POR MÁRIA POMBO
Quantos de nós não temos, muitas vezes, vontade (e necessidade) de desligar os telemóveis e computadores? Quantos de nós não estamos ansiosos que cheguem as férias ou os fins-de-semana para podermos, simplesmente, não ter que ler e responder a emails? Quantos de nós não sentimos que as redes sociais têm uma influência na nossa vida que é muito maior do que aquela que desejaríamos? De facto, muitos de nós apreciamos as pequenas oportunidades que a vida nos vai dando para nos desconectarmos e isolarmos do mundo, dando ao nosso corpo e à nossa mente a possibilidade de recarregar baterias e ganhar uma nova energia para o dia-a-dia.
Contudo, para muitos de nós (principalmente os idosos), esse isolamento é a única opção e, entre ele e a solidão existe uma linha muito ténue. De acordo com um estudo recente, elaborado pela IBM e denominado “Solidão e a população idosa – como as empresas e os governos podem abordar uma crise iminente” (em tradução livre), a solidão da população idosa é muito mais que um estado de espírito, assumindo-se como um factor de risco que tem implicações a nível pessoal, económico e de bem-estar social.
Na verdade e como sabemos, a população está a envelhecer a uma velocidade vertiginosa, mas nem por isso parecem existir soluções eficazes para lidar com o que é uma boa notícia (o aumento da longevidade humana), mas que para já se afigura, e infelizmente, como um complexo problema. O relatório da IBM procura precisamente explorar o modo como as empresas, as agências governamentais e a sociedade em geral podem actuar para ajudar a população envelhecida a continuar “ligada” e a não perder as suas redes de apoio, vivendo de uma forma menos isolada e evitando a solidão.
Importa salientar que este é um problema dos idosos que vivem isolados, os quais têm um maior risco de sofrer variadas doenças, diminuindo a sua qualidade de vida. Contudo, não é exclusivo deste “grupo”. Os cuidadores (formais e informais), que têm um papel bastante importante na vida destas pessoas, também são afectados, já que em breve não terão mãos a medir para chegar a tantas pessoas que precisam de apoio.
Complementarmente, e tendo em conta que as condições de saúde da população idosa vão piorando com o passar do tempo, os serviços de saúde também estão a sofrer uma grande pressão para acolher os doentes, assistindo a uma limitação progressiva dos seus recursos e sem disponibilidade para responder ao crescente número de pedidos de ajuda. Para além disso, as empresas que empregam familiares e cuidadores informais de idosos (os quais necessitam, com maior ou menor regularidade, de se ausentar do trabalho para acompanhar os seus entes queridos a consultas e tratamentos) também enfrentam algumas dificuldades que seriam evitadas se existisse um plano sério de apoio formal à terceira idade.
Por fim, a sociedade em geral é bastante afectada, já que o esquecimento (e quase abandono) deste segmento populacional faz com que sejam desperdiçados talentos e recursos que, apesar da idade avançada, têm ainda muitas capacidades para contribuir activamente em diversas causas.
Perda: um sentimento que marca a terceira idade
De acordo com a IBM, a velhice é marcada essencialmente pela ideia de perda. Com a idade, perde-se a mobilidade, a audição e a visão, levando os cidadãos a passarem mais tempo no mesmo sítio, principalmente se viverem em zonas com limitações ao nível dos transportes públicos. Esta situação origina igualmente a perda de alguns familiares e amigos, também idosos, quer por morte, quer porque também eles sofrem dos mesmos problemas de mobilidade, impedindo que se encontrem como anteriormente. Complementarmente, e sobretudo por causa da reforma, muitos idosos passam a ter mais tempo livre, o qual poderá originar a perda do sentido da vida, dos sonhos e dos planos que tinham sido feitos e que se vão perdendo no tempo. As redes de apoio social vão assim diminuindo, devido à combinação entre a distância, as doenças e a morte.
E se muitos são os idosos que se adaptam relativamente bem a esta nova fase da vida e procuram formas de contornar as suas dificuldades, esforçando-se por manter o contacto com vizinhos e familiares mais próximos, muitos são, ao invés, aqueles que se entregam à solidão, perdendo a noção da importância que tem, por exemplo, manter o contacto com antigos colegas de trabalho e amigos.
A solidão na terceira idade tem sido analisada em diversos estudos. Contudo, existem diversos obstáculos que impedem a existência de soluções concretas e efectivas para este problema. A falta de um padrão de análise é o primeiro obstáculo apontado pela IBM. Neste sentido, existe uma enorme falta de ferramentas de diagnóstico e uma significativa existência de restrições orçamentais na comunidade médica, originando rastreios incompletos e inconclusivos para variadas doenças, nomeadamente do foro mental e social e, concretamente, sobre o estado de solidão dos pacientes. A dificuldade de detecção da solidão é uma grande dificuldade apontada, já que a mesma surge geralmente em conjunto com outros problemas, como o isolamento social, a depressão e a pobreza, não sendo normalmente reconhecida como uma questão de saúde digna de cuidados especiais.
Por fim, o estigma social é o outro obstáculo referido no estudo da IBM. Neste sentido, e tendo em conta que a independência é altamente valorizada e muitas vezes existe uma percepção negativa relativamente àqueles que se tornam dependentes dos outros, os mais velhos tendem a recusar ajuda, afastando a ideia de serem um “fardo” para os outros. Como resultado, essa hesitação e relutância em receber apoio atrasam o tratamento e aumentam ainda mais o sentimento de solidão.
Para além dos obstáculos mencionados, a IBM revela também que, embora sejam notórios muitos esforços que têm vindo a ser feitos no sentido de melhorar a qualidade de vida da população idosa, existe ainda uma grande escassez de soluções eficazes. Em parte, esta escassez de soluções está associada a uma fragmentação do ecossistema. Neste sentido, verifica-se que os diversos stakeholders (empresas, equipas médicas, hospitais, famílias e etc.) fazem esforços individuais, quando deveriam comunicar e colaborar entre si, procurando, em conjunto, as melhores soluções. O facto de muitas estratégias que visam a diminuição da solidão serem demasiado personalizadas e adaptadas a comunidades e grupos muito específicos, não podendo ser replicadas em outras comunidades, é outra solução que não pode ser aplicada a toda a população, sendo, por isso, pouco eficaz.
Por fim, o mito de que os adultos mais velhos não usarão a tecnologia é outra enorme falha identificada pela IBM. A percepção de que os adultos mais velhos são incapazes de usar a tecnologia é um estereótipo comum que faz com que, por um lado, os próprios idosos não queiram aprender a utilizar as diversas opções (Skype, redes sociais, etc.), vendo nelas um desperdício de tempo e não um modo de continuarem ligados ao mundo, e, por outro lado, desincentiva as empresas no sentido da criação de produtos específicos para este segmento populacional. Acabar com este estereótipo e incentivar as empresas de tecnologia a criar produtos simples e adaptados à terceira idade poderá significar a abertura de muitas janelas para vários idosos, em todo o mundo, os quais poderão voltar a ligar-se ao mundo, sentindo-se menos sozinhos.
Tecnologia pode combater a solidão
Sendo a solidão na terceira idade um problema relativamente recente – já que a esperança média de vida tem vindo a aumentar apenas nos últimos anos – é natural que a sociedade ande à deriva na busca de soluções – rápidas – que sejam capazes de melhorar a qualidade de vida deste frágil segmento populacional. Contudo, e se o mundo tem vindo a evoluir em tantos aspectos e áreas, esta não poderá ser esquecida. O estudo da IBM revela que as futuras soluções irão requerer um pensamento inovador, modelos de negócio disruptivos e ainda o apoio das novas tecnologias para melhorar a qualidade de vida da população, respondendo às suas mais urgentes necessidades.
Deste modo, importa ter presente que nenhuma organização pode resolver, sozinha, este problema e que as soluções desenhadas para manter as pessoas ligadas necessitam de integrar muitas entidades, como organizações, agências governamentais e organizações que prestam cuidados de saúde. Complementarmente, para que todo o esforço tenha os resultados desejados, as soluções precisam de ser adaptadas aos interesses dos indivíduos e das comunidades onde estes se inserem.
O facto de a personalização ser mais importante que a simplificação é uma das principais ideias referidas pela IBM, já que as soluções devem ser adaptadas às verdadeiras (e inúmeras) necessidades deste segmento populacional. Contudo, a empresa tecnológica afirma que os projectos devem ter escalabilidade, referindo que existem muitos programas-piloto que são bem-sucedidos mas que operam em comunidades pequenas e não têm possibilidade de crescer, quer em termos espaciais quer do ponto de vista económico. Ou seja, embora pareçam conceitos contraditórios, a escalabilidade e a personalização terão de coexistir para diminuir a solidão.
No mesmo documento, a IBM sugere algumas acções que podem ser postas em prática. Evitar os estereótipos que existem em torno da terceira idade e ser sensível ao estigma que existe em torno do tema da solidão, procurar soluções que sejam suficientemente flexíveis, podendo adaptar-se a diferentes situações e níveis de isolamento, alavancar a utilização de tecnologias que permitam que a população idosa possa voltar a ligar-se ao mundo, e expandir as redes de contacto, fazendo chegar aos idosos a ajuda necessária, são algumas das sugestões apresentadas.
Especificamente para as empresas, empregadores e instituições de ensino, as soluções podem passar por dar aos trabalhadores seniores a oportunidade de trabalhar com horários mais flexíveis, dando-lhes constantes possibilidades de melhorar conhecimentos e competências que poderão ser úteis na reforma. Complementarmente, criar programas de voluntariado para os trabalhadores mais velhos e reformados, principalmente na sua área de residência, promovendo a criação de bem-estar tanto para os próprios (que se sentem úteis) como para a sociedade (que recebe apoio) é outra estratégia apresentada no documento. Por fim, importa que as organizações estimulem o contacto com os seus trabalhadores aposentados, de modo a que estes sintam que continuam a fazer parte da organização para a qual trabalharam durante uma grande parte da vida.
Para as agências governamentais e para as organizações que prestam cuidados de saúde, as sugestões vão no sentido de trabalharem em conjunto de modo a incorporarem a solidão nas avaliações médicas. Adicionalmente, importa que estas promovam a criação de sistemas de agregação de dados, estimulem a comunicação entre diversas organizações e procurem, em conjunto e nas diversas comunidades, as soluções mais adequadas às necessidades específicas dos idosos. A promoção da entrada na reforma de um modo flexível e faseado, encorajando os indivíduos a continuar activos, é uma outra solução que deverá ser tida em conta. Complementarmente, a IBM incentiva estas entidades a explorarem o modo como diversas infra-estruturas (como postos de correio e postos de emergência) podem ser úteis na identificação e diminuição da solidão dos idosos.
Em conjunto, estas sugestões vão ser úteis na reconfiguração das cidades e comunidades, já que as pessoas vão sentir-se mais atentas e interessadas relativamente ao que se passa à sua volta, sendo igualmente importantes na reconstrução de capital social, valorizando os conhecimentos e as capacidades que as pessoas idosas têm para oferecer. Por fim, e com o apoio de todos, a solidão e outros problemas psicossociais vão poder ser detectados e prevenidos numa fase mais precoce, evitando assim as suas consequências devastadoras.
Kashiwa, uma cidade “senior-friendly” e um modelo a seguir
Tendo em conta que, em 2030, um em cada três japoneses deverá ter mais de 65 anos, está a ser feita uma experiência na cidade de Kashiwa, com o objectivo de explorar diversas formas de apoiar a comunidade sénior, ajudando-a a ter uma vida menos solitária. A ideia é fazer desta uma cidade “senior-friendly”, tendo sido criados, por exemplo, locais de trabalho para cidadãos da terceira idade, edifícios e apartamentos que facilitam a mobilidade, e espaços onde todos se podem encontrar e conviver, com espaço para serem feitas refeições em conjunto.
Esta experiência pretende ser um modelo de como é possível adaptar as cidades ao novo paradigma social, dando aos idosos a possibilidade de viver de uma forma mais feliz, saudável e acompanhada.
Jornalista