POR GABRIELA COSTA
Assinalando o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, a 17 de Outubro, a Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN, na sigla inglesa), divulgou dados europeus e nacionais que contemplam vários indicadores sobre o fenómeno, numa compilação da mais recente informação estatística disponibilizada por entidades tão díspares como as Nações Unidas, a OCDE, a OIT, o Eurostat ou o INE.No Relatório a realidade actual de Portugal e da Europa é contextualizada com base nos números existentes, relativos a indicadores dos vários níveis de pobreza e privação material, desemprego, emprego e salários, desigualdade de rendimentos, protecção social e saúde, habitação, imigração e demografia, envelhecimento e natalidade.Ainda num contexto de crise económica, alguns indicadores revelam uma melhoria na taxa de pobreza. Mas, alerta a EAPN, analisados outros, constata-se que “esta não é uma melhoria real e que ainda têm de ser feitos esforços aos mais diversos níveis” para se reverter uma realidade pouco promissora.Em Portugal, por exemplo, e segundo dados provisórios do INE de Março de 2014, a taxa de risco de pobreza e exclusão social (de acordo com a definição adoptada pela Estratégia 2020) atingiu os 27,4% em 2013, um aumento superior a 2%, face aos 25,3% da população que se encontrava perante esse risco no ano anterior. Na UE28, e também de acordo com dados de 2012 do Eurostat, essa taxa foi de 24,5%, abrangendo quase 123 mil milhões de europeus.
De sublinhar que as crianças (0-17 anos) continuam a ser o grupo mais vulnerável a situações de pobreza ou exclusão social. Esta realidade é particularmente preocupante em Portugal: a mesma fonte indica que, apesar de uma ligeira descida em 2012, a taxa de risco de pobreza ou exclusão social para as crianças na UE28 (27,6%) é superior à da população em geral, mas também que em Portugal atingiu os 31,6%, num aumento de 3,8 pontos percentuais.
Infelizmente, e na leitura da EAPN, a educação como via para combater o ciclo vicioso da pobreza já não tem hoje “uma correlação tão directa”, devido à crise, que leva cada vez mais estudantes a abandonar o ensino superior e muitos recém-licenciados a serem recrutados por empresas estrangeiras.
Contudo, “um país que não consegue suprir as necessidades mais básicas das crianças (sobretudo as que se referem a carências alimentares) é um país que não pode prever o seu futuro e a capacidade de construir uma economia sólida”. E no nosso, o facto de serem os mais novos os mais atingidos pela pobreza é uma tendência que persiste ao longo dos anos.
Crianças ainda sofrem as maiores privações
O documento, que avalia a situação de Portugal no contexto europeu, face à dependência da troika (até há bem pouco tempo), e aos números alarmantes do desemprego e do endividamento do Sul da Europa, sinaliza que, entre 2012 e 2013, houve um aumento no País de 237 mil pessoas em situação de privação material severa – com a taxa, que é calculada a partir da ausência de pelo menos 4 de 9 indicadores de condições de vida, como a capacidade para fazer face a despesas, ou a de comer uma refeição de carne ou peixe de dois em dois dias, a crescer de 8,6% para 10,9%.
A taxa de privação material severa das famílias de dois adultos e três ou mais filhos (32.7%) sofreu um preocupante aumento de 22,4%, em relação ao período homólogo, tornando-se na mais elevada de sempre desde 2004, ano em que se iniciariam a recolha destes dados. No total, 43% da população nacional (+7,3% que em 2012) enfrentou, em 2013, dificuldades em fazer face a despesas inesperadas.
Os números do Eurostat relativos à UE28 revelam que, também em 2013, 9,6% da população europeia estava em situação de privação material severa, sendo as famílias monoparentais as que apresentam uma maior vulnerabilidade (19,9%). Os países com maior privação são a Bulgária (40%), e a Hungria e Roménia (25%), enquanto os que apresentam a taxa mais baixa são a Suécia (1,4%), Holanda e Finlândia (2,5%).
Mais uma vez, quer na Europa quer no nosso país, as crianças são o grupo mais afectado, com taxas de privação material severa em 2013 de, respectivamente, 11% e 13,9%.
Emprego precário predomina em Portugal
Outro indicador de pobreza a ter em conta, segundo a EAPN, é o número de trabalhadores que vivem nessa condição em Portugal, o qual “é surpreendentemente alto. E não se trata de um fenómeno que resulta da crise actual. Sempre assim foi”.
Em Portugal a mão-de-obra “é mal paga”, o emprego precário “predomina” e os grandes grupos económicos, “que muitas vezes criam Fundações com fins sociais ou culturais, são aqueles que eternizam esta condição de precariedade dos trabalhadores”, acusa a rede Anti-Pobreza.
[pull_quote_left]“Um país que não consegue suprir as necessidades básicas das crianças não pode prever o seu futuro”[/pull_quote_left]
Ainda assim, em Julho de 2014, a taxa de desemprego em Portugal foi de 14%, caindo 2,3% face ao período homólogo. Na UE28 existiam nessa data 24 850 milhões de desempregados (10,2%), calcula o Eurostat. Grécia (27,2%) e Espanha (24,5%) são os países com as taxas mais elevadas, e Áustria e Alemanha (4,9%) os que apresentam uma taxa mais reduzida.
Relativamente ao desemprego jovem, a taxa em Portugal diminuiu entre Julho de 2013 e Julho de 2014, de 37,6% para 35,5%. Já na UE28 fixou-se nos 21,7%, em Julho de 2014, diminuindo face aos 23,2% registados em Julho de 2013. Na prática, há três meses atrás existiam 5 062 milhões de jovens (com idades inferiores a 25 anos) na UE28 (e 3 327 milhões na zona euro) sem qualquer ocupação profissional.
O desemprego jovem é um dos indicadores em destaque num outro relatório, o “Global Employment Trends 2014. Risk of a jobless recovery?”, divulgado em 2014 pela Organização Internacional do Trabalho. A OIT alerta para o facto de a taxa de desemprego junto dessa população (13,1%) ser quase três vezes mais elevada que a taxa de desemprego dos adultos, considerando que a crise “está a afectar, de forma desproporcional, os jovens”. Em 2013, 74,5 milhões de jovens (dos 15 aos 24 anos) estavam desempregados, o que equivale a um aumento de cerca de um milhão, face ao ano anterior.
No relatório sobre tendências globais do emprego, a OIT associa a desaceleração do crescimento a nível mundial a um novo aumento do desemprego, sublinhando a existência de 201 milhões de pessoas sem trabalho em 2013 – ou seja, mais 5 milhões de pessoas do que em 2012. Em alguns países, a duração do desemprego duplicou já face ao período anterior à crise, e verifica-se um agravamento da precariedade laboral. O trabalho por contra própria e o trabalho familiar corresponderam, em 2013, a 48% do emprego total.
Na perspectiva da OIT, se a actual tendência se mantiver, “o desemprego global deverá piorar, ainda que gradualmente, atingindo mais de 215 milhões de pessoas em 2018”. Durante esse período, estima a organização, deverão ser criados cerca de 40 milhões de postos de trabalho líquidos anuais. Mas este número é inferior ao número de pessoas que se prevê que entrem no mercado de trabalho: cerca de 42,6 milhões.
Numa conjuntura mundial “de grande incerteza a todos os níveis, sobretudo económico e financeiro”, a EAPN teme “uma situação de alarme social face à elevada taxa de desemprego que, em muitos casos, afecta os dois elementos do agregado familiar”. Apesar de os dados mais recentes, relativos ao quarto trimestre de 2013, indicarem que o número de pessoas empregadas aumentou 0,1% na UE28 – em comparação ao trimestre anterior -, cifrando-se num total de 223,6 milhões [com a Lituânia (+1.0%) e a Irlanda e Portugal (ambos com +0.7%) a liderarem as subidas mais significativas; e a Estónia (-1.3%), a Letónia (-1.1%) e o Chipre (-0.6%) a registarem o inverso], se a retoma da economia “não se tornar uma realidade a médio prazo, a taxa de desemprego irá aumentar, colocando ainda mais agregados numa situação de vulnerabilidade social”, conclui a EAPN.
[pull_quote_right]O desemprego global deverá atingir mais de 215 milhões de pessoas em 2018, dita OIT[/pull_quote_right]
Nos países do G20 (que para além da União Europeia, integra as principais economias ricas e emergentes), mais de cem milhões de pessoas continuam desempregadas, aponta um estudo conjunto da OCDE, OIT e Banco Mundial. Segundo o relatório “G20 labour markets: outlook, key challenges and policy responses”, divulgado em Setembro, nestes países persiste “uma grave escassez de empregos de qualidade”, o que afecta “as perspectivas de retoma do crescimento económico”.
Sublinhando que “a performance medíocre do mercado de trabalho retrai o consumo e o investimento, as organizações internacionais alertam para a proliferação do emprego informal, em particular nos países emergentes e em desenvolvimento.
O documento conclui que “muitas economias do G20 ainda “sofrem um défice considerável na criação de empregos”, o qual sem uma aceleração do crescimento económico e a intervenção conjunta dos governos na geração de emprego se manterá, previsivelmente, até 2018.
Paralelamente a estes cenários, as desigualdades na distribuição do rendimento permanecem, a exemplo das “enormes” discrepâncias registadas entre a população da UE28 em 2012: 20% da população com o rendimento disponível mais elevado recebia cinco vezes mais do que 20% da população com o rendimento disponível mais baixo. Para Portugal, os dados do Eurostat indicam um aumento constante deste indicador desde 2009.
Envelhecimento ou políticas de apoio à família
A par das imagens de pobreza, injustiça social e precariedade laboral que ainda figuram bem nítidas no retrato de uma Europa em difícil recuperação económica, o “elevadíssimo” índice de envelhecimento da população deverá agravar-se no actual contexto de crise, com consequências inevitáveis no sistema de protecção social, alerta o EAPN.
A população europeia está a aumentar (segundo as Nações Unidas o continente tinha 740 milhões de habitantes em 2012), e as projecções dão conta de um crescimento contínuo, ainda que ligeiro, até 2060. Mas com a estrutura etária a envelhecer, e muito, tanto na base como no topo: a esperança de vida continua a aumentar, mas o índice de fertilidade não, e nascem cada vez menos crianças.
Em 2012, e para a UE27, face a 66,6% de pessoas em idade activa, a percentagem de população jovem (0-14 anos de idade) era de 15,6% (14,8% em Portugal). A população idosa (65 ou mais anos) atingiu os 17,8% (19,4% em Portugal).
Projecções da OCDE divulgadas em 2013 em “A Good Life in Old Age? Monitoring and Improving Quality in Long-term Care” indicam que, em 2050, a população portuguesa com mais de 65 poderá aumentar 32%, e a população com 80 ou mais anos, 11%. As médias esperadas para a OCDE são, respectivamente, de 25,7% e 10%. Já dados do INE, de Março deste ano, apontam para que o índice de envelhecimento entre 2012 e 2060 possa aumentar de 131 para 464 idosos por cada 100 jovens, no pior dos cenários. A culpa é da “falta de investimento em políticas de apoio à família”, conclui o EAPN.
Vem Dar a Tua Voz!
MOVIMENTO POBREZA ILEGAL
Um dia também a pobreza, como a escravatura, será abolida.
É sob este ideal que nasce o Movimento Pobreza Ilegal, que pretende criminalizar o fenómeno, considerando-o com total intolerância e obrigando quem, no exercício de poderes públicos ou privados, tem o dever de diminuir a taxa de pobreza, a fazê-lo.
Defendendo que a pobreza entendida como privação do desenvolvimento integral das pessoas é uma violação de direitos e deveres cometida por (des)construção humana, o Movimento da Impossible – Passionate Happenings, cuja apresentação pública teve lugar a 17 de Outubro, no âmbito de uma Jornada Internacional pela Erradicação da Pobreza, lançou a Campanha Vem dar a tua Voz!
O objectivo é levar os Estados “a declarar solenemente ilegal a pobreza”, à imagem do que se fez com a escravatura. Porque “ninguém se deve sentir condenado a ser pobre”.
Jornalista