POR MÁRIA POMBO
Todos sabemos que a tecnologia veio alterar o mundo, tanto no que respeita ao modo como os cidadãos se relacionam como no que toca ao modo de fazer e gerir negócios. A produção e a comercialização de produtos é agora mais rápida, e tem a particularidade de chegar mais facilmente a qualquer parte do mundo. Porém, se é verdade que a inovação tecnológica trouxe um conjunto de vantagens e deu origem ao surgimento de novos modelos de negócio, também é do conhecimento geral que, com ela, têm vindo a surgir novas ameaças às empresas. As catástrofes naturais continuam a representar um grande risco, mas os ataques cibernéticos tiram o sono a um número crescente de gestores e líderes empresariais, um pouco por toda a parte. E são vários os estudos que o comprovam.
Com a mesma percentagem (37%) mas divergindo ligeiramente no número de respostas, a interrupção de negócios e os incidentes cibernéticos são os principais riscos para as empresas, a nível mundial. Quem o diz é a Allianz, no seu Barómetro de Risco, apresentado recentemente, e no qual dá conta dos dez principais riscos que as empresas correm em 2019. O estudo contou com a participação de mais de 2400 especialistas – entre consultores de risco, correctores de seguros e executivos pertencentes a 22 sectores de actividade – de 86 países (incluindo Portugal).
Pelo sétimo ano consecutivo (em oito edições), a interrupção de negócios (na qual se inclui a interrupção das cadeias de fornecimento) é considerada como o principal risco para as empresas a nível mundial, sendo que as causas para que isto aconteça são cada vez mais e mais diversificadas, passando pela retirada de produtos do mercado, pela poluição ambiental, por questões políticas (como o Brexit) ou por problemas causados pela própria tecnologia. De acordo com os inquiridos, os acidentes cibernéticos (50%), a existência de incêndios ou explosões (40%), as catástrofes naturais (38%) e as falhas no fornecimento de produtos ou problemas com maquinaria (ambos os factores com 28%) são as principais causas para que uma organização feche portas.
Este é o principal risco em 11 sectores – como o dos produtos químicos, bens de consumo e energias renováveis – e em 14 países, entre os quais Portugal, Canadá, China e Alemanha.
Embora o Barómetro divulgue uma lista de riscos diferentes e os apresente de modo individual, a verdade é que muitos deles têm ligação entre si. A interrupção de negócios e os incidentes cibernéticos, por exemplo, relacionam-se porque o segundo pode ser visto como um risco por si só ou como uma causa para o primeiro – mais concretamente, como a primeira causa – e passam tanto por crimes cibernéticos como por “meras” quebras de privacidade, podendo originar perdas de milhões e representar a ruina de muitos negócios.
Os dois riscos estão tão interligados que obtiveram, pela primeira vez desde que o estudo é realizado, a mesma percentagem de respostas, o que, para os autores do documento, “reflecte a magnitude da ameaça causada por uma crescente dependência da tecnologia e por acções maliciosas levadas a cabo por criminosos”. E, de acordo com Marek Stanislawski, responsável de riscos cibernéticos, estas ameaças têm vindo a aumentar desde que as TI deixaram de ter um papel de suporte e passaram a ser elementos fundamentais nas organizações”.
A interrupção dos negócios e/ou das suas cadeias de fornecimento (69%), a perda de reputação das empresas (55%), a reclamação de responsabilidades (42%), os custos de reparação de danos e restituição de dados (29%) e as sanções inerentes a estes incidentes (25%) são referidas como as principais causas de perdas económicas após a ocorrência de ataques informáticos.
O estudo revela ainda que as infracções aumentam – em dimensão, número e custos – à medida que as organizações detêm mais informação pessoal sobre os consumidores. A título de exemplo, o documento revela que o número de ataques informáticos duplicou, em 2017 e a nível mundial, para os 160 mil e que os custos destes incidentes aumentaram em 62% nos últimos cinco anos. Este último é considerado o principal risco em oito países – entre os quais a Áustria, o Brasil e a Índia – e em sete sectores, de que são exemplo a aviação, os media e entretenimento, os serviços financeiros e as telecomunicações.
Das pequenas catástrofes aos grandes incêndios
As catástrofes naturais são vistas como o terceiro maior risco para as empresas, com 28% das respostas, dando origem a perdas económicas superiores a 140 mil milhões de dólares e sendo responsáveis pela morte de mais de 3500 pessoas, anualmente. De acordo com o documento, os desastres naturais – como tempestades, terramotos e inundações – têm vindo a aumentar, sendo igualmente crescente a preocupação dos especialistas relativamente aos danos causados pelas alterações climáticas. Para além das perdas “reais”, o documento explica que as perdas de bens segurados, causadas por catástrofes naturais, foram de cerca de 80 mil milhões de dólares, em 2018.
Como explica Cosmin Tenasescu, responsável pela área de investigação e desenvolvimento de risco de catástrofes da AGCS, “apesar de, em 2018, não ter havido nenhum evento natural de grande dimensão [se compararmos com os ciclones ocorridos em 2017], os eventos de pequena e média dimensão [como as cheias na Índia e os terramotos no Japão e na Indonésia] deram origem a grandes perdas seguradas, nesse ano”. Por este motivo, o ano passado ficou conhecido como “o irmão mais novo” de 2017.
As alterações climáticas constituem uma grande preocupação para os participantes no barómetro, a nível mundial, nomeadamente devido à subida das águas do mar (provocadas pelo degelo verificado nos Pólos), às ondas de calor em algumas regiões e à chuva forte e intensa noutras.
De acordo com a análise, as catástrofes naturais são o principal risco para os sectores da engenharia e construção, e da marinha e transportes, preocupando essencialmente os cidadãos da Argentina, Chile, Indonésia, Japão e Turquia.
Com 27%, as alterações na legislação e regulamentação constituem a quarta ameaça para as empresas, neste novo ano, devido a questões relacionadas com o Brexit, a conflitos comerciais e taxas aduaneiras entre países. Nos Estados Unidos, por exemplo, as tarifas comerciais passaram de 3,5% para 5,2%, causando o pânico e reforçando a ideia de que é urgente a criar mecanismos mais sofisticados de protecção – como uma nova regulação – que não passem pelo aumento das taxas e de preços dos produtos.
O quinto risco identificado é a evolução do mercado, que obteve 23% das escolhas dos participantes. O ano de 2018 foi marcado por uma grande volatilidade e por um grande número de surpresas e divergências – nomeadamente entre os Estados Unidos e o resto do mundo mas com um foco “especial” em algumas economias emergentes –, e as expectativas apontam para que 2019 vá pela mesma via.
O sector petrolífero deverá ser um dos mais prejudicados, com preços a variar entre os 57 e os 87 dólares por barril. Complementarmente, os mercados financeiros também têm sido alvo de problemas e surpresas desagradáveis, nomeadamente devido a quebras de privacidade e violação de dados, e à existência das chamadas empresas zombie, que são aquelas cujas dívidas são muito superiores aos lucros. O documento revela ainda que, nesta guerra comercial, as empresas multinacionais (e especialmente aquelas que exportam produtos) são as principais prejudicadas, estando à mercê da volatilidade dos mercados dos países nos quais têm presença.
Os incêndios e as explosões (provocados, por exemplo, por chamas eléctricas e gás) são considerados como a sexta ameaça, tendo recolhido um total de 19% das escolhas dos respondentes. Estes são o principal motivo de indemnizações das seguradoras e responsáveis por perdas na ordem dos 16 mil milhões de dólares, anualmente.
Empresas devem criar cenários disruptivos
Em sétimo lugar nesta lista, e também com 19%, estão as novas tecnologias. Se é verdade que estas representam um conjunto de oportunidades para as empresas (como novos e mais eficientes mecanismos de gestão e redução de risco), também não é mentira que estas são acompanhadas de um conjunto de consequências inesperadas e imprevisíveis que ainda assustam muitos gestores e líderes empresariais. Porém, os autores do documento acreditam que é uma questão de tempo até que os riscos sejam mais previsíveis e que as soluções sejam mais adequadas e oportunas. De acordo com os respondentes, a inteligência artificial é a tecnologia mais útil e “valiosa” (com 69%) mas também aquela que representa – pelo menos por enquanto – um maior risco (67%).
As alterações climáticas – ou o facto de o clima ser mais volátil, se preferirmos – são referidas como o oitavo risco presente no documento, tendo recolhido 13% das escolhas dos participantes. Só em 2017, os furacões, os ciclones tropicais e os incêndios representaram perdas de 150 mil milhões de dólares, sendo este o valor mais alto de sempre. Como explica o documento, estas podem ter consequências económicas, políticas e sociais, já que afecta aspectos tão importantes como a segurança alimentar e a qualidade (e quantidade) da água disponível, a saúde e as migrações.
Em nono lugar, e com 13%, encontra-se o risco de perda de reputação e valor da marca. Este é mais um risco que se relaciona com outros, tendo em conta que o bom nome da empresa pode facilmente ser destruído ou manchado por via de ataques cibernéticos, falhas de produção ou aumento de preços por via das taxas aduaneiras. E, numa era em que é fácil reclamar e dar opinião acerca de tudo – por via especialmente das redes socias – proteger a reputação das empresas é uma tarefa ainda mais urgente e difícil. De acordo com o documento, 20% a 30% dos lucros das empresas estão dependentes quase exclusivamente da sua reputação.
Por fim, a escassez de mão-de-obra qualificada é a décima ameaça apresentada no documento. As alterações demográficas e a existência de poucos talentos na economia digital justificam o facto de, pela primeira vez (em oito anos), este fazer parte dos principais factores de risco para as empresas. Complementarmente, as incertezas provocadas pelo Brexit também têm um impacto negativo neste aspecto, levando muitas empresas e trabalhadores a não chegar a acordo e a fazer escolhas mais “seguras”.
À semelhança do que se verifica a nível mundial, em Portugal a interrupção de negócios também é vista como a principal ameaça para as organizações, tendo obtido 39% das respostas dos 29 especialistas portugueses que participaram no Barómetro. Os incidentes cibernéticos (36%), as catástrofes naturais (33%) e a evolução do mercado (31%) são igualmente preocupantes. Por fim, mas merecendo toda a atenção, encontram-se as alterações na legislação e regulamentação, a evolução macroeconómica, as alterações climáticas, os incêndios e explosões, e a gestão de qualidade e defeitos em série dos produtos.
Em jeito de conclusão, e como refere Chris Fischer Hirs, CEO da AGCS, “as empresas precisam de planear uma grande variedade de cenários disruptivos, já que é aí que a sua grande exposição se encontra na actual sociedade em rede”.
Jornalista