POR HELENA OLIVEIRA
As alterações políticas, muitas delas inesperadas, que temos assistido em particular nos últimos dois anos, e que terão impacto certo no mundo como o conhecemos por um tempo longo e indeterminado, representa não só um ambiente novo para as empresas, com um conjunto significativo de novos desafios à medida que os negócios procuram formas alternativas para ir ao encontro dos seus ambiciosos objectivos de lucro.
E, na verdade, todas estas tensões geopolíticas, económicas e sociais significam que as normas tradicionais de compliance podem estar em falência e já não serem válidas para os dias que correm. Em simultâneo, e com o enorme escrutínio que paira sobre as empresas na actualidade,em conjunto com a demanda pública para que os negócios ajam de forma transparente e responsável, obrigou a uma maior regulação, liderada por parte dos países integrantes do G20, pela OCDE e pelo Banco Mundial, os quais estão a reforçar – ou a tentar – medidas regulatórias nacionais mas em intercooperação.
A unidade de investigação da Ernst&Young (EY) publicou agora o seu relatório de 2017 sobre fraude nos países pertencentes à região EMEIA (Europa, Médio Oriente, Índia e África), com entrevistas a 4100 executivos espalhados por 41 países, Portugal incluído. E os resultados em termos de comportamentos não éticos não são muito animadores, antes pelo contrário.
Apesar de o inquérito ter revelado que a maioria dos respondentes é a favor de maior regulação, uma proporção significativa dos inquiridos continua a justificar a falta de ética como forma de ajudar o negócio a sobreviver ou como meio de aumentar os seus próprios benefícios. E, o mais preocupante de tudo é o facto de, entre todos os respondentes, ser a geração Y, a mais nova (aqui considerada como aqueles que têm entre 25 a 34 anos), aquela que mais disposta se mostrou a justificar este tipo de maus comportamentos.
Uma outra conclusão revelada por este inquérito alargado demonstra que enquanto no passado os indivíduos se mostravam motivados pelo desejo de protegerem a empresa para a qual trabalhavam, actualmente os seus níveis e lealdade são, sobretudo, para com a sua própria unidade de negócio ou para com os seus ganhos individuais. E, mesmo quando se mostram preocupados com o comportamento errado dos seus pares, não sabem como ou hesitam no reportar de informação sobre os vários tipos de conduta imoral com os quais convivem quotidianamente.
Assim, e como alerta Jim McCurr, responsável pela região EMEIA e pelos serviços de investigação de fraude e disputas da EY, num ambiente crescentemente digital e automatizado, e no qual os empregados ou não justificam falhas éticas ou hesitam em reportá-las a quem de direito, as empresas devem, e rapidamente, adoptar novas tecnologias, em conjunto com a lógica computacional, para identificar e detectar maus comportamentos. Aliás, o presente relatório tem como questões iniciais as seguintes: Instinto Humano vs Lógica das Máquinas: em qual deles mais confia na luta contra a fraude e a corrupção?
Para este especialista, a adopção de novas tecnologias que permitam melhor detectar e identificar possíveis falhas éticas nos processos das empresas não só as dotará a de mais e melhor informação, novas abordagens e novas formas de trabalhar, como lhes permitirá “atacar” os riscos e abraçar novas oportunidades neste mundo cheio de incertezas. Todavia e ao ter escolhido este relatório para analisar, não é no ambiente tecnológico que o VER se irá focar. Depois de uma visão geral sobre os seus principais resultados, a questão da falta de ética, sobretudo entre os jovens, aqueles que serão responsáveis por liderar as empresas no futuro não muito longínquo, parece-nos de crucial importância.
Restaurar a confiança à força?
Descontentamento popular com a globalização, instabilidade política e crescimento mais lento nos mercados emergentes são algumas das forças que estão a pressionar, de forma crescente, as empresas que, um pouco perdidas, tentam encontrar formas alternativas para atingir os seus objectivos de lucro, cada vez mais ambiciosos e “obrigatórios”.
Em termos gerais, e dada a persistente crise de confiança que há muito caracteriza o ecossistema empresarial, não é de estranhar que a fraude e a corrupção continuem a constituir um dos mais gritantes desafios para as empresas. No total, 77% dos 4100 inquiridos para este estudo afirmam apoiar a posição mais firme das instâncias internacionais para uma maior e mais direccionada regulação, em particular defendida pelos países emergentes. Ou seja, quase 80% dos inquiridos afirma concordar com novas iniciativas que responsabilizem, de forma individual, os executivos que incorrem em actos de má conduta. Por seu turno, em África, 63% dos inquiridos acreditam que a regulação tem um impacto positivo no comportamento ético, versus 52% na Índia.
Mas e por outro lado, no que respeita às escolhas éticas dos empregados, um em cada três presidentes pertencentes a conselhos de administração ou em posições de gestão sénior admite justificar pagamentos em dinheiro vivo para “ganhar ou reter negócios”. Ou seja, os resultados do inquérito indicam que comportamentos não éticos e níveis elevados de desconfiança face aos colegas fazem parte “normal” do ecossistema organizacional da actualidade, em particular entre executivos de topo, mas também nas gerações mais jovens. A prova reside no facto de, tal como os seus superiores hierárquicos, também um em cada quatro jovens pertencentes à geração Y consideram “comum” a oferta de dinheiro para “pagar” um novo negócio ou a manutenção de outro já existente. Enquanto líderes do futuro, e a não ser que acções eficazes sejam tomadas para definir e fazer cumprir padrões éticos elevados, a falta de ética poderá aumentar, ainda mais, no futuro.
Assim, monitorizar dados para melhor perceber os comportamentos dos empregados é uma hipótese a qual, e como é óbvio, encerra um conjunto importante de outras questões que, naturalmente, encontram uma enorme resistência, nomeadamente no que à privacidade diz respeito.
Como sabemos, a competitividade global em crescendo traduz-se na certeza de que, e mais do que nunca, os activos das empresas se encontrarem mais fragilizados, com um risco aumentado de roubo, danos e manipulação por parte de insiders (e não só). E se os reguladores pressionam, por um lado, para serem as empresas a auto-reportar exemplos de má conduta, também estas precisam de se apetrechar de tecnologias mais avançadas para identificar e mitigar ameaças internas.
Mas a solução não é, em si mesma, ética. Estas ameaças internas podem ser dificilmente detectadas sem a recolha e análise de dados proveniente de um número significativo de fontes, incluindo a comunicação por email e o acesso remoto aos computadores dos empregados. Assim, não é difícil de compreender que apesar de 75% do total dos respondentes concordarem que as empresas devem monitorizar os dados que por ela “transitam”, 89% consideram, em simultâneo, que tal é uma violação da sua privacidade. De acordo com os responsáveis por este estudo, e por motivos de força maior, as equipas de gestão precisam, contudo, de assegurar que os seus empregados compreendam o valor de analisar e potenciar esses dados e explicar as perturbadoras implicações para a própria empresa caso exista roubo ou fuga de informação.
Se o whistleblowing (os mecanismos de delação internos) funcionasse, o problema poderia ser mais facilmente abordado. O estudo revela que quando os inquiridos se mostram preocupados com actos de má conduta por parte dos seus superiores ou colegas, ou hesitam como reportá-los ou nem sequer sabem como fazer a denúncia. Mas o facto mais interessante assenta na seguinte realidade: quando os empregados se sentem dispostos a fazer algum tipo de denúncia, a maioria (73%) prefere reportar externamente, ou seja, às autoridades reguladoras, às entidades legais ou aos media. Ou seja, para a empresa, este processo torna-se muito mais difícil de gerir.
Adicionalmente, 52% dos inquiridos admitem ter tido em sua posse informação ou preocupações legítimas sobre má conduta nas empresas em que trabalham, sendo que quase metade dos mesmos sentiu uma enorme pressão para reter essa mesma informação. Destes, 30% afirmam não reportar qualquer informação devido à lealdade que devem aos seus colegas e 51% afirmam não o fazer por ter medo de possíveis consequências negativas para a sua carreira.
Para responder a estes desafios, as empresas precisam de ir bem mais além do que as normas mínimas de compliance e desenvolver programas que motivem todos os empregados a fazer o que é certo, reconhecendo e lidando com desconexões entre diferentes gerações. Tal deverá incluir o estabelecimento de planos de formação e sensibilização que encorajem aqueles que manifestam preocupações com a falta de ética alheia a “fazerem o que é necessário”. Complementarmente, todos estes passos deverão ser reforçados por uma gestão eficaz de risco que utilize a tecnologia e a lógica computacional para identificar e diminuir as ameaças externas, tanto as que são provenientes de relacionamentos com outros negócio como os “já normais” ciberataques.
Geração Y é mais motivada pelos ganhos pessoais do que por lealdade à empresa
Depois de tantas esperanças depositadas no conjunto de pessoas mais jovens a integrar a força laboral, depois de tantos estudos e análises sobre a sua vontade de mudar o mundo e constituindo a mais academicamente “dotada” geração de sempre, é com alguma surpresa – e tristeza legítima – que se apresentam os seguintes dados. Um estudo é só um estudo, poderemos afirmar, mas a verdade é que esta amostra é representativa o suficiente para nos deixar preocupados.
O survey em causa revela uma diferença bastante significativa em termos de percepção entre a gestão sénior e os demais empregados no que respeita à comunicação efectiva em torno das normas éticas. Cerca de metade de todos os gestores de topo e seniores entrevistados já “ouviu mensagens” sobre esta temática comparativamente a apenas 32% dos gestores mais juniores, o que não deixa de ser, também, um mau trabalho feito pelos líderes de topo. E se as mensagens em torno da conduta ética não são ouvidas em determinada organização, quão confiantes conseguem ser as empresas no que respeita ao que de bom ou mau fazem os seus empregados?
Afcionalmente, tal como referido anteriormente, será que os executivos de topo estão a dar um bom exemplo? Pois, na verdade, não. De acordo com a pesquisa, 77% dos membros dos conselhos de administração e gestores seniores entrevistados concordam que é possível justificar comportamentos não éticos desde que seja para “salvar o negócio”, enquanto um em cada cinco afirma que, deliberadamente, seria (ou é?) capaz de mentir sobre a verdadeira performance da sua empresa. Face aos seus pares, estes respondentes mostraram-se preparados para agir imoralmente para aumentar o seu nível de remunerações, com cada dois em cinco a admitir fazê-lo.
Assim, e se a gestão sénior não está, de todo, a dar o exemplo no que respeita à comunicação e transmissão destes “bons ensinamentos”, qual o impacto deste comportamento no resto da organização?
Negativo, como seria de se esperar. Os resultados do estudo indicam que este relaxamento de atitudes em relação a condutas não éticas, em conjunto com níveis elevados de desconfiança face aos colegas, constituem características comuns na força laboral da actualidade, particularmente entre as gerações mais jovens.
Os respondentes entre os 25 e os 34 anos (a geração Y ou millennials) foram os que maior disponibilidade demonstraram, comparativamente a qualquer outa faixa etária, para justificar comportamentos não éticos como forma de ajudar um negócio a sobreviver, para atingir as suas metas financeiras ou para ir ao encontro da sua própria progressão na carreira.
Esta realidade é comprovada por 73% de todos os millennials entrevistados afirmarem que a conduta não ética pode ajudar à sobrevivência do negócio, enquanto um em cada quatro justificam os pagamentos em dinheiro (subornos) para “comprar” ou manter um negócio, face a apenas um em cada dez nos respondentes com mais de 45 anos.
Os inquiridos da geração Y mostram também menor propensão em confiar nos seus colegas. Enquanto dois em cada cinco inquiridos, no total da amostra, acreditam que os seus colegas poderiam incorrer em falhas éticas só para progredirem na carreira, a percentagem sobre para 49% entre os membros da geração mais jovem.
Pior ainda, mas em consonância com o desprezo aparente pelas normas, é o facto de 68% dos mais jovens acreditarem que a gestão de topo das empresas para que trabalham é facilmente capaz de adoptar comportamentos fora dos limites éticos para ajudar o negócio a sobreviver.
Más notícias, portanto.
E como se posiciona Portugal?
No que respeita a resultados detalhados e por país, o estudo da EY avaliou cinco grandes temáticas, todas elas contendo uma pergunta e uma resposta, que permitem estabelecer, naturalmente, um ranking (v. Nota) dos 41 países analisados face aos principais desafios encontrados neste mesmo inquérito. Vejamos como se comporta Portugal
Em termos de percepção de corrupção, Portugal ocupa a 19ª posição, ou seja, acima da média, a qual se centra entre o 21º e o 22º lugar. Os países percepcionados pelos próprios inquiridos como os mais corruptos são, e no topo da lista, a Ucrânia, o Chipre, a Grécia, a Eslováquia, a Croácia e o Quénia. Já entre os que demonstraram menores níveis de percepção face a esta matéria, que inclui suborno e outros tipos de corrupção, a Dinamarca é a recordista, seguida da Noruega, Finlândia, Suíça e Suécia.
Quanto ao impacto que as actividades regulatórias têm na ética, e por país, Portugal ocupa a posição 13 (com pouco impacto, por isso), com a Nigéria, a Jordânia, o Quénia, a índia e o Chipre a revelarem-se como os países em que o impacto parece ser mais benéfico para as suas empresas e com a França, a Finlândia, a Eslováquia, a Dinamarca e a Ucrânia a não darem importância ao tema.
Em resposta à questão “nos últimos dois anos, com que frequência ouviu a gestão de topo comunicar sobre a importância de se manterem elevados padrões éticos, bem como comportamentos, na condução dos negócios da empresa?”, os países que o “escutaram frequentemente” englobam a Jordânia, o Quénia, a Nigéria, o Chipre e a África do Sul. Portugal ocupa um preocupante 29º lugar no que a esta matéria diz respeito, com os resultados piores a incluírem a Rússia (a pior classificada), seguida pela Áustria, surpreendentemente pela Alemanha, Suíça e Letónia.
Questionados sobre se aceitariam qualquer tipo de pagamento ou bónus como forma de “empurrão na carreira”, os países que mais “depressa” responderam que sim foram o Omã, o Egipto, a Arábia Saudita, a Índia e União dos Estados Africanos, versus os que mais que responderam que “não” e que incluem a Dinamarca, a Holanda, a Noruega, a Eslovénia e a Bélgica. Em 41 países, e nesta questão em particular, Portugal ocupa a 32ª posição (o que se traduz no nosso melhor resultado).
Já relativamente ao conhecimento da existência de linhas de denúncia nas empresas em que trabalham, para monitorizar a compliance com as regras antifraude e anticorrupção, os países que maior conhecimento demonstraram face às mesmas foram o Quénia, a Ucrânia, a Noruega, a África do Sul e o Reino Unido face a países que responderam ter nenhuma ou pouca consciência da existência deste tipo de mecanismos de whistleblowing como a Bélgica, a Croácia, a Alemanha , a Letónia e a União de Estados Africanos. Em Portugal, e face à média que se situa entre a posição 19 e a 20, o conhecimento não vai além do 30º lugar.
Nota: O ranking em causa obedece a uma estrutura de pergunta/resposta, o que não simplifica a leitura em termos de posição ocupada por cada país. Para uma melhor visão global e contextualizada, siga aqui as diferentes questões colocadas.
Editora Executiva