Taças feitas de lego, entregues pelo “pai” da Internet, Vinton Cerf, numa cerimónia que juntou um conjunto de jovens mentes brilhantes na sede da Google na Califórnia. O acontecimento: a primeira Feira da Ciência, patrocinada pelo gigante dos motores de busca, para miúdos entre os 13 e os 18 anos. A concurso, cerca de 10 mil projectos, provenientes de 91 países. E, nas três categorias, o prémio foi para as mãos de três meninas, donas de cérebros que já dão que falar
POR HELENA OLIVEIRA

© Google

Shree Bose tinha cerca de sete anos quando decidiu que os miúdos da sua idade detestavam espinafres porque estes eram verdes. Durante algumas semanas, injectou corante alimentar azul numa planta de espinafres e o resultado foi um molho dos mesmos manchado e enrugado – tinha-se esquecido de os regar – que acabou, contudo, por ganhar o primeiro lugar na feira de ciência escolar desse ano. Vários anos se passaram e, desta feita, Shree Bose foi a vencedora da primeira Feira da Ciência promovida pela Google, para jovens entre os 13 e os 18 anos, e que recebeu cerca de 10 mil candidaturas de projectos científicos provenientes de 91 países.

Patrocinada não só pela Google, mas também pela LEGO, o CERN [Organização Europeia para a Investigação Nuclear], a National Geographic e a Scientific American, o objectivo desta primeira feira de ciência reveste-se de dois significados: encorajar jovens cientistas a fazerem experiências e, como não se dá ponto sem nó, utilizar os produtos da Google em paralelo. Ou seja, a grande diferença relativamente a outras feiras de ciências já reconhecidas – como as que são patrocinadas pela Siemens e pela Intel, por exemplo – reside na forma como os candidatos submetem os seus projectos: fazem-no online, utilizando produtos tão familiares para os jovens da actualidade como o Gmail, o YouTube ou o Google Docs. De acordo com os responsáveis do gigante dos motores de busca, a ideia é que miúdos de todo o mundo, independentemente dos recursos que tenham, possam participar com os seus projectos. E, ao colocar os seus produtos nas mãos destas mentes promissoras, a Google está a tentar posicionar a sua marca como algo central nas suas vidas.

Os três troféus oferecidos este ano, pela mão do “pai da Internet”, Vinton Cerf, um dos júris do concurso, eram feitos de lego e foram três pares de mãos femininas a receberem-nos: na categoria dos 13-14 anos, a vencedora foi Lauren Hodge, com uma marinada que reduz a quantidade de compostos cancerígenos na carne grelhada; Naomi Shah, que ganhou na categoria dos 15-16, com um estudo sobre os efeitos da qualidade do ar nos pulmões, particularmente nas pessoas que sofrem de asma; e, por último, a menina que tingiu de azul os espinafres verdes ganhou o grande prémio, na faixa etária dos 17-18 anos, com uma pesquisa de um fármaco comummente utilizado para combater o cancro do ovário, a cisplatina, mas cujas células cancerígenas acabam por se tornar resistentes ao mesmo. O feito de Shree foi ter conseguido descortinar uma forma de contra-atacar essa resistência, permitindo que a cisplatina mantenha a sua eficácia e continua a matar as células cancerígenas.

Estados Unidos lideram e a Google dá uma ajuda
Dos 60 semifinalistas, 15 foram à final – nove rapazes e seis raparigas – sendo que as três vencedoras são norte-americanas. Bem como quase 75% dos finalistas e cerca de 60% das candidaturas a concurso. O facto de terem sido três raparigas a vencerem nas respectivas categorias foi amplamente sublinhado pela imprensa, no sentido em que ainda subsiste a ideia de que o mundo da ciência continua a ser dominado pelos homens, particularmente nas áreas que estavam a concurso: ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Todavia, Vinton Cerf assegurou, ao The New York Times,  que a promoção das mulheres na ciência não constituiu objectivo da Google nem pesou na decisão final do júri.

No blog associado à Feira da Ciência, pode ler-se: “os elementos que unem as três jovens mulheres vencedoras são a curiosidade intelectual, a sua tenacidade e a ambição demonstrada para utilizar a ciência de forma a encontrar soluções para grandes problemas. Todas analisaram problemas complexos e descobriram a soluções simples que podem ser implementadas pelo público em geral – como alterar os hábitos na cozinha ou remover toxinas das nossas casas – bem como soluções mais complexas que poderão ser abordadas em laboratórios por médicos ou investigadores, como é o caso da descoberta inovadora de Shree e que poderá ter implicações alargadas na pesquisa sobre o cancro”.

Mas não só as três vencedoras merecem menção. Os projectos apresentados representam uma panóplia de áreas e de ideias extremamente inovadoras mas, em particular, são as suas fontes de inspiração que mais dão que pensar. De acordo com Alice Bell, editora de ciência do The Guardian e que fez parte também do júri – que juntou líderes da Google, um laureado com o Nobel e três exploradores do National Geographic – “muitas das ideias apresentadas pelos jovens foram estimuladas por doenças na família ou por questões políticas e sociais que os atormentam”.

A título de exemplo, Lauren Hodge estava sentada na sala de espera do seu médico quando leu numa revista sobre um processo legal contra empresas de fast food por não informarem os seus consumidores sobre os carcinógenos existentes nas carnes grelhadas. Mais tarde, em casa e enquanto via a mãe a cozinhar, descobriu que se se fizesse uma marinada com sumo de limão e açúcar amarelo, os níveis de carcinógenos eram significativamente reduzidos, ao passo que a utilização de molho de soja os aumenta.

As histórias multiplicam-se. Como a de Vignesh, que estava a tocar na sua banda da escola quando descobriu que não existia um programa que transcrevesse música. Então escreveu um que, segundo espera, terá igualmente aplicações na sismologia, no reconhecimento da fala e na detecção do cancro. Ou a de Harine que, de visita aos seus avós numa pequena aldeia na Índia, descobriu que as crianças locais se debatiam diariamente com o fornecimento de energia que nunca era suficiente para que pudessem terminar os seus trabalhos de casa antes de escurecer. E resolveu o problema. Ou ainda a de Dora, que enquanto lia um artigo na Scientific American sobre a perda de memória, divisou um programa de reconhecimento facial.

A Feira de Ciência da Google ainda não tem o reconhecimento desejado, mas a verdade é que esta aposta do gigante empresarial poderá ajudar a um desígnio maior: melhorar os níveis de ciência e matemática dos estudantes norte-americanos, que têm vindo a descer nos rankings nacionais e internacionais. A Google está a penetrar nas escolas de várias formas: não só através da oferta de aplicações para “adultos”, como recrutando alunos para serem embaixadores das Google Apps ou patrocinando workshops de ciências computacionais para professores. Com os cortes orçamentais nas escolas e também com a redução do número de professores, a Google está verdadeiramente empenhada em alargar a sua intervenção para ajudar a formar futuros cientistas.

E como não há concurso sem prémios, todos os finalistas receberam um jogo cientifico da lego e um notebook Chrome da Google. As vencedoras das categorias 13-14 e 15-16 anos receberam bolsas de estudo no valor de 25 mil dólares e a possibilidade de estagiarem na Google e na LEGO. Quanto à grande vencedora, irá, durante 10 dias, redescobrir a famosa viagem de Charles Darwin até às ilhas Galápagos, numa expedição da National Geographic, uma bolsa para estudos futuros no valor de 50 mil dólares e uma outra viagem para visitar o CERN.

 

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