Se a tecnologia cumprir a sua promessa, há que contar com perturbações significativas no mercado de trabalho, expondo à automatização o equivalente a 300 milhões de trabalhadores a tempo inteiro nas grandes economias. Mas as estimativas também apontam para que uma adopção generalizada da IA possa aumentar o PIB global em 7%. Tudo depende, assim, e num período estimado em 10 anos, da adopção generalizada ou não deste tipo de inteligência artificial, podendo o crescimento da produtividade ser menor ou maior dependendo do nível de tarefas que a IA será capaz de executar e do número de postos de trabalho que acabarão por ser automatizados. Veja também neste artigo se a sua profissão se encontra no top 10 das ocupações que se tornarão obsoletas
POR HELENA OLIVEIRA

Os mais recentes progressos no domínio da inteligência artificial poderão levar à automatização de um quarto do trabalho efectuado nos EUA e na zona euro, de acordo com um estudo do Goldman Sachs publicado recentemente. 

No relatório intitulado “The Potentially Large Effects of Artificial Intelligence on Economic Growth”, o banco de investimento alertou que os sistemas de IA “generativos”, como o ChatGPT – que podem criar conteúdos que não se distinguem da produção humana -, poderão originar um crescimento da produtividade que poderá aumentar o produto interno bruto global anual em 7% num período de 10 anos.

Mas se a tecnologia cumprir a sua promessa, trará também “perturbações significativas” ao mercado de trabalho, expondo à automatização o equivalente a 300 milhões de trabalhadores a tempo inteiro nas grandes economias, segundo Joseph Briggs e Devesh Kodnani, autores do estudo. Os advogados e o pessoal administrativo estão, entre vários outros, entre os que correm maior risco de se tornarem redundantes.

A boa notícia é que esta “deslocação” de trabalhadores devido à automatização tem sido historicamente compensada pela criação de novos empregos, sendo que o surgimento de novas profissões e ocupações, e na sequência de inovações tecnológicas, poderá ser responsável pela grande maioria do crescimento do emprego a longo prazo. A combinação entre a poupança significativos de custos laborais, a criação de novos empregos e uma maior produtividade para os trabalhadores que não forem substituídos aumenta a possibilidade de um boom na produtividade que irá aumentar o crescimento económico de forma substancial, embora seja difícil de prever o momento dessa suposta “explosão”..  

Tudo depende, assim, e num período estimado em 10 anos, da adopção generalizada ou não deste tipo de inteligência artificial, podendo o crescimento da produtividade ser menor ou maior dependendo do nível de tarefas que a IA será capaz de executar e do número de postos de trabalho que acabarão por ser automatizados. 

Na avaliação feita pela Goldman Sachs, as tecnologias de IA generativa actualmente em destaque, como o ChatGPT, o Dall-E e o LaMDA, distinguem-se por três características principais: 1) os seus casos de utilização generalizados em vez de especializados, 2) a sua capacidade de gerar resultados novos, semelhantes aos dos humanos, em vez de se limitarem a descrever ou interpretar informações existentes, e 3) as suas interfaces acessíveis que compreendem e respondem com linguagem natural, imagens, áudio e vídeo.

Os dois primeiros avanços são fundamentais para alargar o conjunto de tarefas que a IA pode realizar, enquanto o terceiro é fundamental para determinar o seu calendário de adopção. 

Existem dois canais principais através dos quais a automatização impulsionada pela IA poderia aumentar o PIB global.

De acordo com a Goldman Sachs, e em primeiro lugar, a maioria dos trabalhadores está empregada em profissões parcialmente expostas à automatização da IA e, após a adopção desta última, é provável que apliquem pelo menos uma parte da sua capacidade libertada em actividades que aumentem a produtividade.

Em segundo lugar, a financeira estima que muitos trabalhadores que serão “deslocados” pela automatização da IA acabarão por voltar a trabalhar – e, por conseguinte, aumentar a produção total – em novas profissões que surgem directamente da adopção da IA ou em resposta ao nível mais elevado da sua agregação e à procura de mão-de-obra gerada pelo aumento de produtividade dos trabalhadores não deslocados. 

Ambos os canais têm muitos precedentes históricos. Por exemplo, as inovações nas tecnologias da informação introduziram novas profissões, como designers de páginas Web, programadores de software e profissionais de marketing digital, mas também aumentaram o rendimento agregado e, indirectamente, impulsionaram a procura de trabalhadores do sector dos serviços em indústrias como os cuidados de saúde, a educação e alimentação.

Para demonstrar como a inovação tecnológica que inicialmente desloca trabalhadores impulsiona o crescimento do emprego num horizonte longo de tempo, os autores do relatório da Goldman Sachs apresentaram os resultados de um estudo que concluiu e que 60% dos trabalhadores actuais estão empregados em profissões que não existiam em 1940, o que implica que mais de 85% do crescimento do emprego nos últimos 80 anos é explicado pela criação de novos postos de trabalho impulsionada pela tecnologia.

A mudança tecnológica deslocou trabalhadores e criou novas oportunidades de emprego aproximadamente ao mesmo ritmo na primeira metade do período pós-guerra, mas tem deslocado trabalhadores a um ritmo mais rápido do que tem criado novas oportunidades desde a década de 1980. Estes resultados sugerem que os efeitos directos da IA generativa na procura de mão-de-obra poderão ser negativos a curto prazo se a IA afectar o mercado de trabalho de forma semelhante aos anteriores avanços nas tecnologias da informação, embora os efeitos no crescimento da produtividade do trabalho continuem a ser positivos.

A combinação de poupanças significativas nos custos da mão-de-obra, a criação de novos postos de trabalho e um aumento de produtividade para os trabalhadores não deslocados aumenta a possibilidade de um boom de produtividade da mão-de-obra similar aos que se seguiram ao aparecimento de tecnologias anteriores de uso geral, como o motor eléctrico e o computador pessoal. 

Estas experiências passadas oferecem duas lições fundamentais. Em primeiro lugar, é difícil prever o momento de um boom de produtividade do trabalho, mas em ambos os casos esta começou cerca de 20 anos após o avanço tecnológico, numa altura em que, e por exemplo, cerca de metade das empresas americanas tinham adoptado a tecnologia. Em segundo lugar, em ambos os casos, o crescimento da produtividade aumentou cerca de 1,5pp/ano nos 10 anos após o início do boom de produtividade, o que sugere que os ganhos de produtividade do trabalho podem ser bastante substanciais.

As estimativas de Goldman baseiam-se numa análise de dados dos EUA e da Europa sobre as tarefas normalmente desempenhadas em milhares de profissões diferentes. Os investigadores partiram do princípio de que a IA seria capaz de realizar tarefas como preencher as declarações de impostos de uma pequena empresa, avaliar um pedido de indemnização de um seguro complexo ou documentar os resultados de uma investigação no local do crime.

No entanto, não previram que a IA fosse adoptada para tarefas mais sensíveis, como proferir uma decisão judicial, verificar o estado de um doente em estado crítico ou estudar a legislação fiscal internacional.

A aplicação da estimativa feita pela Goldman Sachs do aumento da produtividade global do trabalho pelos países abrangidos na sua cobertura implica que a adopção generalizada da IA poderá vir a gerar um aumento de 7% ou quase 7 biliões de dólares no PIB global anual ao longo de um período de 10 anos. Embora a dimensão do impacto da IA dependa, em última análise, da sua capacidade e do seu calendário de adopção – e a incerteza em torno destes dois factores seja suficientemente elevada para que não se incorporem as conclusões do estudo da financeira nas suas previsões económicas de base neste momento – as estimativas salientam o enorme potencial económico da IA generativa se esta cumprir a sua promessa.

Quais as profissões que estão em maior perigo de se tornarem obsoletas por causa da IA?

Há quem compare a IA com o aumento da automatização nas últimas décadas, em que sectores inteiros foram remodelados pela robótica e por máquinas autónomas. A inteligência artificial promete o mesmo para os empregos de colarinho branco, relembrando que o relatório recente da Goldman Sachs estime que esta poderá substituir 300 milhões de trabalhadores humanos. 

Apesar de existirem vários estudos, provenientes de fontes diversas, que não são completamente unânimes no que às profissões que mais poderão sofrer com a automação via IA dizem respeito, seguem-se 10 exemplos de ocupações que a IA poderá tornar obsoletas.

Contabilistas

O próximo passo no desenvolvimento de novos modelos de IA será a formação de programas mais especializados que, em vez de serem treinados a partir de uma vasta gama de dados, seguirão caminhos mais direccionados. Uma das direcções mais promissoras é a criação de uma IA capaz de executar tarefas básicas de contabilidade. O trabalho de um contabilista está sujeito a regras claras e compreensíveis – exactamente o tipo de regras que se utiliza para treinar uma IA.

As empresas de contabilidade, incluindo a Sage, já estão a utilizar a inteligência artificial para automatizar os seus processos e, à medida que os algoritmos se tornam mais estáveis e fiáveis, as tarefas que requerem intervenção humana diminuirão. A automatização eliminará os empregos de contabilidade de nível básico, deixando o sector composto por auditores e supervisores que apenas verificam o trabalho da IA.

Moderadores de conteúdos

Muito se tem escrito sobre a carga emocional que redes sociais como o Facebook e o Twitter colocam nos seus moderadores de conteúdos, que têm de filtrar fotografias, vídeos e outros conteúdos horríveis para que o resto de nós não os veja. Uma boa parte desse conteúdo já é pré-seleccionada por algoritmos de IA, mas muitas vezes a decisão final tem de ser tomada por um ser humano. No entanto, à medida que estes programas forem melhorando, o número de decisões manuais irá naturalmente diminuir e a IA tornar-se-á cada vez mais precisa. 

Assistentes legais

Alguns já lançaram a ideia de deixar a IA argumentar casos em tribunal, mas não existe a certeza de que algum algoritmo esteja pronto para se apresentar perante um juiz – e boa sorte para encontrar um cliente que esteja disposto a correr esse risco. Mas aqueles que trabalharem em escalões inferiores nos escritórios de advogados podem sentir-se vulneráveis quando os primeiros souberem como a IA e a aprendizagem automática são competentes a analisar a jurisprudência para produzir resumos e citações. Nenhum caso vai a julgamento sem uma equipa que identifique os precedentes na história, e essa é uma tarefa em que as máquinas poderão ter resultados espectaculares. Continua a haver um elemento interpretativo neste trabalho, mas esse elemento pode ser subcontratado a membros mais experientes da equipa.

Revisores de texto

A capacidade do ChatGPT para gerar textos legíveis está certamente comprovada, mas a qualidade real desse texto pode ser bastante desanimadora. Dito isto, uma utilização óbvia para a IA, depois de um humano ter escrito algo, é ser utilizada como revisor. Poder-se-á argumentar que a verificação ortográfica e gramatical em software de processamento de texto é um exemplo passivo disso, ao mesmo tempo que é um passo curto de “mostrar um sublinhado vermelho numa palavra mal escrita” para “deixar o computador corrigir esses erros por si próprio”. Tradicionalmente, esse papel tem cabido aos humanos, mas com um conjunto de dados significativamente extenso, uma máquina poderá fazê-lo quase tão bem como um revisor qualificado.

Traders

Compreender o fluxo caótico dos mercados financeiros é uma tarefa difícil, e as pessoas que estão no topo desta profissão sobrevivem muitas vezes com base no instinto e na percepção. Mas os corretores de acções dos grandes bancos e fundos de investimento que acabaram de sair das escolas de negócios passam a maior parte do tempo a modelar previsões no Excel e a fazer a gestão de dados. Não se trata de uma tarefa que exija estritamente um cérebro humano, e entregá-la à IA seria mais eficiente, reduziria a possibilidade de erro e abriria a porta a modelos comparativos mais complexos. Continuará a ser necessário um canal de acesso a cargos de topo nos bancos e fundos, mas as pessoas na base da pirâmide devem estar preparadas para que a IA as torne obsoletas muito em breve.

Transcritores 

Esta é uma substituição que já está muito avançada, uma vez que os algoritmos de reconhecimento de voz têm vindo a melhorar a uma velocidade impressionante na última década. Os sistemas de conversão de voz em texto foram introduzidos pela primeira vez em 1952, mas a aprendizagem automática moderna permitiu que os sistemas “ingerissem” conjuntos de dados maciços de discurso humano para criar uma transcrição de áudio suficientemente precisa e rápida, apesar de ainda estar longe da perfeição e de necessitar ainda de mão humana. Numerosas empresas e profissões dependem da transcrição, incluindo advogados e jornalistas, e não demorará muito até que a maior parte da transcrição seja efectuada adequadamente por máquinas.

Designers gráficos

Os modelos de IA já demonstraram uma enorme facilidade para criar imagens numa grande variedade de estilos. O design gráfico – que obedece a certos princípios de cor, composição e legibilidade – é terreno fértil e perfeito para uma ferramenta de aprendizagem automática. Imagine que pode introduzir um texto e algumas fotografias num “designer” de IA e que este lhe apresenta uma dúzia de layouts potenciais para uma revista, um cartaz ou um qualquer material visual. Quando o cliente selecciona um design, já é trivial que o software transforme o conteúdo num ficheiro final pronto para impressão. Claro que a “imaginação” pode ter desaparecido, mas a grande maioria dos clientes de design nem sequer considera esta característica como estritamente necessária. Adicionalmente e com os avanços recentes em imagens geradas por IA, os quais permitem pedir uma imagem com um sem número de detalhes e esta responde já com uma boa dose de criatividade, faz antecipar que esta seja uma profissão que muito em breve substituirá os humanos por máquinas. 

Serviço ao cliente

Reclamar do serviço de apoio ao cliente é uma realidade global. E à medida que o software de conversão de texto em voz se torna mais rápido e avançado, é de esperar que a inteligência artificial esteja do outro lado da linha telefónica – ou de qualquer um dos dispositivos digitais – com maior frequência. A IA é muito mais fácil de escalar do que um call center, que tem custos de pessoal substanciais, dependendo de uma série de factores externos. Já estamos habituados a navegar em menus intermináveis de voz quando telefonamos à maioria das empresas, pelo que dar mais um passo nessa direcção parece inevitável. E o sector concorda.

Soldados/pessoal militar

A perda de vidas em acções militares é um fardo enorme para qualquer país suportar, razão pela qual a guerra se tem orientado cada vez mais para veículos tripulados à distância e outros avanços tecnológicos. Mas também se paga um custo mental no campo de batalha, e se se puder evitar que os seres humanos sofram esse trauma, devemos fazê-lo. As munições auto dirigidas não são novidade, mas os avanços tecnológicos permitirão que os drones e outras armas de guerra tomem decisões e combatam sem qualquer supervisão humana. É possível que a Terceira Guerra Mundial seja uma guerra de máquinas contra máquinas – ou de máquinas contra nós, afirmam os arautos da desgraça.

Escritores (jornalistas e outros)

Não, nem todos os escritores do mundo – esperemos que muito poucos – ficarão sem emprego devido ao poder da inteligência artificial. Não estamos a ver a IA generativa a ser capaz de escrever um romance que possa conter a imaginação, criatividade e a sensibilidade dos seres humanos. Mas muita escrita existe apenas para preencher espaço, para satisfazer os motores de busca e talvez para fornecer informação útil. Alguns meios de comunicação estão já a utilizar programas como o ChatGPT para escrever artigos e publicações em blogues e, embora os resultados não estejam à altura da realidade, estão cada vez mais a aproximar-se. Se para si o volume é mais importante do que a qualidade, um autor de IA poderá ser uma proposta atractiva. Esperemos apenas que não tenha sido a IA a escrever as palavras que está a ler neste momento.

Fonte: PC Magazine

Editora Executiva