POR GABRIELA COSTA
O “Estudo KPMG de Inovação 2016” revela o papel crescente da inovação na geração de valor para a sociedade e para as organizações. Reunindo 300 participantes de 13 países europeus – Portugal incluído – esta análise global apresentada em Outubro do ano passado identifica as tendências e principais diferenças entre as dinâmicas da inovação corporativa no nosso país e o mercado da Europa. A amostra inclui a participação de empresas com receitas que vão dos 250 milhões de dólares a mais de 10 mil milhões de dólares, de 22 sectores de actividade, da Tecnologia às Ciências e Saúde, Fabrico industrial, Infra-estruturas, Serviços financeiros ou Governo e Sector Público.
Realizado em colaboração com a Exago, empresa especializada em soluções de gestão da inovação, o inquérito focado na realidade nacional avalia o panorama nacional face às cinco grandes áreas em que se estrutura o estudo: gestão da inovação; colaboração com parceiros de negócio e entidades externas; financiamento e desafios da inovação; posicionamento das estratégias de inovação; e capacidades de inovação.
Gerir uma inovação com retorno
Uma estratégia bem planeada e um processo bem estruturado, que integre avaliação da performance para garantir eficácia, “são cruciais para obter retorno da inovação”. Relativamente à gestão de inovação, a maioria dos inquiridos no estudo de âmbito europeu realizado pela KPMG afirma que as suas organizações são bem sucedidas na gestão dos projectos de desenvolvimento do produto (três em quatro dos projectos observados estão acima dos 50% em termos de cumprimento com o orçamento e com a especificação inicial do produto). O estudo demonstra que o cumprimento de prazos é um grande desafio dos projectos de desenvolvimento, com cerca de 30% dos projectos a sofrerem atrasos significativos.
Em Portugal, os participantes revelaram-se mais optimistas do que os seus parceiros internacionais no que diz respeito ao cumprimento de objectivos no lançamento de produtos. Os resultados nacionais são melhores em termos de prazos, com 46% dos inquiridos a indicarem que pelo menos 75%, senão todos os seus projectos, são concluídos dentro dos prazos. Já quanto ao cumprimento de orçamentos e especificações, os valores estão muito próximos da restante realidade europeia, com 49% dos participantes a cumprirem os orçamentos e as especificações iniciais de pelo menos 75% dos projectos desenvolvidos.
[quote_center]O cumprimento de prazos é uma batalha constante nos projectos de desenvolvimento[/quote_center]
Por outro lado, as organizações de dois terços dos inquiridos aplicaram uma gestão de ideias e uma estratégia de inovação. Em relação às cinco grandes abordagens na gestão da inovação – gestão de ideias; estratégia de inovação; orçamento de inovação; funil da inovação; e comité de inovação -, as três últimas são mecanismos de gestão menos utilizados pelos grandes grupos de indústrias. A percentagem de inquiridos que aplica simultaneamente todos os cinco aspectos da gestão de inovação é de apenas 16%.
No contexto português, a gestão de funil (que recolhe, avalia e exclui ideias para moldá-las a conceitos e testá-las antes do lançamento final de produtos), está amplamente integrada, à semelhança do restante universo. Porém, “os modelos mais refinados e pró-activos na criação e gestão de ideias ainda não têm tracção em Portugal”, tendo conquistado já quase um quinto das empresas no estrangeiro, revela a consultora. Pelo contrário, somente 56% das empresas em Portugal acreditam ter uma estratégia de inovação, apenas 51% alocam um orçamento específico a estas actividades, e uma maioria de 77% ainda não tem um Comité de Inovação nomeado.
Colaborar para criar oportunidades de sucesso
A colaboração entre Investigação e desenvolvimento (R&D) e inovação emerge enquanto recurso estratégico, com vista a endereçar os desafios de uma procura cada vez mais exigente e de ciclos de vida dos produtos cada vez mais reduzidos.
Os resultados da avaliação da KPMG indicam que as empresas que procuram sistematicamente oportunidades de colaboração têm uma taxa mais alta de produtos de sucesso e quase o dobro do crescimento nas receitas. Contudo, apenas 7% dos inquiridos colaboram com entidades externas em todos os projectos de R&D e de inovação, enquanto 44% colaboram em base ad-hoc e 49% não têm qualquer tipo de colaboração.
Portugal segue a mesma linha dos parceiros europeus no que diz respeito à colaboração com entidades externas, com apenas 13% das empresas a recorrerem a colaborações sistematicamente e de forma contínua em todos os processos. Mas 77% dos inquiridos nacionais colaboram ad-hoc (principalmente com parceiros institucionais, e previsivelmente graças aos crescentes programas de incentivos à inovação desenvolvidos), e só uma minoria de 8% não estabelece qualquer oportunidade de colaboração, a este nível.
[quote_center]As empresas que procuram oportunidades de colaboração registam quase o dobro do crescimento nas receitas[/quote_center]
Quanto à diversidade de parceiros, o inquérito demonstra que a quase totalidade dos participantes europeus (91%) colabora com os seus parceiros de negócios, e que 33% colaboram sistematicamente com parceiros de negócios em todos os projectos de R&D e de inovação. Mas somente 15% colaboram regularmente com as universidades, por exemplo. Na realidade portuguesa a tendência mantêm-se, com 92% dos participantes nacionais a colaborarem com os seus parceiros, e apenas 18% a fazê-lo sistematicamente em todos os projectos. Em destaque ainda, a menor participação nacional em projectos conjuntos com o Governo, com o qual 54% dos participantes nacionais não têm qualquer colaboração. Segundo conclui a análise da Exago para o mercado nacional, “este é um ponto em que poderá haver evolução, com o advento do Programa 2020 e o impacto expectável da presença do Web Summit em Lisboa”, desde 2016.
Alargar o foco da inovação nos produtos ao talento
Grande parte das empresas em todas as indústrias foca-se na inovação e nos processos de desenvolvimento dos produtos, mas a maioria gere e financia internamente os projectos orientados para a inovação, e debate-se com a falta de recursos humanos qualificados nesta área.
A nível europeu, o estudo da KPMG conclui que o principal foco de inovação é o desenvolvimento de produtos e a melhoria do seu processo de criação. Ainda assim, mais de um terço de todas as organizações alarga o seu foco de inovação também às tecnologias (IT), marketing e vendas, enquanto a área de procurement/compras e logística, os recursos humanos e a administração são as áreas onde menos se investe.
Mais uma vez, no contexto português os resultados são semelhantes ao restante universo do estudo, com 67% dos inquiridos nacionais a indicarem o foco da inovação no desenvolvimento de produtos, 44% focados no IT, os mesmos 44% focados nas vendas e 28% focados no marketing. Já na área de vendas, Portugal distingue-se dos resultados globais, com 81% dos inquiridos nacionais a colocarem o foco da inovação nesta área, contra a média europeia de apenas 32%.
Também a nível global, cerca de dois terços dos participantes gerem e financiam projectos orientados para a inovação dentro da própria empresa, e quase metade das empresas colaboram com parceiros externos, mas poucas apostam no investimento em Fundos de Capital de Risco ou noutros fundos externos e em incubadoras. Já os gestores portugueses – que gastam uma maior percentagem das suas receitas em inovação do que os seus parceiros internacionais -, privilegiam concursos e bolsas para colaboradores como fontes de inovação.
Ainda neste domínio do estudo, a KPMG definiu os seis desafios mais comuns em relação à inovação, presentes em empresas de todas as indústrias: falta de ideias inovadoras; a cultura da empresa não apoia de forma adequada as inovações; financiamento insuficiente; falta de processos internos para estimular e gerir as inovações; falta de experiência e abordagem estruturada para a comercialização de inovações; e falta de pessoas dentro da empresa com competências para gerir a inovação.
Os resultados deste estudo permitem perceber que, no mercado europeu, o desafio mais comum é a falta de pessoas dentro da organização que possuam as competências certas para gerir a inovação, seguido da falta de experiência e da falta de uma abordagem estruturada para a comercialização. Por oposição, o apoio à inovação pela cultura empresarial é o desafio menos comum.
Nos resultados a nível nacional, a falta de recursos humanos e a falta de experiência tem um peso um pouco superior ao registado a nível internacional, com apenas 8% dos participantes a indicarem não ter falta de pessoas com as competências adequadas à gestão da inovação, e apenas 5% a indicarem que a falta de experiência não é um problema. Acresce que a estes dois factores se junta, no panorama português, a falta de processos e de financiamento.
[quote_center]A maioria das organizações gere e financia internamente os projectos orientados para a inovação[/quote_center]
Por último, quando o foco da inovação passa pelas tecnologias, e a pergunta colocada aos empresários é quais as tecnologias que planeiam implementar nos próximos anos, fica claro que Big Data e Cloud são as mais emergentes. Mais de 30% das empresas já trabalhavam com Big Data em 2015, enquanto mais de 40% estavam também focadas na Cloud. Na outra ponta do espectro, mais de 70% das empresas não está a considerar o uso de Nanotecnologia, Inteligência Artificial ou Interface Homem-Máquina nos seus negócios, “apesar de estar planeado para o futuro um maior ênfase nestas áreas”, alerta a KPMG. Para quem “a Internet das coisas é actualmente (e continuará a ser) importante”, embora apenas as empresas de tecnologia estejam verdadeiramente a investir nela (e players de outros sectores considerem aumentar o seu uso no futuro).
Na realidade portuguesa, a tendência tecnológica mantém-se, com 77% das empresas a afirmarem ter iniciativas planeadas para explorar oportunidades na Cloud, 67% das empresas com planos referentes a Big Data e 36% a considerar as oportunidades inerentes à Internet das Coisas.
Adequar a abordagem estratégica às necessidades de mercado
Conseguir uma abordagem equilibrada no que toca à inovação é fundamental, mas decidir com que enfoque se faz esta aposta pode ser incerto, e várias são as visões estratégicas que as empresas utilizam para gerir os seus esforços a curto, médio e longo prazo.
A maioria dos especialistas de inovação apreciam visivelmente as oportunidades de mercado e de tecnologia no que toca à sua abordagem de inovação. As primeiras são mesmo encaradas como essenciais para as estratégias de inovação em quase todas as empresas, com apenas 2% a afirmar que a tecnologia é o único factor principal de inovação na empresa, contra 16% a apontar as necessidades de mercado como a única razão para inovar. 35% afirmaram que quer o mercado quer a tecnologia são drivers na sua abordagem à inovação, e apenas 6% discordam que esta tenha sido impulsionada pelas novas necessidades de mercado e pelas novas tecnologias, afirmando que existem outros factores a incentivar as empresas a investir na inovação.
Já as empresas nacionais manifestam-se mais divididas em relação à tendência que impulsiona a inovação. Enquanto 49% concordam ou concordam plenamente que a estratégia deverá estar mais vocacionada para as necessidades de mercado, 36% apontam para as tecnologias orientadas para a inovação, o que implica seguir uma estratégia mais vocacionada para colmatar as necessidades dos clientes.
[quote_center]A falta de pessoas com talento e competências para gerir a inovação é o desafio mais comum[/quote_center]
Em termos globais, a maioria das empresas procura melhorar os seus produtos e serviços (30%), aumentar a eficiência (20%), disponibilizar produtos ou serviços diferenciadores (19%) e descobrir necessidades por satisfazer dos clientes (19%). Este último factor “sugere um movimento em direcção à concentração de esforços em inovações [realmente] inovadoras”, em conjunto com 12% dos inquiridos que evidencia a sua intenção em explorar novos canais de vendas e novos modelos de receitas, conclui o estudo.
No mercado nacional, o crescimento de primeira linha é prioridade para 72% dos inquiridos, dos quais 79% prevêem este crescimento de forma incremental. No entanto, o crescimento em primeira linha representa uma prioridade a longo prazo, enquanto a redução de custos é vista como um esforço a curto e médio prazo.
Ainda no que diz respeito à melhor abordagem estratégica para a inovação, o inquérito demonstra que as empresas que focam maioritariamente os seus esforços em encontrar e explorar necessidades por satisfazer dos clientes têm a maior taxa de crescimento. Este grupo registou, em média, uma taxa cumulativa de crescimento médio de 10,4% nos últimos três anos, face ao período da análise. E, no que toca a crescimento, é seguido de empresas que procuram o desenvolvimento de novos canais de vendas e modelos de receitas. As empresas que focam os seus esforços de inovação na eficiência operacional têm a menor taxa de crescimento dos últimos três anos.
Por outro lado, a maioria dos participantes manifesta a intenção de lançar um novo produto até 2020 (20% em 2017, 14% em 2018, 5% em 2019 e 15% em 2020 e anos seguintes). Portugal segue a mesma linha dos restantes inquiridos europeus, com 31% a revelar ter planos para o lançamento de novos produtos em 2017, 8% em 2018 e 5% com foco em 2019.
Separar os ‘bons’ dos ‘maus’ inovadores
Por último, e no que respeita a avaliar as capacidades de inovação, verifica-se que todos os participantes no estudo da KPMG afirmam ser inovadores, mas os resultados dos esforços de inovação diferem largamente. Os melhores obtêm 10% das suas receitas com novos produtos e lançam, ano sim ano não, novos produtos de sucesso. O que separa então os ‘bons’ dos ‘maus’ inovadores?
[quote_center]As empresas que focam os seus esforços em explorar necessidades por satisfazer dos clientes são as que mais crescem[/quote_center]
Analisando a percentagem de novos produtos considerados de sucesso, regista-se uma distribuição quase equilibrada nas percentagens – entre os ‘bons’ (37%), os ‘maus’ (31%) e os inovadores razoáveis (32%). Todavia, em relação ao peso das receitas de novos produtos (que é também um indicador do sucesso da inovação) a proporção dispara positivamente para 77% de ‘bons’ inovadores, que afirmam que o peso das receitas de novos produtos é maior que 10% (contra 16% e 7% de ‘razoáveis’ e ‘maus’, respectivamente).
Partindo desta definição que dita que os ‘bons’ inovadores são as empresas que desenvolvem novos produtos e serviços que são comercialmente bem sucedidos e têm uma percentagem de mais de 10% no total das receitas, verifica-se que estas organizações têm em comum a gestão da inovação sob controlo. Isto desde que apresentem uma estratégia para guiar a sua inovação; um conselho que supervisione os esforços de inovação; a responsabilidade da inovação a cargo de um membro do board ou C-level; um orçamento de inovação que constitua mais de 2% das receitas; um funil de inovação e uma gestão de inovação; e o envolvimento de mais de 5% dos colaboradores na inovação.
Já os ‘maus’ inovadores são, obviamente, menos bem sucedidos em todos estas capacidades de gestão da inovação. Em média, os ‘bons’ inovadores cumprem estes requisitos duas vezes mais do que os ‘maus’, sendo de concluir pelos resultados de todo o relatório da KPMG que garantir uma gestão de inovação eficaz conduz a uma inovação mais bem sucedida.
[quote_center]Os ‘bons inovadores’ obtêm 10% das suas receitas com novos produtos e lançam, ano sim ano não, novos produtos[/quote_center]
Ainda a trilhar esse caminho, vale a pena assinalar que a grande maioria de todos os gestores inquiridos (71%) gasta mais de 2% da sua receita em inovação. E que 42% afirma envolver 5% ou mais dos seus colaboradores na inovação.
Como sublinha, no prefácio do documento, Nasser Sattar, partner da KPMG em Portugal, “a capacidade de inovar será um factor crítico do sucesso das organizações e da economia, num contexto internacional e de mercado que é cada vez mais complexo, competitivo e desafiante”.
Jornalista