Nas vésperas da Jornada Mundial da Juventude, na qual se espera a participação de cerca de um milhão de jovens, serão estes e o Papa os protagonistas deste evento que tem como anfitriã a cidade de Lisboa. Porque Francisco sempre teve um especial carinho, assente na fé de que o futuro pode ser mudado pelos jovens, têm sido muitas as mensagens particularmente dedicadas aos mesmos. E nada melhor que esta Jornada para cimentar ainda mais esta relação mútua de afecto
POR HELENA OLIVEIRA

Há cerca de três meses, o Papa enviou aos 400 mil jovens na altura inscritos para a Jornada Mundial da Juventude 2023, em Lisboa, uma pequena mensagem de vídeo, na qual sublinhava o facto de que qualquer pessoa que deseje participar neste grande evento irá fazê-lo “porque tem sede de partilhar, de contar a sua experiência e receber a experiência dos outros”, acrescentando que os jovens têm sede de novos horizontes.

Nos poucos dias que faltam para o início deste encontro de jovens de todo o mundo, as expectativas apontam para cerca de 1 milhão de participantes em Lisboa e em Fátima, com Francisco a ter uma agenda muito preenchida e, na opinião de muitos, demasiado sobrecarregada. Com muita idade, doente e vulnerável, só mesmo um Papa que deposita muitas esperanças nas gerações mais jovens teria coragem de cumprir este extenso programa. Afinal, e ao longo de todo o seu pontificado, Francisco tem elegido muitas vezes os jovens como recebedores por excelência das suas mensagens, desafiando-os de várias formas, apelando a que não se acomodem, mas sim que ajam em prol de um mundo melhor.

Este artigo não tem a pretensão de cobrir o extenso caminho que Francisco tem procurado fazer com os jovens – e tal seria impossível – mas apenas recordar alguns momentos e reptos que têm acompanhado a sua relação estreita com as gerações mais novas.

Certo também é que desde o início do seu pontificado, o Papa sempre deu uma enorme importância ao diálogo que deve ser estabelecido entre os mais novos e os mais velhos. Em 2017 foi lançado o livro Dear Young Friends: Pope Francis in Conversation with Young People, o qual relata os principais momentos da Jornada Mundial da Juventude que teve lugar em Cracóvia, na Polónia, em 2016. Nessa altura, o Papa voltou a chamar a atenção dos jovens para os perigos da apatia e do materialismo, convidando-os a deixar uma marca na história ao serem proactivos no seguimento de Jesus, transformando o nosso mundo destruído. E a verdade é que as palavras eminentemente acessíveis e encorajadoras do Papa, tanto nos seus discursos como nas suas respostas pessoais às perguntas dos mais novos, convidam os jovens a tornarem-se participantes activos e esperançosos na Igreja de hoje e a escolherem o caminho desafiante do envolvimento com a mensagem do Evangelho.

Buscar o bem comum chama-se amizade social. A inimizade social destrói. E uma família destrói-se pela inimizade. Um país destrói-se pela inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra”

Assim, comecemos por recordar o extenso documento que, depois do Sínodo de 2018 – “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional e no qual participaram cerca de 300 jovens “directamente” e milhares via Facebook, o Santo Padre escreveria uma exortação apostólica, não só dedicado aos mais novos, mas “a todo o povo de Deus”, tendo contudo como destinatários principais as gerações mais novas. Intitulada CHRISTUS VIVIT, esta exortação apostólica pós-sinodal apresenta uma espécie de síntese do trabalho anteriormente feito com a participação dos jovens e das ideias que foram partilhadas entre si, a qual e como já nos tem habituado, é escrita muitas vezes num estilo literário e até mesmo poético.

Neste documento, Francisco começa por explanar sobre “o que diz a palavra de Deus” no Antigo Testamento sobre os jovens, abordando de seguida a “juventude” de Jesus” e, com base em dados evangélicos, recordando que na sua fase juvenil, “ Jesus foi-Se ‘formando’, foi-Se preparando para realizar o projecto que o Pai tinha” e que “a sua adolescência e juventude orientaram-No para esta missão suprema”. Os demais capítulos da exortação são dedicados a responder à pergunta “Como são os jovens hoje?”, seguindo-se uma promessa de “um grande anúncio”, elucidando sobre “os percursos da juventude” e recordando-lhes a importância “das suas raízes”. Um dos três restantes capítulos é exclusivamente dedicado à pastoral juvenil, ao que se segue o tema da “vocação” e do “discernimento”.

Adicionalmente, foram várias as mensagens particularmente dirigidas aos jovens, entre as quais destacamos algumas.

Por exemplo e no seu tom sempre honesto e de quem não tem medo de escrever verdades que podem ser inconvenientes para muitos, Francisco “assume” que, para muitos jovens, a religião e a Igreja não passam de “palavras vazias”, sendo contudo mais “sensíveis à figura de Jesus”. E é por isso que escreve que é necessário que “a Igreja não esteja demasiado debruçada sobre si mesma, mas procure sobretudo reflectir Jesus Cristo”. Para o Papa, “isto implica reconhecer humildemente que algumas coisas concretas devem mudar e, para isso, precisa de recolher também a visão e mesmo as críticas dos jovens”. (39)

O Sumo Pontífice considera também que os jovens são – e devem ser – mais reivindicativos no que respeita à Igreja dos nossos dias, reclamando que a mesma deve escutar, não passando o tempo a condenar o mundo. Como escreve [os jovens]  “não querem ver uma Igreja calada e tímida, mas tão-pouco desejam que esteja sempre em guerra por dois ou três assuntos que a obcecam. Para ser credível aos olhos dos jovens, precisa às vezes de recuperar a humildade e simplesmente ouvir, reconhecer, no que os outros dizem, alguma luz que a pode ajudar a descobrir melhor o Evangelho”, acrescentando também que não pode ser uma Igreja que esteja sempre na defensiva, que não escute e que não permite ser questionada, pois assim “perde a juventude e transforma-se num museu”, não podendo desta forma “receber os sonhos dos jovens”. (41)

Mais ainda, considera que os adultos estão sempre prontos a apontar os defeitos da juventude actual – salvaguardando a ideia de que existem “muitas juventudes”, não constituindo um “todo homogéneo”, mas compondo-se de “grupos que vivem situações peculiares” – e que parecem ávidos em encontrar aspectos negativos e perigos na mesma. Numa tentativa de definir estas várias juventudes, Francisco considera as questões demográficas, os países onde o cristianismo tem uma presença minoritária e onde os jovens são perseguidos, não se esquecendo, e como seria de esperar, de diferenciar os que têm acesso às oportunidades oferecidas pela globalização e aqueles que vivem socialmente marginalizados e “suportando os efeitos de formas de exclusão e descarte”. (66)

Recordados são ainda os que vivem em contextos de guerra e que sofrem violências variadas, os que por falta de alternativas entram no mundo do crime e dele saem destroçados, os que são “mentalizados, instrumentalizados e que servem de carne para canhão”, como por exemplo as crianças-soldado ou os que são assediados para gangues ou para o terrorismo, “(…)  tornando-se assim presa fácil de propostas desumanizadoras e dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos ou poderes económicos” (73). Mais numerosos que estes, escreve o Papa, “são os jovens que padecem de formas de marginalização e exclusão social, por razões religiosas, étnicas ou económicas”. (74) Em “Cristo Vive”, O Papa faz também uma proposta aos jovens, pedindo-lhes que construam o que define como “amizade social”: “buscar o bem comum chama-se amizade social. A inimizade social destrói. E uma família destrói-se pela inimizade. Um país destrói-se pela inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra. E hoje vemos que o mundo se está a destruir pela guerra”. (168) “E quando se consegue encontrar pontos coincidentes no meio de tantas divergências e, com esforço artesanal e por vezes fadigoso, lançar pontes, construir uma paz que seja boa para todos, isso é o milagre da cultura do encontro que os jovens podem ousar viver com paixão”, acrescenta ainda.

“Não fiques fechado em ti mesmo e nas tuas queixas. Levantai os vossos olhos! Levantai-vos!”

Já a 21 de Novembro de 2021, o Papa Francisco proferiu uma homilia inspiradora a 2 mil jovens reunidos na Basílica de São Pedro, na qual os encorajou a “sonhar e viver”; assegurando-lhes que “muitos” dos seus sonhos de “fraternidade, solidariedade, justiça, paz” são “os próprios sonhos de Jesus para a humanidade”.

O Santo padre exortou igualmente os jovens a nunca deixarem de “procurar a luz no meio das trevas que muitas vezes trazemos no coração ou que vemos à nossa volta”. E acrescentou: “Levantai o vosso olhar da terra para o céu, não para fugir, mas para resistir à tentação de ficarem prisioneiros dos nossos medos, pois há sempre o perigo de que os nossos medos nos dominem”.

Francisco afirmou ainda o seguinte: “Foi-vos confiada uma tarefa apaixonante, mas também desafiadora: permanecer de pé enquanto tudo à nossa volta parece desmoronar; serem sentinelas preparadas para ver a luz nas visões nocturnas; serem construtores no meio das muitas ruínas do mundo de hoje e serem capazes de sonhar”

O Papa agradeceu também aos jovens presentes “por todos os momentos em que cultivaram o sonho da fraternidade, trabalharam para curar as feridas da criação de Deus, lutaram para garantir o respeito pela dignidade dos vulneráveis e difundiram o espírito de solidariedade e partilha”. Agradeceu-lhes acima de tudo, “porque num mundo que só pensa no ganho presente, que tende a sufocar os grandes ideais, não perdestes a capacidade de sonhar”.

E exortou-os: “Não vivam as vossas vidas adormecidas ou dormentes. Em vez disso, sonhem e vivam”. E assegurou-lhes: “Isto ajuda-nos a nós, adultos, e também à Igreja. Sim, também como Igreja precisamos de sonhar, precisamos de entusiasmo juvenil para sermos testemunhas do Deus que é sempre jovem!”.

A Economia de Francisco e o apelo as jovens

Quando, em 2019, o Papa endereçou um convite aos jovens economistas, empreendedores e fazedores da mudança de todo o mundo para lutarem por uma economia diferente, “que traga vida e não morte, que seja inclusiva e não exclusiva, humana e não desumanizadora, que se preocupe com o ambiente em vez de o espoliar”, talvez não tivesse noção de quão bem recebido seria este repto. A denominada Economia de Francisco (EoF em Portugal) tem vindo a ser acolhida por milhares de jovens em todo o mundo, proporcionando pesquisas, debates, cursos, encontros e uma luta comum por inverter “ a economia que mata”, tendo sempre em linha de conta que ao matar tanto as pessoas como o ambiente, está também a matar o futuro”.

Como sabemos também, as encíclicas do Papa Francisco dizem também muito aos jovens e, em particular, a todos os que estão envolvidos neste grandioso “projecto” de uma nova economia. Há muito que o Papa clama por um novo sistema económico que sirva para todos e não só para alguns. Em Novembro de 2013 e na sua primeira exortação apostólica – a EVANGELII GAUDIUM – Francisco deixaria claros os fundamentos da sua acção neste sentido, os quais tem mantido ao longo de todo o seu pontificado.

Muitas das frases que utilizou na Evangelii Gaudium  – como por exemplo “não mais podemos confiar nas forças cegas e não mão invisível do mercado” ou “devemos dizer não a uma economia de exclusão e de desigualdade social” têm servido também para o convite que foi feito aos jovens tenha muita matéria para explorar.

Dois anos depois, em Junho de 2015 e naquela que foi considerada a primeira encíclica ambiental da história  – a “LAUDATO SI’, sobre o Cuidado da Casa Comum”-, o Papa elege como tema essencial a ecologia, sem contudo deixar de fazer uma análise do sistema económico vigente, com críticas ao seu lado mais negro e nunca deixando de focar as principais questões a que se tem dedicado com fervor: as desigualdades sociais e a pobreza. “A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano”, escrevia, no seguimento de outras intervenções incendiárias de que são exemplo “se tu escolhes o caminho do dinheiro, no final serás um corrupto” ou, mais famosa ainda, a sua própria interpretação livre de uma frase de São Basílio Magno, “o dinheiro é o esterco do diabo”.

Adicionalmente e na mais recente FRATELLI TUTTI , sobre a Fraternidade e a Amizade Social (2020), o Papa recordou igualmente que “a crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o desenvolvimento de uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da actividade financeira especulativa e da riqueza virtual, mas que não houve uma reacção que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo”. Antes pelo contrário, acusa, “parece que as reais estratégias, posteriormente desenvolvidas no mundo, se têm orientado para um maior individualismo, uma menor integração e uma maior liberdade para os que são verdadeiramente poderosos e sempre encontram maneira de escapar ilesos”.

E é nos jovens que deposita toda a sua fé para que o mundo seja menos desigual, menos desumanizado e com a consciência ambiental necessária para haver futuro para as novas gerações. Pelo menos, são muitos os que o ouviram e aceitaram este enorme desafio. E que estarão decerto presentes neste importante encontro.

Editora Executiva