações e as aplicações.

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Brevemente, a FEELab Science Books vai publicar o livro “O Código do Medo”, também da autoria do diretor deste instituto de investigação. A obra constitui o primeiro de sete códigos sobre as emoções básicas: tristeza, alegria, surpresa, cólera, desprezo, medo e aversão.

O também docente da Universidade Fernando Pessoa (UFP) é o autor da proposta submetida ao Ministério da Justiça para a adopção em Portugal dos métodos e técnicas de avaliação da expressão facial da emoção, em interrogatórios e inquirições, sendo ainda coordenador do projecto científico e universitário “O Cérebro, a Emoção e a Face”, desde 2008.

Distinguido por diversas instituições internacionais pelo “pioneirismo e inovação” do seu trabalho científico e académico, fazem parte da sua bibliografia os livros “O Código de Ekman: o Cérebro, a Face e a Emoção”, “A Psicologia das Emoções: O Fascínio do Rosto Humano”, “A Psicologia do Sorriso Humano” e “Facial Expression of Emotion: From Theory to Application”, entre outros.

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Sendo um dos mais reputados especialistas mundiais no estudo da expressão facial da emoção, é o único cientista e académico de língua portuguesa a figurar na Enciclopédia Mundial sobre o Comportamento Humano (Encyclopedia of Human Behavior), que acaba de ser publicada em Oxford. Esta Enciclopédia apresenta trezentos artigos científicos e é uma publicação da Academic Press, uma chancela da Elsevier, a maior editora médica e científica do mundo.

Jornalista