Num inquérito global feito a 1000 alunos que pretendem seguir os seus estudos em Gestão, a disciplina de Ética aparece em 5º lugar nas preferências, depois de anos e anos a posicionar-se na cauda das opções possíveis. A que se deve este interesse crescente e, sem dúvida, surpreendente? Como sugere a P&Q, um site de media exclusivamente dedicado ao universo da gestão, esta pode simplesmente ser uma resposta aos desafios sociais e ambientais que se vive na actualidade, todos eles com uma dimensão ética. E as escolas de negócios estão atentas à tendência
POR HELENA OLIVEIRA
Em Agosto último, e tal como noticiado pelo VER, o Business Roundtable, que representa 181 CEOs das maiores empresas dos Estados Unidos, assumiu publicamente um “novo propósito”para os negócios que operam. De uma forma muito sumária, este novo compromisso promete diminuir o peso do “primado dos accionistas”, trabalhando ao invés em prol de todos os stakeholders e apostando numa maior consciência social e ética.
Para além das pressões sociais que há muito clamavam por esta maximização do propósito em detrimento da mera maximização do lucro, é de sublinhar o papel dos trabalhadores mais jovens que, em inúmeros inquéritos e estudos, têm vindo a demonstrar a sua preferência por empresas que colocam a ética em primeiro lugar e que não cedem à procura desenfreada do lucro acima de todas as coisas. Por terem crescido num ambiente propício a muitos escândalos empresariais, por terem testemunhado a crise financeira de 2008 e por trabalharem numa era em que a ética é tão desejável quanto escassa, a geração Y – ou a dos millennials – é muito mais exigente no que respeita às respostas das empresas aos desafios sociais e ambientais e à forma como estas se comportam perante todos os seus stakeholders. É evidente que os tempos estão a mudar e que questões que há algum tempo pareciam ser apenas secundárias para os negócios, posicionam-se agora no centro das suas operações.
Assim, e tendo em conta esta nova era, e dado que a geração que se segue à Y (a denominada geração Z) é a que mais representada está nos cursos de gestão da actualidade, de que forma é que as escolas de negócios estão a responder a estes novos desafios e o que reclamam estes novos estudantes face à necessidade de mais ética na condução das empresas?
Um estudo recente, intitulado Tomorrow’s Masters, e publicado pela empresa de marketing britânica Carrington Crisp e pelo EFMD, uma organização não lucrativa dedicada ao desenvolvimento da gestão e que serve como uma entidade de acreditação para as escolas de negócio e universidade corporativas, concluiu que a ética empresarial está a ser crescentemente procurada pelos alunos dos cursos de gestão. Os responsáveis pelo estudo entrevistaram cerca de 1000 alunos de várias partes do mundo, os quais estão a considerar prosseguirem a sua formação académica em gestão de empresas e, de forma surpreendente, a ética empresarial posiciona-se em 5º lugar em termos de preferências, apenas superada por disciplinas como análise de big data, contabilidade, finanças e direito empresarial e, de sublinhar, pontuando melhor até que a “velha” economia. E de forma surpreendente porquê? Porque o mesmo inquérito conduzido em 2018, ou há apenas um ano, colocava a ética empresarial na 18ª posição em termos de preferências, e porque em outros inquéritos similares feitos a estudantes de MBA, a mesma tem obtido sempre pontuações baixas, raramente ultrapassando a fasquia do 20º lugar. Mas e então, o que se está passar e por que motivo existe um aparentemente súbito interesse por esta disciplina?
Como relata o P&Q, um site de media exclusivamente dedicado ao universo da gestão e aos temas que mais interessam aos alunos das escolas de negócios e nas palavras de Andrew Crisp, responsável pelo estudo acima mencionado, “os alunos que estão a pensar tirar um master em gestão são, na sua generalidade, mais jovens e reflectem uma nova geração de estudantes das áreas de negócios com um interesse crescente na gestão responsável”.
Porque o mundo em que vivemos acusa uma enorme falta de ética
Na verdade, 68% dos respondentes ao inquérito Tomorrow’s Masters têm idades compreendidas entre os 22 e os 25 anos, o que significa que viveram grande parte da sua vida escolar no rescaldo da crise financeira de 2008, testemunharam a ascensão das “fake news” e assistem ao desenrolar da crise climática, assumindo-a como uma ameaça imediata e não como um problema de longo prazo, sendo que todas estas questões encerram elementos que em tudo estão relacionados com a ética.
Como afirma o P&Q, é certo que apenas um estudo não prova nada. Mas, e por outro lado, será que as escolas de negócios estão também a testemunhar este interesse crescente relativamente à ética empresarial? E estão os alunos mais novos, em particular a geração Z, a pensar de uma forma diferente face aos seus antecessores? A resposta é um “talvez”.
“No programa de MBA deste ano, tenho uma aula de ética com cerca de 30% a 35% mais de alunos do que é costume”, afirma Craig Smith ao P&Q, responsável pelas disciplinas de Ética e Responsabilidade Social na INSEAD Business School, sedeada em Paris e Singapura. Andreas Rasche, professor de Negócios e Sociedade no Center for Corporate Social Responsability da Copenhagen Business School, acrescenta: “esta geração, especialmente os estudantes mais novos, está mais interessada em ética, tanto no que diz respeito à componente moral dos debates como no que diz respeito à própria gestão”.
Claro que não é possível afirmar que todos os estudantes em escolas de negócios ficaram, de repente, muito interessados em questões relacionadas com a ética. Mas é possível afirmar que este interesse é, certamente, um reconhecimento da realidade em que vivemos. Alfons Sauquet, professor no Departamento de Gestão de Pessoas e Organizações na ESADE de Barcelona, diz: “Os estudantes estão bem informados. Quando uma empresa como a Nike altera a sua forma de fazer as coisas, optando pela responsabilidade social corporativa e pela sustentabilidade, é porque sabe que tem um público que lhe diz que é isso que querem que seja feito. E os estudantes estão muito conscientes destas histórias, as quais são também e crescentemente objecto de discussão nas aulas”.
Por seu turno, Craig Smith do INSEAD, afirma que os estudantes testemunham também “um aumento no activismo político corporativo. Vemo-lo em particular nos Estados Unidos, o que é, parcialmente, uma resposta a Trump, apesar de não ser a única razão. De forma crescente, os trabalhadores esperam que as empresas em que trabalham tenham voz no que respeita às questões sociais e políticas que são relevantes”, sendo que os estudantes estão atentos e querem compreender estes fenómenos.
Os estudantes não são necessariamente “melhores” do que as gerações que os precederam, mas “têm um conjunto diferente de prioridades”, acrescenta ainda o professor da ESADE. E alguns dos assuntos centrais que enfrentam – sejam as alterações climáticas ou os comportamentos de exploração nas cadeias de fornecimento – têm uma dimensão ética. Por outro lado, diz ainda que é “politicamente correcto” afirmar que nos importamos com a ética, o que também acaba por ser verdade nas próprias escolas de negócios, que querem acompanhar a tendência.
E como saber se as escolas de negócios estão a leccionar adequadamente a ética?
Como é possível saber se a ética está adequadamente integrada nos currículos das escolas de negócios? De acordo com a P&Q, uma forma de responder a esta questão é começar por olhar para o historial dessas mesmas escolas. Por exemplo, tanto a ESADE como o IESE são organizações orientadas por valores religiosos. Já a Copenhagen Business School é “inundada” pelas questões ecológicas e de igualdade comuns aos países escandinavos e, no caso do INSEAD, o seu compromisso com a diversidade é um rótulo visível nos seus três campus em Paris, Singapura e no Dubai.
A existência da ética empresarial como uma matéria opcional pode sugerir uma abordagem mais séria ao tópico em causa, mas a verdade é que, e na actualidade, a ética é normalmente integrada nos estudos de responsabilidade social corporativa e sustentabilidade. Marc Badia, director do programa de MBA na IESE Business School de Barcelona, afirma que uma boa escola deverá abordar a ética de uma forma “holística” e não num “silo”. “Na maioria dos casos”, diz, “o professor deve integrar sempre a perspectiva ética. E nós tentamos assegurar que os docentes percebam que tal não pode ser distanciado das demais decisões quotidianas dos negócios”. Badia sublinha assim que a ética empresarial não deve ser considerada como um “complemento”, mas sim estar profundamente interligada com tudo o que é ensinado. “As pessoas pensam muitas vezes na ética como as consequências da gestão nas outras pessoas”, declara. “Claro que isso é uma parte, mas há que questionar também ‘em que tipo de pessoa estou eu a transformar-me ao fazer determinadas coisas’? Ou seja, pensamos igualmente em termos de carácter moral”.
Confiar nos rankings para se saber se determinada escola de negócios é realmente eficaz no ensino da ética é algo complexo, como escreve também a P&Q, acrescentando que a única alternativa é fazer algum tipo de pesquisa. Marc Badia sugere: “Pode-se perguntar quantas horas é que são despendidas neste tipo de questões e também ter em linha de conta os interesses de investigação do corpo docente, o que ajuda a perceber qual o enfoque dado à ética”. Alfons Sauquet acrescenta que “se deve perceber também se a escola em causa tem o seu próprio plano de sustentabilidade, se o mesmo é público e se envolve todos os stakeholders”, acrescentando que também é útil conhecer os seus centros de pesquisa.
Falar com antigos alunos, e com os actuais, é talvez a melhor forma de se poder responder a esta questão, acrescenta ainda o P&Q. E olhar para além dos cursos ministrados também: professores convidados, clubes, sociedades e conferências são excelentes indicadores do que realmente oferece uma escola de negócios.
Se esta é uma tendência que veio para ficar, não sabemos. Mas que se apresenta como um gigantesco passo em frente, sem dúvida.
Editora Executiva