Não vivemos tempos fáceis em Portugal, mas não podemos cruzar os braços. Temos de nos conhecer, saber de onde vimos e onde estamos, encontrar o ponto ótimo entre o que nos motiva e aquilo que nos destaca, temos de ser criativos para contornar a realidade e resilientes para podermos continuar a sonhar os nossos sonhos
POR JOÃO SOUSA DE MACEDO

Venho, neste artigo de pura e humilde opinião, falar da minha experiência e perspetiva sobre os tempos que vivemos, os desafios e oportunidades que enfrentamos e, sobretudo, sobre a atitude que acredito ser a certa para encarar mundo de hoje.

Já não sou um recém-licenciado. Tive a sorte de poder frequentar e concluir em 2012 a minha licenciatura em gestão entre Portugal e o Reino Unido. Ingressei no mundo profissional desde então, tendo interrompido para seguir um Double Master’s Degree na Nova SBE em Lisboa e na Maastricht SBE em Maastricht, na Holanda. Passei já por quatro reputadas multinacionais inseridas em quatro indústrias distintas onde desempenhei vários cargos de gestão. Tenho progredindo na carreira de forma mais ou menos regular e considero-me um afortunado por ter gostado quase sempre do que fiz ao mesmo tempo em que recebi compensações pelo meu trabalho acima da média.

Falo na condição de marido e jovem pai de dois filhos, membro de uma vasta família alargada da qual muito me orgulho e que, em conjunto com as grandes amizades que trago na vida, nunca me deixará morrer à fome.

Tenho muita sorte, não me canso de dizer.

Como tantos, sonho em ter a minha própria casa com jardim, em poder dar uma boa educação e cuidados de saúde aos meus filhos, em viajar pelo mundo de família às costas, em passar umas férias tranquilas na praia ou no campo e em ter uma reforma descansada. Uma panóplia de desejos materiais, sem dúvida, que não deixa de pressupor por detrás o maior e derradeiro desejo imaterial da felicidade.

Contudo, em conjunto com a minha geração e as que se seguem, deparo-me hoje com problemas socioeconómicos absolutamente críticos que parecem barrar-nos o caminho em direção a esses sonhos. Inflação desmesurada, subida contínua e histórica das taxas de juro, diversas crises sociais e humanas, impostos altos e salários baixos e de progressão lenta, mercado imobiliário amplamente inacessível… São só algumas das grandes dores de cabeça com as quais, invariavelmente, temos de lidar.

Não querendo entrar em comparações intergeracionais e aceitando que antigamente existiam outros problemas, temos de reconhecer que é dos momentos mais duros do tempo para jovens com eu que ambicionam construir família e carreira em Portugal. E se eu, que me considero um sortudo na “lotaria genética” e nas oportunidades profissionais que tenho tido, tenho de fazer contas à vida, imagino os recém-licenciados de hoje ou aqueles que não têm ninguém à volta para os apoiar.

Poderia lamentar-me sobre este profundo e triste tema dias a fio – e a tendência humana é essa, sem dúvida – mas entendo que é na arte de nos “levantarmos e andarmos” que nos devemos focar. É aí que reside a virtude do encontro com a esperança e na qual um católico, como eu, deve centrar as suas energias.

Há cerca de dois anos, abri um capítulo novo na minha vida: comecei um negócio próprio, aquele desígnio intrínseco em mim desde que me lembro e que muitas vezes esteve atravancado pela inércia ou pela azáfama do dia-a-dia. Sei que o partilho com muita gente.

Levantei-me e andei.

Fi-lo, sobretudo, por duas razões: a primeira e principal, por uma questão de realização pessoal, porque adoro pensar em novas ideias e porque imagino a minha vida a trabalhar nelas; a segunda, não minto, porque daria obviamente jeito ter uma fonte de rendimento adicional ao meu trabalho principal que, notem, mantive sempre num regime de conciliação e do qual gosto bastante.

Tive de reunir as condições para que tudo fosse possível. Juntei-me a um primo que partilha do mesmo gosto que eu, dediquei tempo concreto a elaborar e estudar a ideia que tínhamos e organizei a minha agenda para poder trabalhar naquele e noutros projetos fora de horas, não descurando o meu emprego central.

Nada seria possível sem algum sacrifício, mas sabia que por gosto não me cansaria. Hoje, por vezes, preciso de trabalhar à noite ou ao fim de semana e de abdicar de alguns programas, mas não deixo de ver séries (talvez não veja 3 episódios de seguida), de brincar com os meus filhos, de estar com a minha família e amigos e, inclusivamente, já abri um segundo negócio.

Se a vida não é fácil, cabe-nos tentar facilitar o nosso caminho e é isso que pretendo com esta minha mais recente experiência. Da minha introspeção, pensando no que me trouxe a este momento do tempo, gostava de propor três passos que ajudam a fazê-lo:

O primeiro e primordial passa por nos conhecermos melhor. O chamado “autoconhecimento”. É um exercício de reflexão que considero vital para decidir o que quer que seja sobre a nossa vida, para onde queremos ir, o que queremos ou não queremos fazer. Sabemos melhor que ninguém onde somos bons, o que verdadeiramente nos dá gozo, o que nos motiva, o que nos faz sentir realizados. Conhecemos também as nossas falhas, onde temos de trabalhar, o que nos causa neura e os sacrifícios que estamos ou não dispostos a incorrer.

Sem esta perspetiva, somos apenas folhas que voam ao sabor do vento, sem personalidade, sem opinião e em role play constante. É importante procurar o nosso “Eu” mais puro e genuíno para descobrirmos aquilo que estamos vocacionados a fazer.

Durante este exercício, provavelmente existirão os clássicos paradoxos “aquilo em que sou bom não dá para viver” ou “gostava de ficar em Portugal, mas recebe-se tão mal que a solução é emigrar”, com os quais discordo absolutamente. Não tem de ser assim. Temos é que nos reinventar, o que me leva ao segundo passo que é o poder de adaptação.

Temos de saber contornar a realidade e reinventar-nos. Se aquilo em que sou bom ou que gosto de fazer não dá dinheiro, arranjo uma forma para fazer dar. Se, no limite, não encontrar essa solução, nunca é tarde também para aprender a gostar de outras coisas que, passo o pleonasmo, “dão dinheiro”. É importante que encontremos o ponto ótimo entre o que nos motiva e dá prazer e aquilo em que nos destacamos, nem que isso implique experimentar a nossa zona de desconforto.

Sobre este aspeto, na minha opinião, há um fator importantíssimo no qual devemos sempre trabalhar de forma incansável: a criatividade. É ela que nos permite ter um olhar original sobre as coisas à nossa volta e melhorar o que pode ser melhorado. É ela que nos ajuda a ver mais além e a encontrar as respostas mais simples para as questões mais complexas. É um dom mais inato para alguns do que para outros, mas sem dúvida trabalhável por qualquer um.

E, não me interpretem mal, nem todos temos de ser empreendedores ou reinventar a roda. Às vezes, são pequenas mudanças que nos ajudam a resolver os grandes entraves com que nos deparamos.

Por fim, um passo menos tangível, mas tão importante: a resiliência.

A virtude de esperar e aguentar, resistindo às adversidades. Na grande maioria das vezes, não será de um dia para o outro que os resultados irão aparecer. Depois de nos levantarmos e andarmos, é importante estarmos preparados para o caminho que temos pela frente, que muitas vezes é sinuoso e que pode causar dor nas pernas.

Há que aguentar essa dor porque, no fim de tudo, compensará chegar à meta.

 

João Sousa de Macedo

32 anos, casado, pais de dois filhos de 4 e 2 anos. Formado em Gestão pela Nova SBE e mestre em Gestão com especialização em Estratégia e Inovação pela Nova SBE e Maastricht SBE. É responsável comercial em Exportação na Sociedade Central de Cervejas e sócio em dois negócios próprios: a Olkin e a ClickLaw. Tem especial interesse pelas áreas de inovação, empreendedorismo, estratégia e desenvolvimento de negócio.