A propósito das JMJ, e sempre a propósito do muito que sucedeu no nosso país em Agosto, a ACEGE interroga-se de como o evento teve impacto na vida dos profissionais católicos. Esta edição especial das Conversas Next terá aqui um formato um pouco diferente, com três participantes (na realidade quatro, pois a nossa moderadora também teve um grande papel nas JMJ) que se dedicaram ao evento. Mais uma vez, Carmo Teixeira Diniz trata do acolhimento e da moderação. Fala-se de alegria, fé e dedicação, fala-se de dias inesquecíveis e de como é possível trazer tudo o que se sentiu para o dia-a-dia
POR PEDRO COTRIM

 Apresentam-se as três convidadas:

Maria Costa Duarte é casada mãe de três filhos. Viveu em quatro cidades de três países e de dois continentes, sendo que uma dessas experiências teve a duração de 7 anos em São Paulo, no Brasil. As suas raízes académicas estão na psicologia familiar e comunitária e tem dedicado toda a sua vida ao desenvolvimento da pessoa humana, em contexto privado ou comunitário escolar. Actualmente a Maria Costa Duarte é presidente da Associação dos Psicólogos Católicos e coordena em casal o secretariado diocesano da pastoral familiar em Santarém.

Teresa Souto Moura é casada há 13 anos e mãe de três filhos. É médica internista no hospital de São José em Lisboa. É também professora na faculdade de medicina da Universidade Católica e na Universidade Nova de Lisboa; é membro da Direção Nacional da Associação dos Médicos Católicos Portugueses desde 2017.

A Margarida Manaia é directora de Recursos Humanos da Jerónimo Martins desde Outubro de 2023, mas já pertence à organização desde 2013. Foi responsável pela coordenação dos voluntários da Jornada Mundial a da Juventude, sendo cedida pela Jerónimo Martins ao evento.

 

Carmo Teixeira Diniz: Três meses depois de recebermos em Lisboa o maior evento católico do mundo, com mais de 1,5 milhões pessoas, esperamos que o entusiasmo, a alegria e a beleza transbordem e ofereçam à igreja do nosso tempo o que o que há muito lhe falta. Pretendemos aqui hoje criar um espaço para a partilha de pensamentos que aprofundámos no decorrer destes dias e também as importantes mensagens que o Papa nos deixou. Queremos passar da teoria à prática para que não fiquem só as palavras, mas para que se tornem reais. Margarida, quer começar?

Margarida Manaia: Foi um privilégio trabalhar durante quase dois anos na JMJ. Estou muito agradecida ao Padre Duarte da Cunha e à Jerónimo Martins por ter permitido que eu estivesse durante quase dois anos dedicada ao evento, salvaguardando o meu lugar. Foi uma experiência muito rica. Conheci uma igreja a que não acho que falte nada, porque a igreja é Cristo. As JMJ trouxeram-me grande alegria e a certeza de ser o sítio onde quero estar. Conheci realidades e pessoas que me confirmaram o lugar a que pertenço.

Foi uma riqueza ver a generosidade com se trabalhou para preparar a vinda do Papa na pessoa de Cristo. O que todos desejamos, que o que fazemos seja concreto e em sintonia com o nosso coração, foi muito visível. Vi igualmente o modo como se gera um entusiasmo e uma generosidade que nos espanta. Os voluntários internacionais deram um grande exemplo: vieram de todo o mundo, alguns de muito longe, deixaram a família e o trabalho e vieram para se disponibilizar e para o serviço. Aprendi muito com isto e percebi que também quero ser assim generosa na minha vida.

Foi também um tempo de dificuldades e penso muito no exemplo de um padre, que fez uma homilia sobre as bodas de Canaã. Quem percebeu o milagre foram os empregados. Perceberam a transformação do vinho e em água e o mesmo sucedeu nas JMJ. Nós, que lá trabalhámos, pusemos ali tudo, mas não estava tudo preparado para a dimensão do evento. O milagre acontece nos nossos dias e percebemos nos nossos dias que é Cristo quem faz. A surpresa que vem de fora e que é muito maior que aquilo que possamos pôr no prato.

Maria Costa Duarte: É mesmo linda esta complementaridade dentro a igreja. A minha participação nas JMJ, no âmbito da pastoral familiar, foi promover o apoio às famílias de acolhimento e também o apoio indirecto aos sacerdotes e ao cansaço que se ia acumulando. Fomos ministros extraordinários da comunhão durante as duas missas e eu coordenei uma equipa de psicólogos que esteve presente no CNEMA – o maior centro de acolhimento de peregrinos durante as JMJ. Não consegui estar presente durante o dia, e, portanto, estava de chamada à noite. Tive algumas questões sérias de jovens a respeito da saúde mental, articuladas com as questões da fé. É claramente um dos desafios dos cristãos que também são psicólogos – não permitir que se instale um estigma moral sobre o que é do foro da saúde mental e da ciência. Foi uma experiência extraordinária acolher jovens que numa experiência de igreja, se perguntam: «mas afinal onde é que eu fico? Se Deus é suficiente, porque é que eu estou tão aflito?»

Põe-se a questão da literacia da saúde mental no seio da igreja: é preciso distinguir a saúde mental da saúde espiritual. Não de pode deixar que as pessoas fiquem reféns do estigma espiritual e que não peçam ajuda à ciência. O Papa Francisco trouxe uma forma de comunicação muito próxima e que quebra barreiras. É desafiante, pois a palavra é fundamental para todos os seres humanos, e esta capacidade de comunicar à maneira de Jesus. Urge resgatar o que é a essência do ser humano, muito pelas palavras do Papa.

Teresa Souto Moura: Foi a minha primeira participação nas JMJ. Pergunto-me «porque é que nunca ninguém me obrigou a ir às Jornadas anteriormente?» (risos). Graças a Deus, tive agora a possibilidade. Não foi de início, pois assumi que seria necessário um grande reforço no meu hospital durante as JMJ. Havia receio de uma grande afluência. Quando percebi que não ia estar de banco e que havia a possibilidade real de participar, voluntariei-me para as jornadas. Fiz parte da equipa do Parque Tejo e fui chefe de equipa de algumas tendas e de alguns sectores. Entrei nas reuniões de preparação, nas formações e foi impressionante o contacto com a equipa de organização – a quem tiro o chapéu – com o cuidado com os voluntários, a proximidade, a humildade quando havia imprevistos ou a imensa paciência para as inúmeras perguntas. Foram espectaculares.

O contacto com muitos voluntários estrangeiros foi extraordinário. Houve dedicação e muito empenho para um objectivo comum. Sentimos que ali podíamos praticar a saúde à maneira de Jesus, encarnámos o Bom Samaritano e as pessoas quiserem sempre fazer o melhor possível, mesmo em situações de falta de material ou nas alturas mais complicadas. O sentido de missão foi tremendo, e devia ser sempre sentido do dia-a-dia fora das Jornadas. Depois é um grande desafio. Enchemos a nossa despensa de Graça com estas Jornadas e depois aterrámos num mundo muito particular, de grande convulsão e descontentamento e desânimo. Os problemas são reais e para todos, mas temos um ânimo e uma experiência que vem da nossa fé que nos alimenta, que nos induz a fazer melhor e a não desistir.

Carmo Teixeira Diniz: Agradeço às três esta partilha sobre a vivência das jornadas! A Teresa já entrou no tema que queria abordar convosco, tentando chegar a algumas mensagens que o Papa Francisco nos deixou. O tema da esperança, da cultura de esperança e da alegria missionária. A alegria de que o Papa nos falou, da alegria de Maria quando soube que estava grávida e de pensar na sua prima Isabel. Como é que se pratica esta cultura de alegria no dia-a-dia? E a esperança de sonhar? Maria, quer começar? Como se pratica isto no quotidiano de um psicólogo?

Maria Costa Duarte Ui, essa pergunta dava para um seminário de dois dias (risos). Creio que importa sobretudo saber primeiro o que é isto da alegria. Maria, quando sai, vai levada pelos sentidos e emoções. Uma mulher, num acto consciente, num acto de amor, renuncia a uma série de confortos para uma viagem com o Filho de Deus no ventre. O termo «alegria» fica muitas vezes perdido nesta coisa do contentamento, de ficarmos alegres. Esta alegria missionária de que o Papa nos fala é uma alegria muito mais exigente e consciente. Precisamos de querer, de decidir viver. Por outro lado, há aqui uma questão: existe o estigma da alegria. Hoje estou alegre, hoje estou então muita coisa positiva. Muitas vezes achamos que corremos o risco de uma espécie de «ditadura da alegria». Para estar alegre, tenho de pôr tudo o resto debaixo do tapete, numa espécie de sentimento exclusivo. E não é, pois este exemplo da saída apressada de Nossa Senhora é muito ilustrativo. A cultura da alegria no dia-a-dia tem muito a ver com a alegria que queremos viver e o Papa foi muito claro no que quis significar. Alegria na esperança não significa ausência de sofrimento. É um sentimento com propósito.

Carmo Teixeira Diniz: Teresa, e os médicos? Com toda esta conjuntura, como há espaço para esta alegria do dia-a-dia?

Teresa Souto Moura Para mim, é o desafio do momento. É a grande missão dos médicos católicos: serem bastiões da esperança e não perderem a alegria. Concordo absolutamente com o que a Maria disse: a alegria não significa que achar que esteja sempre tudo bem. Foi também a nossa experiência de sermos médicos nas Jornadas. No Parque Tejo, com mais de 40 graus e quando a água e os mantimentos ainda não tinham chegado, havia pessoas a desmaiar e não estava tudo bem, mas a nossa alegria, no sentido da convicção e do empenho, do significado do que estávamos a fazer, não ficou abalada. É o que tento transmitir aos mais novos. Não nos alheamos dos problemas do mundo, mas temos de fazer parte das soluções com esta alegria de fundo que nunca se abala. Nós, médicos, temos este sentido de missão, mas somos humanos. Temos de pensar que não é este quotidiano dos últimos tempos que nos abala. Jesus também nunca vacilou.

Margarida Manaia: O que tenho a dizer é muito na linha do que a Maria e a Teresa foram dizendo. A minha experiência, de como é que se pratica esta cultura de alegria e se faz com que os colaboradores sonhem. Foram tempos extraordinários, com pessoas de todos os tipos. A alegria foi imensa, estávamos juntos, rezávamos juntos, tudo me podia causar uma grande nostalgia, mas não é o que sucede. Eu sabia que as JMJ iam acabar, e por isso escapei a esse sentimento. Fiz novos amigos e gostei mesmo muito de lá estar. Ajuda-me procurar as razões que me fizeram estar tão contente. É um trabalho de que não nos devemos retirar e que me obrigo a fazer. Também o proponho a quem trabalha comigo. E foi tão bom porquê? Duas coisas muito importantes: o testemunho dos outros. Percebi que sozinha não me aguento. Segundo: rezar e pedir. Durante as JMJ, a minha experiência foi de pedir. Não tinha pessoas nem dinheiro e tinha tudo para montar. Pedi muito mais, sobretudo a Jesus: nunca havia pedido tanto e percebi que mudava a minha vida.

Também já percebi que agora, no meu trabalho, nada me falta e que posso experimentar a mesma alegria que experimentei nas JMJ. Não é um trabalho programático, mas de cada um. «Porque é que foi tão bom?». Procurar isto e tomar consciência das razões daquela alegria. Falo de tudo isto sem abordar sequer os sacramentos. Há que sonhar, mas não de forma utópica, um sonhar de forma realista, fazer as perguntas certas. Se fugirmos da banalidade, enriquecemos a conversa. Sucedeu-me agora de manhã: após uma reunião, fui convidada para almoçar, pois quem estava comigo queria saber mais das Jornadas. É bom falar e falarmos dos sítios onde estamos. Por vezes sinto que me estou a repetir, mas parece-me importante, pois cada vez que falo, lembro-me de uma coisa nova.

Houve algumas empresas a mobilizar as suas pessoas para serem voluntárias. Fizeram um encontro numa destas empresas há uma semana e pouco com os voluntários que lá estiveram e foi uma coisa belíssima contar testemunhos de coisas que eu não presenciei e de que não tinha conhecimento. Fiquei feliz com o que me contaram e que também senti aqui na Jerónimo Martins: saímos do nosso anonimato e eu passei a conhecer pessoas católicas que nem sabia que estavam aqui na empresa e passou a haver um sorriso feliz quando passamos uns pelos outros. Há uma vontade de não estarmos sozinhos e de continuarmos juntos e isto é uma riqueza brutal. Eu falo de da igreja ou de não não que antes não não soubessem que eu era católica mas eu acho que neste momento as pessoas falam mais abertamente de tudo e e da igreja de onde estão como é que é e com e os outros com quem não é também com respeito a alguma curiosidade e por isso eu acho que que este entusiasmo também se faz por Contágio

Carmo Teixeira Diniz: Obrigada por esta vossa partilha. Gostava de tocar aqui num ponto em que o Papa tocou várias vezes também ao longo destes dias das Jornadas: a questão do serviço em amor gratuito. Na vida tudo se paga e só há uma coisa gratuita, que é o amor de Jesus. Falou também, já no final da das Jornada,s no encontro em Algés, que deveremos ser surfistas do amor como metáfora da caridade. Como é que conseguimos aplicar este princípio de amor gratuito nas nossas profissões?

Maria Costa Duarte: Penso que há aqui dois elementos muito importantes e nós tivemos essa experiência no CNEMA. Em contexto de jornada foi muito intenso, e estamos a falar de cerca de muitos milhares de peregrinos. Foi uma logística tremenda, com muitos voluntários e tudo feito com um ânimo tremendo. Todos vivemos isso, cada um nos seus lugares, mas havia uma questão que tinha a ver com o autocuidado e o amor próprio, e muitas vezes, quando nós falamos nesta questão da gratuidade do amor, penso que nos esquecemos de nos amarmos a nós próprios, que ninguém dá o que não tem. Eu, para poder amar e amar bem, tenho de me amar a mim própria. A metáfora da máscara de oxigénio nos aviões é perfeita: primeiro tenho de pôr a minha para poder acudir às crianças ou aos idosos.

Teresa Souto Moura: Também tive uma experiência muito engraçada, de conhecer pessoas com quem sempre me cruzei no hospital no meu serviço e que conheço há imenso tempo. De repente, também eram voluntários na Jornada Mundial da Juventude. Não sabia que eram católicos nem que iam participar tão activamente. De facto, agora também há uma sensação de comunidade diferente. Também tive outra experiência engraçada, na minha tenda do Parque Tejo. No sábado à noite, veio para a minha tenda um rapaz de quem eu simplesmente sabia o nome. Disse-me que tinha sido meu aluno e de repente há uma série de pessoas que se torna não anónima. Já nasceram algumas dinâmicas ao nível do nosso do nosso hospital. A compaixão, o amor gratuito a e o amor ao próximo são uma espécie de valores intrínsecos à profissão.

Margarida Manaia: Há uma carta de São Paulo que dizia que há um desejo de bem grande, não para mim, mas para os outros. Depois, no trabalho, posso chegar com uma vontade imensa de falar a todos com imensa simpatia, mas depois surge qualquer coisa que me irrita e perco logo o meu o meu o meu entusiasmo ou bom humor. Todos nós temos um desejo de grande felicidade, mas depois no dia a dia tropeçamos constantemente. Olhando para as Jornadas, também dos voluntários internacionais de quem falei, que estavam cá desde o princípio, mas volto a referir que aquilo que me salva é partir da experiência de como sou amada por Jesus. Não há outra experiência maior e é esta forma de amor que importa e que importa levar aos outros.

Carmo Teixeira Diniz: O tempo voou! Agradeço às três estes testemunhos tão ricos. Ficámos com esta mensagem muito forte das Jornadas, o «todos, todos, todos». Esta visão de inclusão tem mesmo de passar a todos, tal como fez Maria, levantando-se apressadamente sem pensar nela. O amor de Cristo nos uniu.