Foi no mais recente almoço-debate da ACEGE, e sob o tema “Liderar para transformar”, que José Theotónio falou sobre os principais desafios do seu cargo no Grupo Pestana. Contando a história de sucesso desta cadeia hoteleira, o seu CEO afirma ter orgulho de ser “um elemento dinamizador e facilitador”, considerando que para si é fundamental “liderar com o exemplo, junto dos colaboradores, dando-lhes oportunidades e mostrando-lhes os valores” que pratica
POR MÁRIA POMBO

E se uma fuga à fome e à guerra ditasse o início de uma vida difícil, mas bem-sucedida? E se, ao fim de vários anos a trabalhar para pagar uma viagem de avião, fosse possível comprar um empreendimento e crescer a partir daí ao ponto de um nome de família ser reconhecido em qualquer parte do País e além-fronteiras? E se, ao invés de cumprir a vontade dos pais e vender um hotel em decadência, um filho tivesse a ousadia de pegar nele, construindo um império? Esta é uma história verídica. É a história do grupo Pestana, contada pelo seu actual CEO, José Theotónio, no almoço-debate da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) que se realizou no passado dia 28 de Fevereiro, em Lisboa.

Tudo começou no final da Segunda Guerra Mundial, quando Manuel Pestana fugiu da Madeira, com apenas 20 anos, rumo à África do Sul (que era considerada a terra do ouro), para escapar à fome e à pobreza, e onde trabalhou arduamente durante vários anos. Nessa altura, e após ter ganho estabilidade financeira, o madeirense criou condições para receber a mulher e os irmãos, tendo criado com estes uma sociedade no sector da distribuição.

Na altura do Apartheid, e numa época em que era necessário investir a sua poupança fora da África do Sul, os oito irmãos resolveram fazer dois investimentos no início da década de 70: um na Madeira – o Hotel Atlântico e transformando-o no Sheraton Madeira, entregando a sua gestão a uma cadeia internacional – e outro em Moçambique – o chamado Prédio Funchal, que era o maior prédio de Maputo. Contudo, e apesar dos esforços, os negócios não corriam como planeado e o destino do Sharaton estava traçado: o investimento não tinha corrido bem e a única solução seria vendê-lo.

[quote_center]“A capacidade permanente de adaptação à mudança é essencial no sector hoteleiro”[/quote_center]

Porém, e fitando o destino, José Theotónio conta que, em 1976, Dionísio Pestana (filho de Manuel Pestana), que nasceu e cresceu na África do Sul, “veio à Europa fazer o seu gap year e achou a ilha da Madeira linda, recuperando o hotel da família” e transformando-o naquele que é actualmente conhecido como o Pestana Carlton Madeira. Este é considerado o ponto de viragem na história da família e do negócio. Desde então, “o crescimento tem sido feito de uma forma gradual”: entre a abertura do primeiro hotel e a do segundo passaram 14 anos e a internacionalização só acontece em 1998, aquando da abertura de um hotel em Moçambique. Em 2003, e após ganhar a gestão das Pousadas de Portugal, o seu portfólio cresce exponencialmente. Actualmente, e com um volume de negócios que ultrapassa os 470 milhões de euros, o grupo prepara-se para abrir 20 novas unidades hoteleiras nos próximos meses.

De acordo com o gestor, o segredo do sucesso do grupo está no facto de ser “uma empresa familiar, com um único accionista que é o Dionísio Pestana” e na “capacidade e gosto pelo risco empresarial”, em que se exploram diversas oportunidades de negócio e se assumem os erros quando uma estratégia ou acção não produz os efeitos desejados. Complementarmente, o gestor assume com orgulho que “o grupo Pestana tem conseguido evitar a vaidade do investimento”, existindo uma sede de aprendizagem “tanto com os maiores como com os mais pequenos” e uma necessidade de “replicar aquilo que outros fazem bem”. Um outro factor que tem sido determinante para o crescimento do negócio está relacionado com a “capacidade permanente de adaptação à mudança, que é essencial no sector hoteleiro”.

E por falar em mudança, o CEO do grupo explica que quando entrou para o grupo, em 2000, “contratavam-se pessoas que sabiam falar várias línguas”, independentemente da sua área de formação ou experiência profissional, sendo que o negócio era feito com os operadores hoteleiros, e eram estes últimos que, através de um acordo em termos de preços, arranjavam clientes para se hospedarem nos diversos hotéis.

Com o passar do tempo, o grupo foi sofrendo algumas alterações. Em termos de oferta, o grupo deixou de ter apenas resorts e passou a ter também hotéis de cidade, o que permite alojar clientes com diferentes perfis e necessidades. Por seu turno, e no que ao modelo de negócio diz respeito, também existiram alterações, com os operadores hoteleiros a deixarem de ser os principais intermediários entre os hotéis e os clientes, dando lugar às companhias aéreas e às plataformas electrónicas, o que, por si só, trouxe consigo um conjunto de outras mudanças no modo de gerir a empresa. De acordo com José Theotónio, esta realidade “está associada ao aparecimento das companhias low cost e o resultado foi que muitas transacções passaram a ser feitas pela internet”.

[quote_center]“Os erros acontecem e temos de estar preparados para eles”[/quote_center]

Actualmente, e como explica o CEO do grupo Pestana, “o turismo de travel é o sector líder no comércio electrónico”, beneficiando empresas e plataformas que nada têm a ver com o turismo. A Google, por exemplo, é a empresa que mais beneficia com o turismo devido às buscas dos viajantes, seguindo-se as plataformas electrónicas, como o Booking, que permitem que os turistas encontrem e reservem alojamento com relativa facilidade. De um modo quase surpreendente, o gestor refere que “os hoteleiros são os últimos a beneficiar com esta nova forma de viajar”, tendo em conta que continuam a ser os detentores das unidades hoteleiras, mas vendo-se obrigados a adaptarem-se constantemente às oscilações do mercado e aos novos perfis de turistas.

“Eliminar as guerras entre poderes” é regra de ouro

Para fazer face a todas as mudanças, o grupo começou por se organizar em regiões – os chamados clusters – e criou serviços partilhados entre áreas com as TI, as compras, os recursos humanos e a parte financeira. Complementarmente, José Theotónio sublinha que “foram mantidas as regras básicas: boas localizações, o custo por quarto igual ao do primeiro dia e a garantia de um tratamento personalizado” já que este “é um sector de pessoas para pessoas”. Para além destas regras, existiu uma forte aposta na criação de equipas multidisciplinares, onde os colaboradores têm formação e experiência em hotelaria mas também em outras áreas, o que “implica investimentos em mais sistemas e em equipas mais dispendiosas”. Por fim, os órgãos de gestão do grupo assumiram que “mudança e inovação fazem parte do ADN”, que “os erros acontecem e temos de estar preparados para eles”, e que é importante “delegar responsabilidades”.

Abordando o papel da liderança no sucesso do grupo, José Theotónio começa por explicar que entrou na empresa há 19 anos na qualidade de director financeiro, sendo CEO da mesma há 10 anos. Enquanto líder empresarial, tenta “ser um elemento dinamizador e facilitador” e que é fundamental “escolher os melhores” para fazerem parte da sua equipa, “sem ter medo dos seus sucessos nem que saibam mais do que nós”. Uma outra regra de ouro para si é “eliminar as guerras entre poderes, sendo sempre leal ao chairman do grupo”, o que implica “aconselhar, concordar mas também discordar” quando assim entende.

[quote_center]É fundamental “escolher os melhores sem ter medo dos seus sucessos”[/quote_center]

“Dar oportunidade a todos os colaboradores” é outra estratégia seguida por José Theotónio, o que significa permitir que todos demonstrem o seu valor mas não se ser condescendente com as falhas. Por fim, o líder assume que para si é muito importante “saber que o erro tem de ser da administração e o sucesso tem de ser das equipas”, acreditando que a motivação é essencial para o sucesso.

Após a sua intervenção, houve espaço para algumas perguntas da plateia. Uma das questões esteve relacionada com o modo como o grupo tem lidado com a expansão além-fronteiras. Relativamente a este aspecto, o líder explica que “o turismo tem a particularidade de o risco não estar no país onde está a unidade hoteleira mas sim no país de origem dos clientes” e que “só se avançou para isso quando havia robustez dentro de ‘casa’, o que implica espaço para errar”.

Questionado acerca da sua formação cristã e do modo como esta tem relevância na gestão da empresa, o gestor responde que “ser cristão permite ter um grande respeito por todas as pessoas”, o que se traduz em “não humilhar, permitir segundas oportunidades, mas não ser complacente com a preguiça”. E esta questão tem particular relevância nos momentos em que é necessário “tomar decisões difíceis”. A título de exemplo, o gestor explica que “em 2009 o turismo desceu 40% e tivemos que fazer grandes restruturações”, considerando que os valores cristãos são fundamentais para fazer cortes “mas sem pôr todos em risco”.

Ainda a respeito deste tema, o CEO do grupo Pestana foi questionado acerca de como consegue ser missionário no seu dia-a-dia, sendo que José Theotónio considera que para si é fundamental “liderar com o exemplo, junto dos colaboradores, dando-lhes oportunidades e mostrando-lhes os valores que praticamos”.

[quote_center]“O erro tem de ser da administração e o sucesso tem de ser das equipas”[/quote_center]

E as questões colocadas no início deste artigo transformam-se assim em afirmações. Sim, uma fuga à fome e à guerra pode ditar o início de uma vida bem-sucedida. Sim, após vários anos de trabalho árduo é possível comprar um empreendimento e crescer a partir daí ao ponto de um nome de família ser reconhecido em qualquer parte do País e além-fronteiras. Sim, contrariar a vontade dos pais e pegar num hotel em decadência pode ser a ponte para a construção de um império. Esta é a história do grupo Pestana, que continua a crescer e a expandir-se desde 1976. O seu CEO contou-a, demonstrando que uma boa liderança é fundamental para o sucesso de um negócio.

Jornalista