Se há espécie que parece não aprender com os erros é, sem dúvida, a humana. Pelo 7º ano consecutivo, o índice que avalia os níveis de paz em 162 países apresenta uma deterioração preocupante. A contrariar a tendência positiva que vigorava há 60, em particular desde o fim da Segunda Grande Guerra, o mundo está crescentemente violento. E os custos desta violência representam “só” 11,3% do PIB global
POR HELENA OLIVEIRA

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“São muitos os factores macro que têm vindo a contribuir para a deterioração da paz nos últimos sete anos, incluindo as repercussões económicas contínuas da Crise Financeira Global, as reverberações da Primavera Árabe e a disseminação continuada do terrorismo”. O comentário é de Steve Killelea, fundador e presidente executivo do Institute for Economics and Peace (IEP), o organismo responsável pelo Índice de Paz Global, o qual chama a atenção urgente para um aumento gradual, mas notório, dos níveis de violência em vários países do mundo. O relatório de 2014 (relativo a 2013) confirma a tendência, presente em sete anos consecutivos, da escalada de conflitos violentos, a qual vem inverter um período de 60 anos de paz mundial crescente.

Killelea alerta ainda para o facto de esta realidade ter como resultado “custos muito reais na economia mundial: os aumentos no impacto económico global da violência e da sua contenção são equivalentes a 19% do crescimento económico global de 2012 para 2013. Colocando estes dados em perspectiva, os mesmos equivalem a cerca de 1,350 mil dólares por pessoa. O perigo é o de virmos a cair num ciclo negativo: um crescimento económico baixo conduz a níveis mais elevados de violência, sendo que os esforços realizados para os travar produzem um crescimento económico cada vez mais reduzido”.

As actividades terroristas, o crescente número de conflitos e o número de refugiados e de deslocados constituem os principais focos de tensão que contribuíram para a deterioração contínua do Índice de Paz Global. Adicionalmente, e como alerta o presidente do IEP, o impacto económico da contenção e gestão das consequências da violência ocorridas ao longo do último ano está estimado num valor que ascende aos 9,8 triliões de dólares, o equivalente a 11,3% do PIB global.

O IEP desenvolveu igualmente, para esta edição do seu Índice, novas técnicas de modelação estatística que permitem identificar, com 90% de acuidade, os 10 países mais ameaçados pelos níveis crescentes de perturbação e violência ao longo dos próximos dois anos. Assim, na lista dos países identificados como de maior risco encontram-se a Zâmbia, o Haiti, a Argentina, o Chade, a Bósnia e Herzegovina, o Nepal, o Burundi, a Geórgia, a Libéria e o Qatar, o país que, em 2022, irá receber o campeonato mundial de futebol e que tem estado sob profunda polémica.

Esta nova metodologia de análise inclui dados que remontam a 1996 e compara os países com a performance de estados que tenham características institucionais similares.

Como também refere o responsável do IEP: “o que é realmente transformacional nesta análise é a nossa capacidade de comparar o estado actual de paz de um determinado país com o potencial que o mesmo oferece para aumentar ou diminuir a violência no futuro. O potencial de paz de um país é moldado por vários factores positivos incluindo instituições sólidas, governos que funcionem bem, níveis reduzidos de corrupção e um ambiente propício aos negócios, os quais são denominados como os ‘Pilares da Paz’”.

Steve Killelea acrescenta ainda que dada a situação de deterioração global a que estamos a assistir, o mundo não pode ser complacente no que respeita aos fundamentos da paz, afirmando ainda que a pesquisa efectuada demonstra que não é possível contarmos com um florescimento da paz sem a existência de estruturas e princípios sólidos que a sustentem. “Este é um alerta para os governos, para as agências de desenvolvimento, para os investidores e para a comunidade internacional alargada que não se deve esquecer que a edificação da paz consiste num pré-requisito para o desenvolvimento económico e social dos países”.

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Tensões, conflitos internos e terrorismo
O ano que passou ficou marcado pelo aumento significativo de tensões na Ucrânia, pelo conflito contínuo na Síria, pela guerra civil que assola o Sudão do Sul e por um alargamento e intensificação das actividades terroristas em muitos países, destacando-se, neste caso, o Afeganistão, o Iraque, as Filipinas e a Líbia. Estes factores contribuíram assim para uma “descida” da pacificidade global, em linha com o que tem vindo a acontecer nos últimos sete anos e em contraciclo com a “subida” dos níveis de paz global que se assistia, em particular, desde o final da Segunda Grande Guerra.

A Islândia ocupa o primeiro lugar do Índice de Paz Global, à semelhança do que já acontecia em rankings anteriores, e com os 10 países mais “pacíficos” a incluírem nações, na sua maioria,  relativamente pequenas e democraticamente estáveis: Dinamarca (2), Áustria (3), Suíça (5), Finlândia (6), Bélgica (9) e Noruega (10). No top 10 incluem-se ainda a Nova Zelândia (4), o Canadá (7) e o Japão (8). Portugal ocupa, em 162 países (que representam 99,6% da população mundial), a 18ª posição, com a Grécia a bater bem fundo no índice em causa, ocupando um perigoso 86º lugar.

A região mais pacífica do globo continua a ser a Europa, com o sul da Ásia a representar os maiores níveis de violência. O Afeganistão deixou de estar no último lugar da tabela dos países com “menos paz”, tendo sido substituído pela Síria, que ocupa agora a 162ª posição. No que respeita à maior queda registada nesta última edição do índice, a mesma vai para o Sudão do Sul (que passou do lugar 145 para o 160), sendo agora o terceiro país menos pacífico do mundo. No que respeita aos mais elevados níveis de deterioração, o Egipto (153), a Ucrânia (152) e a República Central Africana (156) formam um verdadeiro trio de violência acrescida.

O nível de melhoria mais destacado encontra-se na Geórgia, a qual, segundo o índice, está gradualmente a regressar à normalidade depois do seu conflito, em 2011, com a Rússia, seguida pela Costa do Marfim que assinalou reduções significativas na propensão para demonstrações violentas e no número de pessoas deslocadas. Outros países que demonstram algumas melhorias a assinalar incluem o Burundi, a Eslováquia e a Mongólia.

A quebra na paz global ao longo do ano passado deveu-se principalmente à deterioração de quatro factores: a actividade terrorista, o número de conflitos internos e externos, as mortes decorrentes de conflitos internos e o número de refugiados enquanto percentagem da população. Para “contrabalançar” esta queda, o relatório destaca algumas melhorias em termos de terror político, no número de tropas armadas, no número de homicídios e no número de mortes resultantes de conflitos externos organizados. Ou, em suma, mantém-se uma tendência de longo prazo no que respeita ao decréscimo de conflitos entre estados e um aumento dos conflitos internos.

Quando o relatório afirma que, nos últimos sete anos, temos vindo a assistir a uma diminuição crescente nos níveis de paz global, o mesmo destaca ainda que apenas quatro indicadores mostraram melhorias, contra 18 que se deterioraram. O índice recorda os vários eventos internacionais que, ao longo dos últimos sete anos, têm vindo a contribuir para um aumento dos níveis de violência: os sangrentos conflitos no Médio Oriente; a deterioração da segurança no Afeganistão e no Paquistão; as guerras civis na Líbia e na Síria; o escalar das guerras travadas pelos cartéis de drogas na América Central; a deterioração dos níveis de paz na Somália, na República Democrática do Congo e no Ruanda; e, por último, uma realidade bem conhecida dos europeus da “actualidade”, as demonstrações de violência associadas com a recessão económica em vários países da Europa.

No que respeita ao lado positivo, o Índice destaca as melhorias na paz resultantes de taxas mais reduzidas de militarização, melhorias estas relacionadas com o abrandamento das operações militares no Iraque e no Afeganistão e com a estagnação dos gastos em despesas militares e também em tecnologias de guerra no orçamento europeu (resultante da sua crise financeira). Todavia, e contrária a esta tendência, uma chamada de atenção para o aumento da importação e exportação de armas.

Os quatro indicadores que sofreram uma maior deterioração ao longo dos últimos sete anos foram os níveis de actividade terrorista, as importações e exportações de armas per capita e o número de homicídios também per capita. Em contrapartida, os três indicadores com melhor evolução registada incluem a capacidade nuclear e o armamento pesado, o número de polícias per capita e o número de tropas armadas per capita.

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Os custos globais da violência
O IEP desenvolveu uma metodologia para estimar os custos da violência na economia global. O método avalia 13 dimensões diferentes da violência e dos conflitos, permitindo comparações relativas entre os 162 países, bem como a possibilidade de agregar as quantias em causa para se chegar a um número global. Os custos em termos de contenção da violência são definidos como uma actividade económica que está relacionada com as consequências ou prevenção da violência nos locais onde esta é direccionada contra as pessoas ou as propriedades.

Na medida em que esta metodologia foi inicialmente desenvolvida como parte do Índice de Paz Global 2013, foram introduzidos alguns aperfeiçoamentos na mesma para permitir estimativas mais rigorosas. Mas e mesmo assim, os responsáveis do Índice consideram estas estimativas como “extremamente conservadoras”, na medida em que lhes foi vedado o acesso a vários tipos de dados, de importância crucial para a sua análise geral.

Mas e mesmo assim, os números são impressionantes. Os gastos para conter e lidar com as consequências da violência em 2013 ascendem a 9,8 triliões de dólares, ou 11,3% do PIB global (uma subida de 0,4% face a 2012). Este valor é equivalente a cerca de 1350 dólares por pessoa ou superior a duas vezes a dimensão da economia de África. Comparativamente a 2012, as estimativas apresentadas representam um aumento de 179 mil milhões de dólares ou 3,8% a mais nos gastos em termos de consequências da violência globalmente. Por “rubrica”, os números que seguem demonstram os custos directos totais, em milhares de milhões de dólares:

  • Despesas militares: $2,535
  • Homicídios: $720
  • Segurança interna: $625
  • Crime violento: $325
  • Segurança privada: $315
  • Encarceramento: $185
  • Perdas no PIB decorrentes de conflitos: $130
  • Mortes derivadas de conflitos internos: $30
  • Medo: $25
  • Terrorismo: $10
  • Manutenção da paz pelas Nações Unidas: $5
  • Deslocados e refugiados: $2
  • Mortes derivadas de conflitos externos: $1

No que respeita aos principais dados a destacar, o relatório sublinha as despesas militares da China, revistas de 1,1 para 2,1% do seu PIB e, em termos do segundo grande movimento, um aumento no valor de 50 mil milhões de dólares como consequência das estimativas relativas aos “custos dos conflitos”, as quais incluem agora todos os países com mais de 500 mortos em batalhas.

Uma análise mais cuidada sobre os custos internacionais da violência permite à comunidade internacional aceder aos custos/benefícios associados a intervenções com vista a diminuir a violência e os benefícios prováveis que fluiriam caso se apostasse em melhorias na paz.

Para aceder ao relatório na íntegra, clique aqui
Leia também: Os passos atrás da Humanidade

Os países que mais contribuem para um mundo melhor

É um índice diferente e bem mais positivo, que avalia 125 nações com base no quão bem as mesmas fazem pelo “próximo”, em termos globais e em sete áreas: ciência e tecnologia, cultura, paz internacional e segurança, ordem mundial, planeta e clima, prosperidade e igualdade, e saúde e bem-estar. Chama-se The Good Country Index e tem a Irlanda no topo

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Criado através da fusão de 35 conjuntos de dados produzidos por organizações como as Nações Unidas, a Organização Mundial de Saúde, a Global Footprint Network, o Banco Mundial ou a UNESCO, ao longo de três anos, este novo índice permite avaliar os países que mais contribuem para o bem-estar global, no total e em categorias separadas. Como afirma Simon Anholt, o conselheiro político independente responsável pelo índice, “de acordo com os dados para cada país é possível definir quais são os credores da humanidade, os que representam um fardo para o planeta ou algo intermédio”.

Seguem-se alguns dos resultados:

  • Irlanda é o país que mais contribui para o bem da humanidade: tendo em conta a pequena dimensão da sua economia e os resultados combinados nas sete categorias do estudo, a Irlanda destaca-se entre os 124 países analisados como aquele que mais contribui para o bem da comunidade global;
  • Europa é o continente mais “bonzinho”: No top 30 do índice, a esmagadora maioria dos países que o compõem é europeia (Portugal é o 35º), o que transforma a região no mais significativo “cluster de bondade” do mundo. No top 10, 9 países são europeus – a excepção vai para a Nova Zelândia, classificada em 5º lugar, sendo a Irlanda seguida pela Finlândia, Suíça e Holanda;
  • Estado Unidos ou a Força Policial Global não se distingue na classificação: em 7º lugar na categoria de Saúde e Bem-estar, a sua melhor nota, a América não vai mais longe do que um 21º lugar no ranking total e péssima classificada em Paz e Segurança (114);
  • Exterior ao “mundo ocidental desenvolvido”, a Costa Rica é o país mais bem classificado: ocupa um honroso 22º lugar na tabela geral, seguido, em termos de países latino-americanos, pelo Chile (24º) e pela Guatemala (29º);
  • O Quénia lidera as nações africanas: a nação africana que mais contribui para o bem comum global é o Quénia, o qual, classificado em 26º lugar, é o único país de África a fazer parte do top 30, o que, para o responsável do estudo, comprova que fazer o bem não está relacionado com questões de dinheiro;
  • Os menos generosos: A Líbia é o país pior classificado neste ranking, seguindo-se o Iraque e o Vietname. A Rússia ocupa a posição 95, com resultados similares a países como as Honduras, o Kuwait e a República Democrática do Congo;
  • A melhor classificação para Portugal é na área da cultura. Comum bom 19º lugar em termos culturais não compensa, contudo, os maus resultados nacionais nas demais categorias:

Ciência e Tecnologia – 42
Paz e Segurança – 116
Ordem Mundial – 44
Planeta e Clima – 48
Prosperidade e Igualdade – 61
Saúde e Bem-estar – 51

Fontes: Business Insider e The Good Country Index

Editora Executiva